domingo, 4 de julho de 2021

Trégua


 

Prende-se na fantasia de que um dia as flores irão se abrir e o sol poderá, finalmente, iluminar a sua alma. Em tardes sombrias, proclama aos céus como são injustas as decisões do destino. Enquanto as lágrimas brotam de seus olhos, permanece atenta aos sorrisos que chegam em seu seu caminho. Não quer estar mais desavisada quando os sinos tocarem. Já é insuportável o peso de estar apaixonada. Após tantos anos correndo em direção do amor, agora, prefere entoar canções de distanciamento, de reclusão e de palavras amargas.

Quanto mais respira, mais afasta todas as chances de encontrar outra vez uma cantiga melódica. Isto porque não vê razão alguma para pular em outro precipício sem fim. É demasiadamente cansativo viver embalada em repetições recorrentes, em um oceano que afaga, porém que também afoga. Mas, o afogamento acontece diante das ações e sentenças que ela mesmo executa. Se ao menos conseguisse corresponder aos clamores do mundo banal. Se ao menos conseguisse se comportar e sentir corretamente, poderia, enfim, dizer que está pronta.

Mas, o que seria isto enfim? É alarmante a capacidade dos outros em colher frutos de jardins cinzentos. Ela não. Por onde passa, deixa os pastos mais verdes enlameados e pútridos. Seu coração é intenso demais, deseja demais e sonha demais. Quer sempre mais. E nesses goles sedentos, cai na tortura da embriaguez e do egoísmo, esquecendo da outra face. Não vislumbra o correto, porém tão somente a vontade que banha a sua alma e já quer, para ontem, o impossível. É neste desencontro que perde cada sonata resplandecente. É neste desmazelo que se assemelha ao fantasma que vive grudado em seus pensamentos. 

É nesta tardia reflexão que se agarra, para que possa entender por onde andou em todos estes anos que já foram e não voltam mais. Tudo está tão desconexo que o tempo caminha, os pássaros cantam, mas  a madrugada não chega, tão pouco o seu encontro com a perigosa sereia encantada. Ela que, com sua voz doce e rosto angelical, domina suas emoções e a faz esquecer de toda tensão existente, em qualquer lugar do mundo. Contudo, não era sobre isso que sua escrita gostaria de falar. Não há paixão incendiada que possa salvar sua jornada apodrecida. Talvez, a solução seja a solidão irremediável. Em sua morada, cria um ambiente paralelo, onde todos os espasmos de dor são disfarçados com afazeres inesgotáveis. 

A cada amor, mais uma dose de trabalhos sem data para acabar. Em cada decepção, outro compromisso que se enfia em seu cotidiano. Ao certo, em uma noite qualquer, descobrirá a resposta para seu enigma apavorante. Ou, em suas escolhas incertas, assumirá de uma vez por toda que jamais irá se encantar pela paixão outra vez. Afinal, quer se enganar como nunca antes e afirmar para todos os cantos do planeta que a sua capacidade de sentir foi possuída por um cansaço físico e mental e já não há como voltar atrás. Precisa seguir o rumo da concentração máxima em suas atividades e não pode enxergar o novo vindo. 

Agora, no hoje, inabitado de presenças candentes, bebe da convicção de que alcançará a sua meta tola e, finalmente, tocará na liberdade. Que seja assim, então, no hoje despudorado.