sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Recapitulando o impossível e inabitábel



Você se lembra? Você se lembra quando a menina jurou convicta que jamais amaria mulher alguma novamente, pois havia encontrado o amor de sua vida e era para todo sempre? Nunca mais existirá uma paixão desmedida que provoque devaneios conscientes como aqueles da alvorada singela, coberta de bruma, ventania e festa, de desdém, descaso e zombaria. Era confuso, não era? Ela menina, você mulher, em sinfonia plena da descoberta. Segurava firme em suas mãos, enquanto a direcionava para o abismo secreto de uma paixão impossível.

Em seguida, percebeu que tudo era mentira e amou outras com toda a intensidade que habita seu coração. Todavia, jamais foi igual, jamais foi a mesma. Consolando seu peito em chagas e chamas, procurou enlaces sórdidos, figuras translúcidas, que desvaneciam ao luar, tal qual o gole de seu entorpecente. Era uma bela dose de conhaque com mel e limão. Como relatar um futuro tortuoso, quando tudo que deseja é criar um vínculo amoroso verdadeiro?

Todavia, agora já tem certeza de que o amor não foi feito para ela. Ele é para as outras, aquelas que amam os príncipes das inverdades, os donos dos privilégios cinzentos, daqueles que elas podem esfregar pelas ruas, em ritmo de festa e tempestade. A menina da varanda está destinada a morrer sozinha, sem que ao menos tenha sentido a reverberação de uma emoção correspondida, mas sem caos e vendaval. Quando foi que começou a virar uma coleção? 

Lembra que veio a princesa flamejante, seguida dos olhos cor de esmeralda. Depois, a menina do silêncio, que ficou no passado, para que a doçura florida pudesse adentrar sua jornada. Foi aí que a perversa amada, fingida de fada, trouxe somente a danação. Enquanto isso, todos os reencontros com a deusa rubra se repetiam, até que chegaram as outras canções e tudo se apagou de sua mente. Entre sereias, borboletas, girassóis, ninfas e rainhas, misturou todos os sentimentos em um só. São todas elas agora uma massa amorfa em seu coração petrificado e estilhaçado.

Quase como em um transe, tenta recordar do começo de tudo, da fuga, naquela noite de Martini e cigarro, quando a deusa lhe salvou da condenação. Quando passou a ser Imperatriz, todo o universo se transformou em pó e uma frieza retumbante tomou conta de sua aura cansada. As janelas estão todas trancadas, os muros altos, as portas lacradas, para todo sempre. Escondida, pode ter a certeza de que jamais irá verter uma lágrima sequer por uma mulher, por mais bela e sensata que esta seja.

No final da tarde, sempre lembra de seu girassol, agora seco e pálido, sozinho, em meio aos dias escassos de seus sorrisos de alegria. Há o vento, a água e o medo, e um riacho imenso de tristeza, por nunca saber como lidar com suas sensações apaixonadas, quando deveria, na realidade, entregar ao Tempo todas as dores que lhe perfuram a alma, como em um tiroteio intenso, numa madrugada.

Mas...Agora finaliza sua missiva torta e mal escrita, para que volte ao seu trabalho, para que finja que não a ama mais. Para que crave um punhal seleto nas memórias de um outrora perdido. Para que perdoe o mal que lhe foi feito, para que encare a rainha da garoa e lhe diga em alto bom som que já não é mais fantoche das indecisas, que não há amam de verdade. É o fim desta fada esverdeada, que clama por atenção. Ela, agora, é mulher com as rédeas. É o ano do carro, é o ano do abandono daquela prisão.

Pois fiquem então com seus carcereiros, pois ela seguiu rumo ao novo dia, que já raia lá fora, com o som dos pássaros e dos cães. Adeus, sonatas falsas incendiadas. Adeus, desonra insensata. Adeus, melancolia pela solidão.