terça-feira, 22 de abril de 2014

Querubim

A noite corria num misto de devaneio e sobressalto. Seus olhos encontraram um radiante sorriso juvenil. Após os nefastos passos correu em direção do vento e banhou-se em mares esverdeados. A luz, que outrora reluziu candente, perdia o brilho reconquistado. Sua luminosidade de fada alimentava-se das verdades coroadas e fincadas em sua alma.

Depois chegou o amanhecer. E, com ele, o caos. As mentiras foram reveladas. Toda a festa e júbilo se perderam em poucos instantes. Agora o silêncio segurava sua pele e mostrava seu coração sádico, vil e impuro.  Agora o silêncio se fazia som. Uma melodia metálica e turbulenta. Um ruído protegido pela couraça de uma futilidade inexistente.

As perguntas sobre qual seria a verdadeira face do silêncio rondavam e cresciam. Seria mesmo fantasia ou tudo que outrora viveu era a realidade? Os sagrados segredos profetizados, as fiéis certezas, as juras cálidas e memoráveis.

Porém, ainda existia dentro da fada, a menina que sonhava na varada. Lá, sabia tudo sobre amores verdadeiros, passageiros e aqueles de vidro. Sim, há quem cultive toques desnecessários, beijos vazios e madrugadas cinzentas. Esses permanecem na estante, empoeirados e são sempre premeditados.

Na estreita varanda viu dor, solidão, alegrias sem fim, concupiscência, desejos intensos, reais intensões ditas de uma vez só. O passado parece doce e o presente fel. As escolhas precisam ser feitas. E as dúvidas são sempre recorrentes. A deusa, agora em seu reino celestial, já não lhe leva ao Olimpo. E o silêncio se afasta e se apaga. Talvez, na verdade, seja o momento do recomeço. Ou, talvez, seja a hora de esperar.

As respostas não chegam e tudo parece confuso e turvo. Ainda existem aqueles que dizem que foi tudo verdade, mas cada vez parece mais um sonho.  E a distância desfaz laços, recobra lembranças, muda a estrada. No agora, o sol se põe. No agora, tudo é poeira cósmica. No agora todos dizem, em uníssono:
agora vá.

domingo, 20 de abril de 2014

A verdade escondida no abismo

 A chave se encontrava em suas mãos. Estava indo em direção da fenda. Sim. A luminosidade banhou o horizonte e já sabia como deveria ser o paraíso. As cores, as flores, a face e a ventania, o doce encontro revigorante. O portal se fechava novamente. Correu em sua direção. Com toda força que lhe restava. Porém, assim que colocou os pés no jardim esverdeado tudo se fez cinza, escuro, sufocante.

Rajadas de raios candentes. Cálices transbordantes. Farpas. Espinhos. Crueldade e rancor. Flechas cálidas caiam do céu. Sim, no outrora estava certa. O silêncio era o mal disfarçado com um sorriso melancólico. Sim, nunca errou por evitar a entrada no secreto abismo. Aquele lugar era condenado e assim que se entregasse seria derrotada e amaldiçoada a sua sorte.

Todo o tempo fugiu, correu e agora já sabia que deveria continuar com sua razão. Se sentiu que não deveria entrar isso era o mais correto. Somente tristeza habitava aquele desconhecido reino que um dia se fez parecer luminoso. Após a conclusão precisava achar a saída que, assim como a entrada, se estreitava de tempos em tempos. Galopou em direção da ventania, segurou-se nela e seguiu pela estrada nebulosa.

Espadas, lanças, monstros ferozes, desengano. Abismos concretos abriam-se em cada passo tortuoso. A maldade vestida de silêncio jogava em sua face a nova presa e gargalhava mostrando a cruel e inabalável verdade. Agora via o final de tudo. Encontrou mais um portal. Ainda olhou para o jardim mais vez. Lá estava ele, feliz e coberto de flores, mas era apenas ilusão certeira. As dores e tempestades ainda permaneciam no ambiente secreto. 

Assim, foi. Para o hoje, para o amanhã, para nunca mais voltar.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

Sobre o medo de dizer

Sim. Tem medo de você. E já mandaram calar qualquer verdade. Você é filha de reis dos processos desmedidos. Você é assustadora. Agora resta apenas calar as injúrias e feridas que restaram. Agora só há apenas a fuga. Depois de tantos sorrisos falsos. Depois. Estava ali estilhaçada. Assustada. Jogada no chão que um dia pisaram. E sorriram. Agora era apenas agressão. E você, protegida com sua lança celestial, contará sua própria e derradeira versão.

Sim. O medo faz escapar. Corre para a proteção daquilo que você tanto desconhece. O trabalho e o estudo. Aquilo que te feriu, pois não soube ser inteira. Aquilo que, injustamente, lutou para ser seu. E nunca existirá uma venda que possa cair e te faça ver o quanto a sua crueldade machuca. E reza para que o vento proteja. Para que seja forte. Para que nada de mal lhe aconteça e possa curar as feridas físicas que deixou.

Foge. Assim. Covarde. Na tempestade. Tremendo de susto. Segurando-se no destino. Nas marés tranquilas. Na justiça dos deuses. Na força celestial. E teme pelo seu punhal. Que dilacera. E sangra a dor das mazelas causadas por ti.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sobre os Muros Estilhaçados

 Subiu nas direção do infinito. Alcançou todas as mediadas necessárias para que nunca mais machucasse sua pele de menina. Certificou-se que todos os véus cobrissem sua face e que todos os cantos fossem mais silenciosos. Quando o abismo já parecia distante, lhe ofereceram o maior salto de todos. O fim era um precipício saboroso, com gosto de sal vindos dos mares. Porém, já não sabia mais como saltar de tão longe. O corpo já havia conquistado o equilíbrio e se mantinha em pé quase sempre.

 Rasgou a couraça. Escalou a ponte para o abismo. Entre escorregões e tropeços finalmente chegou ao seu topo. A ventania, que segurava seus braços, cessou. Olhou para o horizonte e segurou todo o impulso de pular. Como poderia fazê-lo se passou tanto tempo treinando o contrário? Depois viu a fenda, que separava o abismo da próxima ponte, ir se fechando. Rapidamente. Agora estava mais que na hora de entregar-se ao precipício.

 A vontade era sua dona, mas a mente latejava, dizendo o contrário. Não se entregou. Segurou-se com toda força nas rochas que estavam ao seu redor. Nenhum grão de areia ou pedra flamejante atingiu sua rubra face. Por fim, caiu em direção oposta ao seu objetivo. Flutuou rumo ao caminho contrário. De longe, avistou a placa com uma escrita turva. Lá, do outro lado, viu que ali, local no qual estava há pouco tempo, se encontrava um jardim florido. Lá estava a luz esverdeada que perdeu num outrora bem distante.

 A fenda se fechou. Em seguida, a dúvida restou. Será que esperava uma nova abertura ou voltava para os braços do vento, para ver outras tempestades? Talvez perdesse a candente chama de cor verde. Talvez jamais se abrisse aquele portal de novo.  Talvez.