segunda-feira, 30 de maio de 2022

Virando a chave



Este é um momento confuso. Talvez, o mais confuso de todos desde o início desta fábula insólita insensata. Lá, em um setembro florido e quente, olhou para sua face de uma outra maneira e a vida nunca mais foi a mesma. Depois, tormento, tolices e um tanto de ações atrapalhadas e impulsivas. Com o tempo, o sentimento que habitava em sua pele foi se transformando, mudando, pois a distância e o silêncio fazem essas coisas.

No agora, ela é uma rara lembrança, uma presença estranha em sua memória, porém que continua a morar em seus sonhos e em repentinas recordações. O mais estranho dentro de todo este horizonte turvo de paixão desmedida é a ausência de capacidade de se aproximar de outra que não ela. Como haverá de ganhar novas canções se o seu coração está preenchido ainda por outra?

Todavia, como explicar de forma racional o que é esta emoção pungente e lancinante, que mesmo ao cruzar o oceano e consegue sorrir quando vê uma borboleta sobrevoar os campos floridos de Marburg? Como se desvencilhar de uma história inacabada que, na verdade, nem a menos foi começada? Como fugir do incontrolável, do impossível? 

De certo, a grande questão é que não existem outras cantigas tão sonoras e harmônicas como esta. Ou fora o canto dos pássaros radiantes que a enganou. Ou, ainda, talvez, não encontre nunca o amor. Talvez, esteja fechada para balanço e ela tenha sido a última e derradeira  pessoa a conseguir conquistá-la. Pois, no caminho, houve tanto a ser alcançado, tantas tentaram e até trouxeram momentos bonitos, sensações calorosas.

No entanto, não adianta procurar respostas para o impossível.  A verdade é que desta vez precisa de mais tempo, precisa dissolver o seu sorriso da lembrança, precisa ressignificar a sua existência na sua vida, precisa seguir sozinha, para que a cura venha. E todas estas frases clichês de superação nem vêm dela, mas sim das cartas, as infames cartas que deram início a tudo. Nelas, as deusas do destino pediram para que ela fechasse esta porta e deixasse a janela aberta, para que esquecesse a borboleta e caminhasse rumo ao júbilo de ser correspondida.

Tudo isto parece deveras inalcançável no presente instante, mas sabe que este dia chegará. Assim, o amanhecer será belo mais uma vez, seus estilhaços de coração serão remendados e todo o júbilo romântico retornará para a sua trajetória. Basta esperar. Há de vir o dia que a esquecerá e tudo fará sentido novamente. Esta é uma promessa que fez para si mesma, numa tarde nublada de dezembro e não irá desistir de virar a página, porque não existe outra saída a não ser a desistência. Contudo, não terá mais pressa. Passo a passo, encontrará a solução para este enigma infindável. 

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Em desespero, pede...


Esquecerá seu nome e ele será quase como uma maldição. Andará por outros rumos e jamais lembrará da tua face. Ainda que seus sonhos estejam condenados com tua presença, queimará a recordação de seus abraços e seguirá rumo ao caminho da salvação. 

A verdade é que sua indiferença consome as forças finais presentes em seu coração. Por esta razão se sente dominada por uma angústia inigualável e não há viagem, muros ou distâncias que consigam apaziguar este sentimento. Sempre desconfiou que ela era diferente das outras, que era uma paixão real e fulminante. 

Não, não foi uma besteira ou um engano, porém precisa prosseguir, precisa sair dessa lama que é este enamoramento repleto de desgraças, pânico e sofrimento. Procura traçar fugas e encontrar qualquer outra canção. 

Todavia, o seu semblante chega na memória  e a pele rasga quando a imagem de seu sorriso se faz presente em sua mente. Contudo, está exausta. Não possui mais forças. Como compreender o fato de que sonha a noite inteira que está ao seu lado, quando no mundo real vive o maior desejo de sua vida?

Era isso que sempre quis, ano após ano, e agora tudo parece incompleto porque queria estar ao seu lado, porque queria um beijo seu, porque queria pelo menos alguma forma de mantê-la em sua vida. Então, quebra novamente o silêncio e roga que venha ao seu encontro. Seja por motivos fraternos, profissionais ou românticos, não importa. 

Venha e a salve desta danação infinita que é perder a sua presença reluzente e intensa de significados. 

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Talvez floresça


A proximidade parecia um retorno e a chance de que sua presença talvez chegasse novamente. Todavia, desapareceu por completo e talvez os caminhos tenham se desfeito de uma vez. Pisando em terras tão distintas não a esqueceu.

Contudo, a borboleta se tornou apenas uma memória que aquece o corpo em dias nos quais apenas recordações podem esquentar. Isto porque não consegue mais escrever sobre paixão ou melancolia quando fala sobre ela.

Mal elabora esta missiva torta. As frases fugiram junto com ela para alguma terra afastada, onde apenas reis premiados pelo patriarcado podem entrar, talvez. Não sabe mais. No outrora, possuía diversas convicções que queimaram junto com o seu silêncio.

Provavelmente esta é a resposta para tudo. A fada cansou de esperar por uma ação real e concreta de sua então amada. Ficou, assim, exausta e em cada suspiro de espera, uma tristeza. Em cada tristeza, um vazio. Assim, em cada despertar fortaleceu a aura e seguiu.

Todavia, não completamente, pois ela está quase grudada em sua pele. É difícil explicar o que ela significa no presente. Já não sabe de mais nada, muito menos sobre ela. Apenas que a pertence de alguma forma, em algum multiverso torpe ou vida pregressa.

Ainda assim, acredita que, talvez, exista um futuro para elas em algum tempo ou em outra dimensão. Talvez, as cartas estejam certas e exista o tal encontro outra vez. Talvez, elas sejam como as flores amarelas dos campos de Marburg, que precisam da primavera para aparecerem.

Ou talvez nunca mais se falem, se vejam. No entanto, gostaria intensamente que soubesse o quanto ela esteve presente em seus pensamentos em cada elemento novo e bonito que avistou em sua nova jornada.

De alguma forma, ela sempre estará em seu coração e mente. E isto já é tão belo quanto a sua existência.

terça-feira, 3 de maio de 2022

Inspiração e looping


Este é um reduto de prazer e dor incomensuráveis. Esta é uma chama inapagável e persistente, que insiste em queimar o peito, ainda que almeje a fuga tão desejada. Faz juras eternas ao vento e proclama independência do coração, corre em direção do oceano e se banha de certeza absolutas. Logo depois, as esquece. 

Esta, que é dona de uma vibração singular, dança em sua mente confusa e quase liberta da amargura de sua ausência. Ainda que a trate como uma fábula insólita e injustificável, lá no fundo, a reconhece de um outrora tão flamejante quanto o da realidade do presente. 

Como explicar um sentimento aparentemente tolo, porém que consome cada passo e respiração? Como abandonar seu canto doce e fugaz, que ouvia de longe tão desesperadamente? É que queria consumi-la em um só gole, de uma vez só, ignorando qualquer razão, fato, sensatez ou honradez. 

Queria chutar para longe cada regra imposta pelos guardadores da plenitude e segurá-la por um instante eterno de concupiscência insana e nada velada. É assim que se sente com qualquer fagulha de pensamento sobre ela: sente-se mergulhada em um caos infinito, cheio flores rubras, pés descalços e músicas incessantes. 

Basta uma mera recordação de seu sorriso para que o corpo arda em brasa e o céu se ilumine completamente dentro dela. A energia que emana é tão intensa que a capta mesmo pisando em outras terras. E gostaria que se olhasse em seu espelho e visse tudo que vê, sentisse tudo que sente. 

Ou, melhor, que estivesse de frente para seu rosto e enxergasse todas as pulsações que lhes são destinadas. Todavia, ainda que tão distante de alcançar qualquer possibilidade de reviravolta nesta narrativa tão derramada de dor, tem a certeza de que um dia este horizonte há de reluzir. Com cores celestiais e sinos obstinados, ouvirá o seu sussurro confirmando todas os segredos que já sabe faz tempo.




Não importa quantos ciclos terão que enfrentar. Não importa quantas cruzadas precisará vencer até chegar novamente ao seu encontro e viver tudo outra vez. Não importa que o segredo tão misteriosamente guardado esteja trancafiado na torre mais alta de seu castelo. Nada disso é relevante. Ela é vendaval e disso nunca duvidou. 

Todos os seus passos que estão por vir serão de bravura. Então, que caminhe em todas as direções possíveis. E quem sabe um dia, talvez, selecione a jornada na qual estará lhe esperando, lá no final do túnel, lá onde apenas verdades e bramidos são aceitos, lá onde o chão é de areia e o mar banha os pés, lá onde seu beijo é certeiro e tudo é tão somente calmaria.

Ela espera por ti. Sem pressa, sem desmazelo. Somente aguarda por ela, num looping eterno, no nascer do dia, na madrugada cinzenta e fria, por décadas, por gerações, por vidas que giram eternamente ao redor do sol candente que há sempre de brilhar. 

domingo, 1 de maio de 2022

Trégua


Não deseja que mergulhe em ressentimento ou se distancie a ponto de não mais ler seus escritos. Não quer cortar o contato completamente. O que deseja - e acabou dizendo desaforadamente em sua missiva anterior - é estar perto dela de maneira ressignificada. Para alcançar tal intento, precisa ir na direção de outro porto que não o de se sua atual amada.

Enquanto seu rosto desvanece da memória, suspira e tem a certeza de que tudo se ajeitará em algum momento. Os seus pés pisarão o mesmo solo, lá no quase derradeiro final de temporada. As sensações adormecidas irão ser despertadas e ela fugirá mais uma vez. Mas isso não mais tem importância, ainda estão por vir muitas vidas para que tente de novo.

A diferença do outrora para o agora é que antes estava desavisada. Hoje, pode fortalecer o coração diante da lonjura e se enganar dizendo que estará tranquila quando respirarem o mesmo ar. Todavia, é preciso alertar a borboleta de que precisará tirá-la do lugar de paixão, finalmente. Não por mal ou mágoa, não. É porque já passou do tempo desta emoção ter cabimento.

Assim, irá se permitir - e desta vez de verdade - escutar cantigas outras, quando estiver distante de sua torre colorida. Caso sobreviva ao veículo apavorante, desfrutará cada segundo de vida, de carinho, de aventura e júbilo que lhe ofertarem. No retorno, espera que já esteja forte o suficientemente para encarar a borboleta frente a frente, olho no olho e apenas achar graça do seu pânico de aprisionada. 

Ou, melhor ainda, quem sabe, se ela permitir, gostaria de ser aquela que acolhe com os olhares e diz que vai ficar tudo bem, com um abraço singelo, ainda que ela não entenda motivo. Somente o futuro dirá, Schmetterling! Hoje, pede que fique, que encontre uma saída de permanecer pelas redondezas, que cunhe uma amizade frugal e alegre como seu sorriso. 

Certamente, a fada não irá mais te pressionar ou pedir absolutamente nada que não seja escutar sua voz, sentir sua energia e rir do seu lado, falando de qualquer assunto tolo. Porque ela é como uma borboleta e não há nada mais belo do que acompanhar a sua revoada dançante.