terça-feira, 14 de junho de 2022

Sem farsas


Não se engane. Os arcos narrativos jamais foram vivenciados. Eles eram flocos de luz imaginários, coletados por uma mente fantasiosa, que projetou um infinito de sonhos em uma miragem. O que restou então? O mesmo de sempre: um espaço aberto, de chama inefável. Como regressar para o ponto inicial, quando as chagas de uma fábula insólita fincaram bandeiras profundas? Talvez, pela compreensão da realidade, do que fingiu ser verdade e do que era real de fato.

Quando fala sobre imaginação, não menciona o provável sentimento da outra. Este fator é inútil no presente instante. O que deseja dizer brevemente, porque a paciência para tal assunto já se esgotou, é que a falta de reciprocidade das ações era a verdade mais absoluta de todas. E quando diz isso não se refere aos olhares, ao desejo, ao fervor. Estes talvez estivessem lá, mas fala mesmo sobre o que habita o seu corpo e sua mente.

Se a flâmula incendiada ainda consome seus escritos, não poderá mais rogar por desculpas ou tentar encontrar as palavras mais belas. É que foste caos em meio ao ensolarado verão na terra dos arrogantes. Foste geada, que invade o coração e petrifica os sentidos e no fundo sempre soube que  não era a rainha progressista encantada. Na realidade, suas escolhas se aproximavam muitas vezes do outro lado e seus discursos eram vazios, porque na prática ela é somente convenções.

Todavia, não quer deixar de acreditar que, no fundo dos seus olhos e de sua alma, a generosidade, a força e o caráter tão relevantes em sua fala estão ali dentro de alguma maneira. Talvez, somente existam para aqueles que a importam. Não há como saber. Talvez, a fada esteja em um rompante de exaustão e esteja acometida de uma raiva tardia, pelo o que nunca deveria ter sido. Como acusar alguém de não ser fiel ao devaneio de uma tola? 

Não, não há nada de errado com ela. Sempre foram cristalinos os seus passos, bem como o seu caráter e as suas decisões. Foi a outra que a transformou em uma heroína de seriado dos anos 1990. Não há como culpar a borboleta distraída. Todavia, já não sabe quais frases formar para continuar escrevendo. Na verdade, não quer mais falar sobre ela, sobre o amor, sobre os castelos construídos com temor, sobre nada. Deseja apenas sobreviver ao seu estado de profunda melancolia, virar a página e seguir de maneira digna.

Com os olhos mais abertos e secos, agora consegue seguir. De preferência sem qualquer canção, pois elas desconcentram e ainda há uma trajetória enorme a ser seguida.  

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Maciez



Cada traço do seu rosto agora é memória. Cada dia na distância significa a impressão de um coração estilhaçado em meio ao caos. Correndo e sonhando sem parar, engole a alegria presente em outros momentos. Todos estes momentos sem ela e sem o seu sorriso tão apaixonante. Quando foi que a sensatez escapou de suas mãos e passou a amá-la tão profundamente?

Foi naquele dezembro incendiado, talvez. Ou tudo isto não é amor, é tão somente uma alucinação pungente, é véspera de insanidade despreparada. Quando foi que não pode seguir por outros rumos por somente conseguir enxergar uma face única? Fora em outra primavera que decidiu jamais se prender ao impossível. Mas, com a sua chegada, falhou em seguir este propósito.

Por que ela? O que há ali de tão especial? Não existe nada além de uma fábula insólita nesta canção. Todavia, cada recordação conta com um poder incomensurável e o seu subconsciente a amarra ali, neste sentimento desprotegido. Queria que tudo passasse despercebido e nunca mais escrevesse sobre o seu rosto corado de sol, sua boca aparentemente macia e seus olhos profundos. 

A sua presença era quase inflamável. Contudo, sua ausência também o é. O que fazer com estas emoções inúteis? Qual seria o propósito de tantas missivas jogadas ao vento? Talvez, precisasse somente de um beijo para ter certeza de que poderia partir. Há o perigo da comprovação, é bem verdade, mas não tê-la de forma alguma é ainda mais cruel.

Por isso, sonha. Delira com a correspondência, com alguma aproximação. Uma amizade? Um consolo? Uma palavra carinhosa jogada no meio do espaço… Engasgada com tudo que sente, está exausta de se esconder. Queria segurar em suas mãos, olhar em seus olhos e contar tudo, o que ela já sabe e o que jamais imagina, sobre o vento, as flores e o espaço. 

Também poderiam rir juntas sobre as novas tiragens, sobre o canto dos pássaros ressuscitados, sobre cada molécula de paixão espalhada pela corrente sanguínea. Caso fosse sincera, poderia tentar compreender ao seu lado as razões para tamanho encantamento e como o tempo jamais o dissolve. É, é por isso que escreve tanto. É para que diga tudo que necessita, pois acredita que continua a acompanhar os seus escritos. 

Mas, pede desculpas, pois já não constrói frases tão lógicas ou belas. Tudo é fragmento, tudo é anúncio de desespero, tudo é espera infinita. Quando ela vem? Quando tentará encontrar a resposta para o disparo do seu coração e para a insistência de seus pensamentos sobre a fada? Não precisa mais aguardar, as soluções estão todas em sua mente que processa cada acontecimento lentamente, mas que esconde a alvorada por puro pavor.

Pois já não importa quanto tempo demore. Um dia a curva vira linha reta, com um encontro no final da estrada. Agora, ela ri e espalha pela terra que aguardaria cinco, dez, mil anos se fosse preciso. São várias vidas, não são? Caso elas existam, as várias vidas, o tarô estaria correto e já teriam vivido e revivido todo este caos, toda esta narrativa insensata. 

Então, sendo novo ou repetido, em algum momento existirá uma salvação. Torce, porém, para que esta venha em formato de beijo cálido de uma boca macia prometida. Será eternamente feliz neste dia iluminado.