segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Verde

Queria mesmo que o vento a pertencesse hoje. Queria mesmo se afogar na fumaça venenosa e incessante. Queimam-se os lírios e restam-se apenas vestígios do anoitecer. Pois, quando o poder de sua alma foi entregue, correu em direção ao som mais profano. Retida em seus fios dourados, olhou para trás e resolveu seguir adiante.

Agora paga pela vontade de se encaixar em um mundo de papel, em seu próprio castelo de areia derretido. E, antes de tudo, o mundo pára outra vez e nada mais faz sentido. A ventania escapa, junto com as verdades que lhes são ditas. São apenas chuvas de impropérios e pedidos falsos, comungando com a concupiscência latente que habita sua carne tola.

Sim. Cansou de todas as mazelas provocadas por acreditar na próxima palavra falsa, coberta de escárnio, dúvida, sobressalto. Deseja fugir e emaranhar-se nas ondas dos mares petrificados. Quer de volta o vento que tanto estima. Quer tempestade rubra e sem dor, madrugadas ensandecidas, agora já adormecidas pelo poder da enfermidade.

A escrita imprime-se no tempo. Os versos são jogados para o destino e, tudo agora é apenas o hoje, com respingos do amanhã. E que se calem todas as sentenças, pois apenas na sua alma retorcida de dor pelo passado é que as reais intenções são conhecidas. O mundo mudou, as flores já brotaram e os lírios incendiados permanecem pálidos e guardados. Agora, basta abrir os olhos. Agora basta deixar que as luzes ressoem pelo o espaço. Esverdeadas, sempre esverdeadas.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Um pouco de ficção


A névoa da dúvida se emaranhava em seus pensamentos enquanto tragava mais um pouco da fumaça cinzenta e proibida. Os olhos marejavam e as incertezas penetravam a aura.

Os sinos badalavam em sua confusa mente e perdia o sentido quando fitava a própria imagem distorcida. O vento seguia seu curso. Os pássaros pareciam cantar a mesma canção. Porém, tudo se transfigurava, cobria-se de cinza, encharcava-se de memórias, erros e acertos.

A madrugada é sim a mais cruel. Nela o coração dispara e som desvanece nas lembranças do hoje, do ontem, do que poderia ser e será. Não há metáfora que possa alcançar a amargura de ser quem é ou a tortura de decidir sem reconhecer qual é o melhor passo. 

A onda de calor interno se espalhava pelo ambiente. Mais uma música e conseguiria adormecer. Ou seria devorada pelas palavras. Suas ou não. Precisava fugir, correr o mais rápido que pudesse. Ainda assim lembrava, todo segundo, da jaula que ali a prendia. Aquela coroada pelo cotidiano. Aquela de garras ferozes, criadas somente pela imaginação pulsante. 

Acorrentada pelas flechas candentes do inconsciente jurava, urrava, clamava por mais uma gota daquele suplício, do mais doce precipício, do mar revolto de neblina e fantasia. A escrita estava sim contaminada pela urgência, pelos sussurros, por mais um dia que se aproximava. O amanhã, coberto de fel, chegava frenético. As lanças já estavam apontadas para o coração descompassado. A próxima fala já estava condenada.

Gritava e nenhuma resposta chegava. Os zumbis apagavam-se da caminhada, porém o gosto amargo do veneno derramado continuava a se espalhar. Agora não mais ébria. Agora dilacerando qualquer traço de displicência. Agora vivendo o que sempre foi.

Esperando o silêncio fitava o horizonte. Balbuciando cantigas para o destino se desprendia das amarras guardadas na alma e acalentadas apenas pela ventania. Aguardava. A tão esperada resposta do vento. A tão desesperada e suposta sensação do tempo, que se cala, emudece, não mais resplandece. Parecia, naquele momento, que tais tolices dominariam sua mente, fervente, incandescente, coberta apenas de desejo e dúvida.

E o sol já estava quase nascendo. E o amanhã já se fazia presente. E agora era tão somente a madrugada e ela.