quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O Último pulo do ano




Ela é feita de sol, não é? São seus cachos que iluminam o jardim de pedras que habita sua alma. É seu sorriso que desfaz os oceanos de dor em dias chuvosos. Foi por ela que respirou fundo e disse um sim como nunca antes. Prometeu, até para si mesma, que nunca iria agir como no outrora. O seu coração foi entregue, estilhaçado, em uma bandeja de prata cintilante. Com um júbilo intenso, proclamou todas as palavras amorosas guardadas e trancafiadas na última torre cinzenta do céu. 

Após tantos pensamentos confusos, dores impronunciáveis e quedas de abismos infinitos, viu, pela primeira vez, em muito tempo, um resplandecer coberto de cores. Mas, não era tão simples, não era como no outrora. Jamais havia sentido e descoberto algo assim antes. Era sempre espantoso observar as novas emoções brotando em sua alma. Cada dia uma distinta revolução dentro de si. O segredo sussurrado na madrugada foi abandonado para que pudesse pular sem pensar duas vezes.

Lançou-se em direção do precipício, do alcantil mais alto e supremo. Durante a queda, sorria largamente, tola e preenchida das mais sublimes ilusões. Ao final do tombo apavorante, abriu os olhos e apenas encontrou os destroços de si. Coberta de seu próprio sangue - porém, sem desfazer a expressão de contentamento, colada na face -,  estava junto com as decepções provocadas pelo impacto do pulo que pensara ser infinito.

Após o desfecho de sua ação precipitada, permaneceu jogada, ensanguentada, esperando o próximo raiar do dia, o resgate, a reviravolta, uma surpresa inalcançável. Tentou se manter respirado, no entanto. Até a chegada da hora da decisão derradeira: levantar ou permanecer estirada, até o desaparecer da consciência, coberta pela lama rubra que a soterra devagar.   

Sobre as Linhas do Altar




O céu tão azul e límpido espera por ti, para que os laços não sejam mais partidos. O caos que habita a alma chacoalha o corpo que delira. Os seus desejos são cobertos pela dor do abandono. Os seus passos cessam e congela as ações, para que não haja mais temor. A face enrubescida se despede e a palidez se faz presente e toma conta de cada centímetro seu. Não existe possibilidade de retorno. Por isso, respira e segue rumo ao poço sem fim da solidão, para os mares secretos da perdição, para o degrau derradeiro da falta de sorte.

Os olhos brilhavam e as palavras eram intensas. O sol nascia e a sua presença era quase palpável. Quando os caminhos começaram a ser tortuosos? Quando os sonhos foram menores do que todo o resto. A vontade secou e o pranto perfurou o rosto como um ácido diáfano. Os estilhaços espalhados pelos oceanos se perdem de vez, não mais deseja recompô-los novamente. Se encontrar um pedaço sequer, não fará nada ao não ser ignorá-lo. 




As frases coladas parecem confusas em seu diário de lamúrias. Contudo, faz todo sentido em sua caótica e perturbada mente. Há também a pergunta que ronda e penetra seu cotidiano: qual de seus atos fizera com que o afeto se dissolvesse tão rapidamente? Seguir é difícil quando tudo parece turvo, inclusive o despertar da aura abalada. Ela tenta pôr em sentenças frouxas sentimentos indecifráveis. Não há como explicar o impossível.

Recontando os dias, remontando os momentos, falha em alcançar alguma resposta concreta. Depois, se perde nas lembranças de sua voz tão marcante. A saudade é tão profunda que pequenos gestos e termos ditos pela outra no passado deixam um peso em seu coração. A leveza foi destroçada. O alento desvaneceu. Tudo é cinza, silencioso, tenebroso, lúgubre, gélido. 

As horas arrastadas crucificam as tentativas de retorno. Afogada em soluções tolas, cala-se diante das incertezas. Emudece. Queima promessas. Soterra as emoções ontem florescidas, acaba de vez com qualquer esperança e aguarda o ano novo que virá. Com ou sem o cálice transbordante de cor. 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Hüterin der Musiker



Ela é o dia, o sol, mas também todas as estações e suas peculiaridades. Consigo carrega tanta multiplicidade de emoções, que vibra a cada segundo de sua existência. O seu sorriso é como uma sinfonia de cores cintilantes. Na memória, a voz dela ecoa. Um nó na garganta se forma ao tentar lembrar das sensações do passado. A partida parece esmagar o peito a cada hora que passa no relógio. Para onde foram todas as promessas exclamadas nas madrugadas de júbilo eterno?

 Não. Não deseja reclamar dos erros de outrora. Não é isso. A questão é maior! É de saudade que fala. É da poesia do seu olhar, perdida no oceano de prantos. Se pudesse, a resgataria de todo sofrimento e transformaria todos os seus desejos em realidade. Sim, usa frases melosas. Se não fosse para ser tola e devanear por aí, cheia de afeto cálido, jamais escreveria em seu diário de lamúrias.

 Mas, o que veio falar mesmo? Ah! Das noites infinitas de risos e segredos. Das mensagens trocadas, da concupiscência revelada, do desejo infinito, de tudo que foi e já não mais será. Porque partiu para o nunca mais. Contudo, os estilhaços do coração já estão se recompondo. Mas, é impossível esquecer o quão forte foi. E como é preciso respirar fundo, diversas vezes, para não olhar para trás. Suspira. Chegam as lágrimas, claro.  

Depois, segue. Em silêncio, de longe. Olhando para o horizonte, para frente, sempre. Se seus caminhos se cruzarem novamente, quem sabe? Somente o destino sabe sobre isso agora...

 


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Anderes Morgen

 


Os silêncios imaginários são construídos através de pontes imensas de resoluções tardias e solidões inabaláveis. Os sorrisos se apagam e os oceanos jorram, porque existem e todos os elementos que os cercam também. Logo depois, vêm os olhares profundos que chegam até o coração em formato de sintonia. O mundo para por alguns instantes e tudo já é memória dançante. São assim os sonetos também. Aqueles apagados e reescritos. Os guardados nos bolsos dos casacos antigos e agora queimados ou jogados fora.

Mas, claro que a correnteza traz de volta o afastamento da amargura singela e vem, com o vento, evocar boas novas. Este sempre generoso elemento fez o convite para cerrar os pensamentos e pular em direção do destino. Não dos abismos disfarçados de luz, mas dos sons coloridos e das melodias cintilantes. Vem dos versos singelos, da renovação da temporada de dor, porém sem ela. Agora, mais leve e sem estragos.

E no desabamento da alma, que insiste em afundar, procura percalços onde somente existem flores nascidas ao sol. O horizonte brilha e os pássaros cantam, porém quer se agarrar na derrota passageira, pois é nela que sabe viver. Não pode mais ser aceita de tal maneira que os conflitos virem pó. Insiste na sereia do descaso e na fada melancólica. 

Lembra do passado e gargalha. É de fel que prefere se banhar. Ontem mesmo estava contente com seu anoitecer. Contudo, a sensação de júbilo lhe é tão estranha que cava no poço mais profundo o problema mais estapafúrdio. Mas, é hora de abrir os olhos outra vez e entregar. Esperar que a lama saia dos pés e os beijos sejam sempre doces. É, quer viver, não? Pois precisa aprender aceitar o que vem de bom e que o o caos se vá. Para não mais voltar. Para sempre. Fim. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

N


"É véspera de caos", Natália pensava enquanto ajeitava a barra da sua saia. Seu nome não saia de seu pensamento e era justamente isso que a perturbava. Não conseguia compreender como alguém poderia acalmar e chacoalhar tanto a sua vida ao mesmo tempo. Talvez, fossem as palavras não ditas, que imprimiam derrota, mas acariciavam a face. Nunca pensou que seria tão contraditória quanto agora. Tentava rabiscar algo em seu diário, mas jogava tudo fora. Não havia palavra que conseguisse expressar o que estava passando neste momento.

Sempre que parava para reler detestava tudo. Apagava e recomeçava. Mas, neste ciclo infinito, nunca terminava texto algum. Se ao menos pudesse sentir as suas mãos nas suas novamente. A lembrança era o que machucava o peito. "Tomamos sorvete de morango, não foi?", questionava-se, enquanto bebia um gole de água. Gostaria mesmo era de estar bebendo uma cachaça forte, naquela festa em que a encontrou pela primeira vez. Se ao menos conseguisse apagar aquele dia da memória, seria mais fácil caminhar sem estar cambaleante. 

Ascende outro cigarro. "Era esse ano que iria parar?" Confusa, olhava pela janela, tentando encontrar alguma história que a distraísse. Contudo, era impossível tirar de sua mente a dúvida daquela reaproximação. Tentava repetir fortemente que não era nada, somente uma tentativa amistosa de reconciliação. Queria ser sua amiga e apenas isso. Natália precisava parar de remoer o impossível. O "se" lhe parecia coberto de chagas e reticências. Olhava para os livros em sua estante, para o celular, para o relógio, para os cadernos espalhados pela sala. O trabalho lhe esperava, porém era árduo prosseguir. Queria saber a verdade.

No entanto, que verdade, afinal? Há alguma para ser revelada? Após tantos engasgos, como ousou abrir sua porta novamente? A metafórica, é claro. Contudo, sabia que se batesse em sua porta de verdade, a abria também. Por que não conseguia ser dura e firme em seus propósitos? Era como se andasse em uma eterna corda bamba. Nunca cessaria e a qualquer instante poderia cair de uma imensa altura. Como são tortuosas as ideias que surgem quando pensa nela. Aquela que foi sua salvação, em um segundo imenso de felicidade, antes nunca vista. 

Talvez, queime todos os seus escritos antes que amanheça o dia. Mas, já estava tarde demais para tomar qualquer decisão. Talvez, fosse até ela, a fim de descortinar qualquer mistério. Natália odiava enigmas. Era direta e clara em todas as suas afirmações. O sim era sim. O não era não. Mas, começou a se questionar se, na verdade, não estava enganada e não existia possibilidade de uma resposta positiva de sua heroína de cristal. 

A clareza de seu discurso, no outrora, até machucou cada partícula de sua alma. Agora, finge seguir com firmeza. Há toda uma aura de determinação e consciência. Todavia, basta um sorriso e uma sentença clara e regressará para o mesmo ponto que um dia habitou. Somente uma. "Para quê mais, não é mesmo?"

Natália se levantou da cadeira para pegar o seu tabaco. Bolar o cigarro era uma tarefa relaxante para ela. Respirou e pegou o material necessário para tal intento. Enquanto lambia a seda, ouviu um barulho no corredor do andar do seu prédio. "Esses vizinhos barulhentos que eu fui arrumar", reclamou internamente. O som dos passos foram se aproximando e ela se sentiu um pouco preocupada com o que escutava. Estava perto demais em comparação ao que estava acostumada. Largou o cigarro na mesa e foi conferir o hall no olho mágico. Calmamente, foi caminhando em direção da porta. Passo por passo. Segurou o ar e foi em direção da descoberta. 

Silêncio do lado de fora. As luzes estavam acessas. Uma moça estava ali. Contudo, não era qualquer moça. "Não, não poderia ser". Era A MOÇA! Ela mesmo. A garota de areia, a dona de todas as chaves de seu castelo, a inquisidora letal, a que renegou seus pedidos sinceros. Sem conseguir mais pensar em metáforas para descrevê-la, deixou que o pânico tomasse conta dela. Viu tudo girando e uma náusea profunda acometeu-lhe desavisadamente. "Será que iria vomitar em cima dela? Pior, iria eu abrir a porta?" A sirene tocou e queria mais do que nunca vomitar. Nunca sentira tanta palpitação em toda sua vida. Era ali, naquela instante, a hora da verdade. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

S



É  engraçado e curioso como sempre estamos buscando alguma novidade, mas o passado está cheio delas. Susan sempre pensava sobre isso quando estava em algum Café ou quando via um filme de alguma diretora diferente. “O novo esta ali”, pensava ela, enquanto dava uma generosa golada em seu café caramelo macchiato. 

“Quando a gente vai se descobrir, não é mesmo?”, continuava ela a pensar. Sempre lhe passava pela cabeça como as respostas já existiam e as pessoas que não tinham descoberto ainda. Pouco há para ser criado. Talvez, tudo tivesse sido criado no planeta inteiro. Talvez, até desde o seu princípio. Só faltava a gente descobrir. 


Para Susan, enquanto ela bebia seu café, em um aeroporto do Rio de Janeiro, com certeza alguma menina, em algum lugar do mundo, já sabia tudo o que ela precisava saber, mas não conhecia ainda. Isso a fazia sentir um alívio imenso, porque não era um caso de “será?” E sim um caso de “quando”. 






“Vai chegar! Ela vai chegar! Na verdade, todas elas vão. As respostas que agora rasgam o peito sob forma de dúvida”. 


Ainda que tentasse evitar, seus pensamentos ficavam rondando os seus medos. Naquela quinta-feira chuvosa, tudo que queria era estar em sua cama, em sua casa, coberta até as orelhas. Mas, não. Susan precisava enfrentar o maior medo que existia em sua vida. Talvez o café tenha sido um erro. Quem mistura cafeína com remédio controlado e comprimido pra enjoo? Com certeza, ela. Se alguém estivesse ao seu lado diria: “Só podia ser Susan!!!!” e daria uma longa gargalhada de desprezo. 


Pelo menos era assim que se sentia Susan. Triste, solitária, desesperada e desprezada. E lá já se iam as horas de espera e havia chegado a tão não aguardada hora do embarque. Nestes momentos, Susan reparava em tudo e meio que já se despedia da vida. Susan vivia de certezas. Se fosse morrer dentro de avião, iria querer ter a convicção de que tinha se despedido de tudo antes de partir desta para melhor. 


Reparava nos rostinhos das crianças, dos idosos, dos adultos. Essa observação vinha sempre acompanhada de um “mal sabem eles” ou um “nem passa pela cabeça destes seres uma provável morte aos céus”. Susan sentia seu coração bater freneticamente quando pensava e/ou falava essas duas palavras juntas em uma sentença. Morte e céus. Não combinam. É desesperador demais imaginar que um ser humano pode ter sua vida posta em risco e nem ter a chance de escapar, de sair correndo. 


Um dia um jovem contou para ela que tinha sobrevivido à três quedas de avião. Aquilo foi um choque para Susan. Como aquele rapaz ainda conseguia viajar era um mistério profundo para ela. Como ficar em paz sabendo que só esse carinha que ela conhece já viu um meio de transporte aéreo desabar ao chão por três vezes. Era perturbadora aquela informação. 


Depois, vinha a tal parte que Susan sempre dava risada. O único momento de júbilo para ela. O momento de ver quem seriam as pobres almas que se sentariam ao seu lado. Susan sabia - e esses indivíduos não - que aquelas duas pessoinhas teriam que aturá-la perguntando a cada 20 minutos o que era “aquele barulho estranho”. Ou, as milhões de vezes que surgia a questão do horário. “Que horas são?” 


Susan gostava de saber o horário, pois organizou todo um sistema mental para sobreviver dentro da aeronave. “Só mais 15/20/30 minutos de sanidade”. Ela repetia essa frase como um mantra e se controlava a partir disso. Veja bem, se alguém no mundo acha Susan uma péssima colega de voo, essa pessoa não tem a mínima noção de como poderia ser pior. A vontade de Susan era de gritar da decolagem até o pouso a seguinte frase: “VAMOS TODOS MORRER!!!”


Impossibilitada de realizar tal intento, ela criou o tal mantra, combinado com varias respirações e, claro, com os papos com os passageiros ao lado, que ficavam chocados com a sua falta de pudor em interromper o que estivessem fazendo durante o voo (dormir, ouvir música, cuidar de uma criança. Não importava nunca). 


“Olha lá, a aeromoça ensinando como se salvar e ninguém prestando atenção. Pois eu presto, senhora aeromoça”, pensava Susan, enquanto sorria para a senhora que explicava o funcionamento em situações de emergência. O sorriso de Susan era aquele falso que aprendera a usar aos 3 anos de idade - ou talvez antes - para falar com os amigos de seus pais. 


É interessante pensar que ser natural é esquisito para Susan. Só soube ser assim. Um sorriso no rosto, a cabeça balançando que sim e o coração aberto para receber todos. Menos na hora que o avião começava a correr, vinha a voz do piloto e já não era mais terra. 


Ar. Ar. Mais ar. E nuvem! Nuvens e mais nuvens. O chão virando pontinho até sumir.


Sim. Talvez fosse dentro do avião o único lugar no qual Susan era ela de verdade. 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A



Alice sabia exatamente a hora que o trem chegava e partia. Essa era a única forma que possuía de chegar em casa. Esse conhecimento era vital para sua sobrevivência. Não era do feitio de Alice exagerar e fazer dramas, mas ela levava muito a sério o fato de que precisava chegar nos lugares na hora certa e que não queria perder um minuto a mais na rua. A não ser que precisasse ou que fosse para alguma diversão bem boa. 

Alice não gostava de ficar andando pela cidade de farda. Tinha a impressão de que todo mundo iria saber um pouco sobre sua identidade e ela não saberia a de ninguém. Ao mesmo tempo, tinha um orgulho imenso de poder dizer “sou estudante”. Alice amava estar na escola e estudar. Amava inteira e completamente. Não que ela fosse boa em tudo ou super estudiosa e cheia de notas boas. Ela era uma aluna ok, sem grandes extremos. Era muito excelente em português e ingles, boa em história e geografia, ok em química e um fiasco em física e matemática. Alice lembra até do dia que tirou 1,0 em física e a prova valia 10. Mas, no final do ano, Alice sempre estava aprovada. Ela até se achava inteligente em alguns momentos. De qualquer maneira, ela operava milagres naquele boletim.  

A sua mãe não ligava muito para as suas notas. Quem se importava com isso era ela mesma. Então, fazia todo um esquema mental para recuperar as notas na terceira e na quarta unidades. E, claro, sempre é a queridinha dos professores. O conselho de classe adora ela. Então, aqueles dois, três décimos estão sempre garantidos. 

Ôpa, vai desculpando aí! - muito de repente, uma menina se esbarrou em Alice quase já na porta da estação de trem. Doeu a beça. Mas, ela nem teve tempo de reclamar. A garota passou velozmente, deixando impossível existir algum espaço para indignação. 


A estação estava bastante vazia. Uma surpresa para Alice. Aquilo ali era um inferno no horário de almoço. Era mãe com menino para um lado, equipe de trabalho para o outro, não sei quantos vendedores ambulantes. 

A sua barriga roncou quando pensou nesta última parte de transeuntes da estação. Bem que um ambulante poderia estar por ali. Eles têm o salgadinho preferido de Alice. Ela gosta daqueles bem pebas mesmo, que grudam no dente e na parede do estômago. Mas, ela prefere comê-los em casa, porque dá para lamber os dedos. Na Estação, se ela fizer isso, vira alguma super heroína, com certeza, porque cada corrimão dali é mais radioativo do que o outro. 

“Qual super-heroína eu seria se eu lambesse minha mão de salgadinho e fosse contaminada pela radiação bacteriana da estação de trem? A super menina radioativa? Chernogirl?” - os pensamentos corriam soltos na mente de Alice, quando ela percebeu que seu trem já estava ali e precisou apertar o passo, porque ele já dava sinal que iria partir. 

Estava tudo muito estranho naquele dia. Alice tinha certeza que havia chegado cedo por ali. Mas, parecia estar atrasada o tempo inteiro. Ainda teve a garota que esbarrou nela. Alice acariciou o ombro quando lembrou do encontrão que ocorreu um pouco mais cedo. Doía ainda o ombro direito. 

Ela sentou na cadeira do trem fazendo um pouco de massagem no ombro. 




- Dia difícil? - perguntou a menina do seu lado. Alice respirou para responder e contar sobre a garota impossível que se bateu nela e nem pediu desculpas, como estava doendo seu ombro e como a jovem nem tinha pedido desculpas.

Mas, quando levantou os olhos se deu conta de que estava sentada bem ao lado da “esbarrona” e a única coisa que conseguiu dizer foi:

- Hum rum. Daqueles! 

- Gostei do seu brinco - disse a “esbarrona”, mudando de assunto -, você gosta de Harry Potter? 

- Hum rum. Demais. - o coração de Alice deu uma leve palpitada. Quantas pessoas no mundo sacariam que ela estava usando um brinco do livro do Príncipe Mestiço, aka Snape, em plena estação de trem e teria menos do que 30 anos? Quer dizer, aquela garota parecia ter a sua idade, no máximo 16, 17 anos. 

- Eu sou Corvinal, mas respeito todas as casas. Entendo quem gosta da Sonserina. É uma casa de muito mistério! 

- É... Né? Mistério total...

Silêncio. Alice se sentia uma total idiota. Ali estava uma menina perfeita em sua frente e ela só conseguia dizer duas ou três palavras. O que a “esbarrona” iria pensar? Provavelmente, teria certeza de que Alice não queria papo e iria se calar. Acharia Alice uma chata, uma metida, uma boboca ou uma noob no universo fantástico harry potterniano. 

Minha estação! - exclamou a “esbarrona”. Alice viu tudo em câmera lenta a partir daquele momento. Seus pensamentos, no entanto, pareciam estar mais acelerados. Enquanto sua companheira de viagem se ajeitava para levantar, pegava suas coisas e apertava o sinal de parada, Alice lembrava que não sabia o nome da menina e que, com certeza, precisava de algo melhor que “esbarrona” para se referir a ela. 

Pior!!! Alice imaginou que existia a possibilidade delas nunca mais se verem na vida! Tudo porque ela era uma bobona que não conseguia formar uma frase sequer. “Esbarrona”, olha o nome que ela inventou para a garota! Quanta tolice! E sua fome começou a se transformar em enjoo. Precisava respirar e não achava ar. Enquanto vivia a sua angústia dilacerante e nauseante, a jovem disse mais uma coisa enquanto se encaminhava para a porta de saída: 

- @corvinalsoueu ! Me adiciona no Twitter. Prometo que sou legal e só falo besteira por lá.

Disse tudo isso e PISCOU! Ela PISCOU para Alice. As portas do vagão se abriram e “@corvinalsoueu” saiu do trem. Ela ainda se virou, esperou as portas se fecharem e ficou olhando para Alice, sorrindo e dando tchau. O celular de Alice vibrou e ela olhou para baixo uns instantes, segundos. Foi apenas o tempo de ver que eram 12h45. Ela havia saído mais tarde do colégio porque ficou conversando com a professora de inglês depois da aula. Agora, a estação vazia fazia todo sentido. 

“Não acredito que errei o horário depois de tantos anos pegando o mesmo trem!” - pensou Alice, com um sorriso enorme no rosto. Quem sabe amanhã eu não erro de novo?

 


J



 Amanhece. Café quentinho. Uma fruta e um pãozinho. Escreve artigo, escreve crítica. Estuda. Curso, curso, curso. Aquele outro curso. Vê filme. Lê um pouco. Tum! A comida ficou pronta!! Escreve de novo! Hora da pausa. Terapia!! Lembra da família e dos parentes mortos. 

Mais um pouco de filmes e, talvez, aquela série que a deixa nostálgica. Hora de dormir. Lembra de seu amor. Ela não está mais lá. Dorme. Ou, ao menos, tenta. 

Já é hora acordar e começa tudo de novo. “Será que Esther vai ligar hoje?” Não dá tempo de pensar. A clausura obriga as horas a passarem rapidamente. Mais um gole de café, porque já está na hora daquela reunião. “Será que Esther pensa em Jamile de vez em quando?”

Talvez, fosse melhor que ela mesma ligasse para Esther. Por que o pensamento é tão desobediente? Queria poder agarrar o relógio e implorar mais um pouco de tempo para suspirar de amor. 




Não. Não é possível. Repete até acreditar, enquanto esquenta a comida que fez no dia anterior. Após a refeição, coloca a cabeça no travesseiro. Depois de comer não pode fazer nada. Sua mãe que disse. “Faz mal baixar a cabeça depois de comer feijão”. Jamile sempre obedecia, por mais que estivesse ocupada.

“Será que seus amigos esqueceram dela?” Uma mensagem!!Não é de Esther, mas sim do seu melhor amigo. Ele pergunta se está tudo bem. Uma pausa. Estaria ela bem? Pega um cigarro e ascende. Já não dá mais para cessar a fumaça, como no outrora. Ela é sua única companhia. 

Respira e manda um áudio, com sua voz de personagem feliz. Uma que criou desde a infância para que nunca soubessem como ela realmente se sente. Seu amigo parece feliz com o áudio. A resposta dele é bem animada. 

Mais um filme e alguns textos e Jamile terá alcançado a meta do dia. Todos os dias ela monta um cronograma e faz cada atividade que planejou. Pelo menos as que consegue dar conta, dentro de sua lista megalomaníaca. 

Textos lidos e escritos. Deita e se espreguiça. Lembra que tem aquele joguinho no celular e joga até os olhos ficarem pesados. “Será que amanhã Esther vai me telefonar? Terei alguma notícia sua?” Pensa, enquanto vai adormecendo. Amanhã vai começar tudo outra vez...

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Ohne Liebe



É tudo muito confuso. É como se fosse um amontoado de sentimentos soltos que não consegue colar jamais. Olhar para o passado e para o presente parece ser igual. Sempre repetindo a mesma badalada dos sinos insistentes. Não tem aptidão para fugir da eterna martelada da verdade. Seu coração, ainda que estilhaçado, quer vibrar juntamente com as melodias que invadem sua alma. Aí, é perdição apenas. Antes que possa desligar a canção anterior, a próxima chega, estrondosa. 

Por isso, o pânico e a fuga. Talvez, fosse mais fácil correr de verdade. Contudo, fica. Permanece e deita nos escárnios que cobrem seus pés. Os sorrisos não são reais. É tudo ilusão. Por que será que a ninfa ressurgiu das cinzas? Ela se pergunta, enquanto mira o espelho. Nele, o reflexo das incertezas parece maior e mais forte. Depois, olha para o horizonte e não consegue encontrar o sorriso que tanto se viciou. Por que será que não tem a habilidade de apagar as músicas?




As notas continuam a se repetir. Em um sacrilégio sangrento, pula em direção do abismo e se sente sufocada. Nunca é como deseja. O mar banha os ombros. O sol brilha reluzente e sente que é incapaz de se mover. Está paralisada diante das opções. E todas elas são nulas. Não existem. São pura fantasia. Derrama e engole ilusão em um cálice fumegante, que arde, para depois corroer a pele. Não é mais menina, no entanto. Provou de vários venenos, derramou todas as lágrimas possíveis. Agora, devora os segundos pálidos. Alimenta-se das cinzas. Consome os restos do que foi no outrora.

Ela é isto: uma sinfonia incendiada na madrugada. Não é comedida. Não controla os pensamentos. Não pensa para agir. Não adianta enfeitar sua rubra tez se, ao final, o resultado é o mesmo. Precisa, necessita, de uma dose forte de paixão. Qualquer sombra de dúvida afasta. Não quer, não pode aceitar nada pela metade. Já foi o dia no qual foi uma tola garota que esperava. Odeia essa sensação. Não quer aguardar decisões, olhares e toques. Quer tempestade, tremores, relampejos. 




A indiferença ela guarda para o amanhã. Para empregar naqueles que traem a sua confiança. Pra os sorrisos falsos, para as promessas incipientes. Não pode, não deseja, não almeja, nem por um segundo, reviver torturas do outrora. Veja bem, seus passos foram marcados por uma paixão antiga que destruiu seu peito, que consumiu toda sua juventude e alegria. Ali, jurou, em silêncio, que o regresso para aquele estado seria estupidez. E certa estava. Quando o não não é dito depois do sim, quando os relógios soam, quando o verde esmeralda se apaga, quando a ninfa crava seu punhal em suas costas, quando a repetição é apenas cotidiano, ela desfalece. Em sua mente, todo dia é decepção. Cada aurora faz jorrar a recordação das dores eternas do que já foi. 


sábado, 29 de agosto de 2020

Sísifo

 Morte – Wikipédia, a enciclopédia livre

Imersa nesse seu cotidiano tão particular, os dias parecem fragmentados por uma lógica peculiar, que só existe no universo que criou em sua mente. Ao mesmo tempo, toda a vida pregressa que habitava o campo das certezas também parece fantasiada. É como se todos aqueles mundos seus nunca tivessem pertencido a ela. É confuso tentar colocar em palavras um sentimento não palpável, mas que transmite tanta dor e sofrimento. É como se nem juntar frases soltas, de sua cabeça confusa, fosse mais possível.

De fato, é uma outra pessoa. Reconhece e admite, bem baixinho, que, talvez, a lucidez tenha partido em um trem que não faz o caminho de volta. Quem era aquela menina pulante, que agora vislumbra somente em seus sonhos? Quando ficou turvo quem são os outros, quais as regras colocadas no dia a dia, antes comum e recorrente? As respostas começam a fugir e já não sabe mais de nada. As nomenclaturas, as companhias, as definições, os sorrisos. 

Sim, existe a tela que resgata uma espécie de relação, agora de maneira um tanto artificial, é bem verdade. Ela não faz parte da corrente dos que desprezam a tecnologia e suas ferramentas. Contudo, o toque e o calor do corpo são insubstituíveis. E já não tem ideia do que é esse candente elemento que lhe faz tanta falta. Saudade ganha um novo significado, porque nem esta terminologia tão forte consegue abarcar o que passa neste exato instante. É pranto preso na garganta que inflama a face. É descobrir que virou tão literal que agora é confessional em sua escrita. Sempre foi, mas, neste exato instante, tudo parece estar em um nível tão simplório que dá um leve sorriso de decepção. 



"Esta não sou eu", repete. "Quem eu fui?", sussurra. "O que está acontecendo para que eu perca o controle de tamanha maneira que nada mais faz sentido ou parece real?" E tudo gira, em sinfonias cintilantes que querem, desesperadamente, invadir a sua casa e sua alma. Mas, ela nega qualquer aproximação, a não ser que seja para solucionar questões de quem chega, porém nunca para aliviar as suas tensões ou se sentir amada. Ela já não sabe mais como se deixar ser amada. Ela não tem mais coragem de pular da torre. Ela não quer mais. 

Lembra de seu coração estilhaçado e tenta correr para recompor os pedaços jogados no oceano. É como se fosse Sísifo ou, talvez, Penélope fiando eternamente. É infindável a angústia, é infinito o terror, são desesperadoras as horas. Traga o cigarro como se fosse um beijo e volta para o labor eterno e repetido. Volta e se faz útil para o Planeta. Ou assim repete para que continue respirar. Tudo parece injustificável, vazio. A não ser o labor amado. Esse que engasga e sufoca, mas liberta e preenche o tempo. E o sabe fazer. Então, o faz. Para depois chorar, enquanto tenta relembrar de sensações mortas. Enquanto repete palavras, respira fundo e pensa que poderia dormir até o final deste terror, este que até os seus contribuíram para o resultado. 

É tudo tão detestável que se recolhe. Esperando um vento que bata no rosto novamente. Aguardando um ato de concupiscência surpreendente. Uma madrugada feroz. Um amanhecer suave, com os pés na areia e sorvete de manga. Um mar gelado que faz gritar, para, logo depois, entregar risadas. Um jantar quentinho feito pelos companheiros de estrada, em uma data qualquer. Lábios que se encontram e não querem se desgrudar. Abraços redondos que fazem flutuar. Até aquele café amargo e frio que tomava todas as tardes pesam na lembrança adoecida. 

É fim de festa. É fim do mundo. Do seu mundo. Até quando? 

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Um caminho


Mais um gole de caos. Para que possa dizer tudo de uma vez. Nesse final do mundo que parece não ter fim, bebe. Ébria e confusa, tenta prescrever soluções para esse sintoma que não se finda. É de paixão que tenta falar, mas parece lamúria. Mal sabe como começar a próxima frase. Ou sentença, como prefere. Sente sua falta. Lembra quando tudo era sinfonia anestesiante? Agora, os dias parecem passar devagar. No meio de tantos afazeres, busca seu sorriso. Sim, são eles que iluminam seus dias meio tortuosos.

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Era de fantasia que se embriagava. Agora, tudo parece tão real que já não quer mais fugir. Quer deixar que as canções falem por si só. Quer que o infinito banhe sua alma para todo sempre e que seu nome seja repetido, até que pertença. Porque é isso que acontece, não é mesmo? Por maior que seja o júbilo, ainda não se sente sua. Mas, a culpa são das horas. Estas que insistem em passar sem a sua presença. Estas que são cruéis e desatentas. A outra acredita que esqueceu, porém não é verdade. Não há tempo que apague a dor que é não sentir sua respiração. É uma tempestade incendiada, não tê-la por perto.

Queria que todo segundo longe fosse esquecido e que o agora fosse presença. Queria correr. Escapar para a realidade, um tanto imaginária, que se estabeleceu. Contudo, foi de canções impossíveis que se acostumou. No entanto, tudo é diferente neste presente que se aproxima a cada gole etílico que se estabelece. Veja bem, ela foi feita de desesperança e prantos. Ela construiu um castelo de rochas infinitas e se escondeu lá. Ela virou farpa para que ferisse quem chegasse desavisado. Chega a ser risível. Fugiu até que não pudesse mais.



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Nesse carrossel sem fim, encontrou. No meio de chamas, conseguiu vislumbrar, ainda que de forma turva, uma resposta. Seria o horizonte desejando brilhar? Era. Contudo, as suas chagas barraram qualquer possibilidade de conseguir enxergar a verdade... Passa tudo e depois vem o que estaria por vir. Em seguida, cada momento parece caminhar lentamente para um espécie de... contentamento? Aqui, é quando a escrita não pode ser feita. A pausa chega, para, logo depois, voltar a saber como funciona. São de lamentos e cores cinzas que seu coração se acostumou. E é na saudade que se faz. Cada risada coberta de incerteza, cada mar que jorra em seus pés com tom de suspiros, cada lembrança que se torna pesadelo.

Se ao menos conseguisse descobrir quais são os passos seguintes, poderia, enfim, sussurrar que encontrou a felicidade suprema e que nela quer deitar. Mas, não é bem assim que funciona. É coberta pela certeza da dúvida que finda sua junção confusa de palavras. Não pelo que sente. Não. Não é isso. É pela dolorosa distância, pelo escorrer do fel das horas certeiras sem sua presença, é pela profunda consciência de que seus devaneios não fazem mais jus ao simples amargor que é não possuir sua existência, é porque a lonjura é sofrida. E, pela primeira vez, não quer nenhum embargo.

Quer, delira, implora, que seja. Já está na beirada. Então, que a empurrem de uma vez. É o seu nome que está cravado na lápide do destino. Venha, venha logo e de uma vez.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Quando a fada descobriu o que era o amor...

Por onde começar quando a madrugada morta ganha novas cores? Como contar os passos quando a memória é seleta e o amanhecer purificado? Já fazia tempo que a aura não emanava luz de qualquer espécie. Já não sabia mais como existir neste mundo em que tudo é desespero e ilusão. Depois, manchava-se com o sangue que jorrava do peito, enquanto o escárnio enlameava a pele. Prometeu, meio sem jeito, que nunca mais adentraria na certeza de pertencer a uma canção.

Foi de abandono que se alimentou por infinitos séculos que ainda chegariam. Foi em caos e em chamas que se afogou. Profundamente. Encharcou-se de lamúrias para que o próximo passo estivesse claro. Jamais seria amada por quem é. Jamais seria doce descer da torre e abrir todos os cadeados. Prendeu-se para que a sinfonia nunca fosse trocada. Enclausurou os pássaros e não permitiu que entoassem outra canção que não fosse a sua. Mentiu até que não pudesse mais. Para si mesma, claro. Era de vendaval que se embebedava.

Até que mudou. Tudo estava transformado e se sentia pronta para lutar contra a própria sorte de somente desalento encontrar. Abriu-se e berrou para os céus que aceitaria a alvorada cintilante e sincera. Mas, não era. Era engano. Era disfarce. Era tudo que tanto correu para não se ferir como naquele outrora da varada. Por isso, retirou-se novamente para o último andar da solidão. Contudo, não era isso que o destino reservava. Não havia entendido, ainda, qual o caminho do horizonte verdadeiro. Até que...os olhos se encontraram, a noite foi fiel, o beijo foi selado.

Dali em diante, era como se já soubesse e quisesse. Seria uma ilusão novamente? Seria tormenta em demasia? Tentava escapar do que não reconhecia. Porém, em cada despertar o sentimento aumentava, as perguntas cessavam e somente queria dizer sim. Sim, sim, sim. Para tudo. Para cada sentença mergulhada em cores. Para cada sorriso único e verdadeiro. Para cada despedida irremediável. Todas as vezes que seus olhares se encontravam, o mundo era festa, o estilhaçado coração se recuperava, era um rio infinito de novas sensações. Por isso, descobriu: sempre pertenceu! Sempre esteve esperando, sempre procurou o que tinha certeza que existia, mas não aparecia. E continuará se sentindo assim em todas as estações, em todos os anos que estão por vir, em todas as vidas que ainda chegarão. Porque é sua e para toda eternidade será.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Meine Liebe

Você vem e o mundo para. O seu sorriso aparece e se sente tola. É como se canção nenhuma fosse igual. Não. Nenhuma foi e jamais será. Os sentidos mudaram. As estações agora passam devagar. O Tempo é cruel. A distância soterra cada pensamento que não seja seu nome. O próprio querer já é outra coisa. O júbilo reascende e a existência ganha novos rumos. O coração estilhaçado se recompõe, porque quer, porque deseja, porque acredita, porque é fiel ao sentimento. 

Já sabia desde o primeiro instante. Tentou negar, é bem verdade. Até procurou fugir, mas era impossível. E por que fugir? Não sabe mais. Talvez, quando os sinos pararam de tocar, desacreditou, verteu lágrimas até que já não conseguisse mais sentir. Contudo, sentiu, não foi? E agora nem recorda mais o que era não sentir, não saber. Quando fecha os olhos, encontra os seus. Quando amanhece e anoitece é como se vivenciasse seu toque. A madrugada ganha outras cores. O seu beijo é o mais esperado. 


Nos sonhos, você chega. Mostra o horizonte e ele resplandece. Como seu sorriso. Este que parece ficar impresso em sua alma e se espalhar pelo corpo. E tenta expressar em palavras o impossível. Não há texto algum que confesse todo o sentimento inconfessável, porque ele é oceano que deságua por toda pele. E clama ao Universo que chegue o dia do encontro. Implora para o mundo. Todo segundo. Pois, a saudade não tem mais medida. Perde as forças quando tenta raciocinar, ser outra, ser mais forte para suportar os minutos dolorosos e torturantes.

No entanto, não é assim que quer finalizar esta espécie de missiva confusa. Deseja emanar apenas o que há de positivo em sua mente boba, confusa e apaixonada. Sua escrita, porém, não é senão lamúrias jogadas ao vento, mas fica, então, a promessa de sentenças mais justas, de palavras tão inacreditavelmente encantadoras e prazerosas quanto um décimo de sua existência. Talvez, já tenha começado. 



segunda-feira, 9 de março de 2020

Pacto Quebrado




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Ela veio para meus braços. Finalmente caminhou em direção a mim. Chegou. Veio vestida com um véu por cima do rosto. Mal pude ver suas expressões. Era como se nunca tivesse ido embora. A partir dali, era como se todas as noites tivessem se transformado em dia e fosse valsa em forma de poesia. A fantasia era essa. De que seu sorriso era eterno, junto com sua respiração descompassada. 

A música era tão suave que seu coração acelerou. Os olhares nunca mais se perderiam. Era isso que desejava a todo instante, foi isso que lhe foi entregue, sim. Porque implorou para os mares, porque a tormenta de sua boca longe ficar não fazia sentido, porque se aproximou da véspera de seu último suspiro e já sabia a dança final. Quando os pássaros entoarem sua última canção, poderá voar para o infinito e despertar de todas as solidões, entre lamentos e prantos santificados, entre apagamentos e doses inteiras de fel amargurado. 

Resultado de imagem para anjos estatuaO atraso foi por conta de segundos. Contudo, a chegada foi certeira e o derradeiro gole também. Por instantes, encontrou o silêncio, atrás de uma vidraça de cristal. Será que existia de fato? Jamais o saberia. São nos horizontes encharcados de lamúrias que aprendeu a mergulhar. Por isso, a visão turva ficava quando era o momento de dilatar as pupilas. O pulo era maior também. Se a pupila dilatasse para sempre, seria mais fácil.

Mas, o agora... O agora é festa, repete. O agora é flâmula que não se apaga. Cor que não se esvai. Memória que se prende. Vem, para uma eternidade de sorrisos encantados, de madrugadas de serenata, de paixões premeditadas. Mesmo que sejam impossíveis, não deixará que ninguém lhe diga o contrário. Será outra vez aquilo que jurou em meio aos céus desabando que já havia abandonado. Agora, sim. 


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Somente para se afogar


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E então ela foi novamente navegar pelas brumas de melancolia e nadar nas asas candentes de uma sereia nefasta e fantasiosa. E então abriu os olhos e pôde enxergar mais uma vez os prantos singelos derramados por uma festa desperdiçada, por um encanto despercebido. Foi porque acorrentou seus pulsos ao entardecer e prometeu jamais partir em direção do horizonte outra vez. Mas, mordeu seus lábios e sangrou até o infinito e implorou para que voltasse a machucá-la.

É para sofrer que clamava, enquanto o coração era retirado ensanguentado do peito. É para saber se consegue sentir de novo que pede que não vá, que não largue seus braços, que não lhe empurre para fora de seu abismo. Por que pularia sem ti? Por que qualquer coisa faria sentido sem seu cheiro? Por que não acredita em suas ternas palavras, sejam as de amor ou de derrota?

Como conseguira abandonar a estrada desta maneira? É impossível retornar para o outrora celestial. Jamais terá o encontro que possuiu. Agora, a abstinência sufoca, a alma se esvai, as sombras se alastram. Agora, nem caos pode ser, nem chama pode ser, nem dor pode ser, nem sorriso será. É cinza, é pó, é vazio, é derrame de sensações nulas, é apagamento, silenciamento, fuga, relento. São palavras jogadas, é a madrugada solitária, é a pálpebra que pesa, é o julgamento adiantado, é a certeza de que perdeu. 

Finca sua bandeira na despedida, porém volta seu corpo para trás. Quem sabe ainda a chama? Quem sabe ainda a beija? Quem sabe do amanhã?


domingo, 12 de janeiro de 2020

Pelos lírios que não entreguei

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Foi, foi um delírio em formato de canção. Você, que se dizia perfeita em meio às chamas, entoou seu último silêncio gélido. 

Mergulhada em sua frieza cintilante, buscava, desesperadamente, a superfície. Quando aconteceu o encerramento da primavera? Quando seus olhos se fecharam para os meus? Por que suas palavras cessaram e viraram cinzas frias no meio do oceano?

As suas águas banhavam o coração petrificado e tudo era júbilo em sintonia. As tardes eram purificadas com a lembrança de seu cheiro e sua respiração. Agora, arde a saudade atormentada. O passar das horas é funesto e sem melodia. Sufoca até o fim. Pálida, lânguida, em destroços pérfidos e melancolia. 

Ao menos se não tivesse fitado a sua face de menina sereia. Ou sua doçura certeira. Ou suavidade de seu cotidiano sereno. Seria mais. Seria tudo que poderia ser outra vez. Não mais prantos angustiados, caos amargurado ou fantasias estilhaçadas. Pois, a esperança de correr para seus braços, criou a tempestade que se instalou despudoradamente. 

Precisa partir. Precisa deixar. Precisa fugir antes que o frio consuma sua alma. Antes que não possa mais retornar para sua torre. Antes que se afogue em seus rios claros. Antes que seja somente perdição e não mais prazer. 

Vai-te.