sábado, 25 de fevereiro de 2023

Abençoada e sábia



As flores sumiram, caíram todas e, pétala por pétala, levaram seu amor para longe. Como dizia seu pai: “não importa que o rádio renitente ruja”, pois não é mais véspera de encontro e, agora, todos os céus lampejam pela revelação anunciada de sua ausência. Com o seu sorriso cravado na memória, reza baixinho, clamando por uma resposta qualquer do Universo.

Depois, deixa que a celebração fervorosa da vida limpe a tristeza colossal, preenchendo-a com um novo significado para o outono que há de chegar. E é assim que seu rosto desvanece da lembrança, progressivamente, em um canto febril, em uma madrugada de pesadelos lancinantes, em beijos casuais em meio a chuva, em cada gole gelado de cerveja. 

Todavia, o sentimento persiste, assim como a vontade de esquecer seu nome, sua voz, sua gargalhada, seus abraços, seus olhos de lince e todas as suas palavras banhadas em doçura e fel, naquela complexidade que somente ela sabe entregar. Então, por isso que foi preciso deixar tudo para trás. Afinal, sua importância é menor para ela. Então, por isso que respirou fundo, para ver novos horizontes.

Foi feliz outra vez! E traz a constatação em uma exclamação, porque jamais pensou que o seria novamente. É, “são tal hora e tal minuto”, sem nada oficial, nem mesmo a paz que é tão exata. Sem tic tac, sem sinos, sem rios que desaguam em desespero, sem os sons que anunciavam a sua chegada, sem eles, sem poesia. Mas, caminhando, com toda fé de que a revoada ressignificada dos pássaros virá e, aí, tudo será prosa eterna, em meio aos lagos da sua alma.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Revirando a sorte

 


O som se põe, as flores rosadas desaparecem, mas os sinos não tocam. A estação está prestes a mudar, os pássaros vêm e vão, mas os sinos não tocam. Os olhares se encontram, os risos se espalham, a poeira toma conta das cartas e dos cartões, mas os sinos não tocam.

Quando hão de tocar? Se seus lábios rubros despejam palavras doces e a madrugada entrega sonhos preenchidos de sua companhia, por que não deixas que os fios vermelhos, que lhe cobrem a face, derramem em suas mãos, para que o beijo seja então selado? 

Quando calor, frio, mares e tempestades irão se encontrar novamente, para que todos os horizontes ganhem sentido outra vez? Seria possível eliminar as perguntas e encarar de vez, em um só trago, que seus destinos se cruzaram e agora serão habitadas por uma saudade infinita? Na verdade, talvez, esteja enebriada por sua imagem e tenha perdido os sentidos, enquanto escreve.

Mas, é que lembrou das árvores cinzas, que despejavam beleza, ao escutar a sua voz cantarolando alguma canção tola. É que fitou seu olhar ansioso, ouviu a sua fala afiada e sentiu a pupila dilatar. Ela é sua, ainda que em um mundo paralelo, coberto de folhas deixadas pelo outono e pelo vento frio - daqueles que fazem o passo acelerar.

Ela é sua, dentro do seu coração apaixonado, que não consegue ver graça em nenhuma outra mulher que não ela. Ela é sua, na madrugada febril, às 4 da manhã, quando a pulsação acelera e já não sente mais medo de amar. Ela é sua, até que desperte de seu devaneio de imperatriz teimosa. 

Depois, reconhece que ela floreia por outros campos, entrega-se para outras terras, abraça o cavaleiro sonso, presa nos trilhos que a enclausuram. Foi a sua amada que construiu seu próprio cárcere, feito de metal, neve, faíscas e pavor. Foi a sua amada que não lhe disse uma palavra de despedida. 

Foi a sua amada, que nunca foi sua na realidade, que cravou um punhal certeiro na alegria, que um dia ela mesmo desenhou em seus caminhos. Por isso, nunca mais terão suas longas caminhas, as confissões e os olhares cúmplices trocados. Nunca mais confiança, segredos e conexões intensas. Nunca mais gargalhadas que preenchem jardins e lábios que umedecem ao mínimo sinal de reciprocidade. 

Nunca mais. Agora, resta tão somente o aguardo para o próximo sinal do relógio. Já é hora de se despedirem de novo, para que venha um outro ciclo extenso, para uma alma dividida em duas. 


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

A borboleta e a temperança



Entre histórias encerradas, lampejos de recomeços e jornadas ressignificadas, eis que chega a recordação de uma paixão. Ela veio devido ao seu costumeiro jogo de cartas, é bem verdade, mas é curioso observar como ela se faz presente em seus caminhos, de quando em quando. 

Na verdade, ela não foi sua e nunca será, mas há uma aura nela que, mesmo de longe, agrada a imperatriz de alguma maneira. Existe todo o fervor de sua personalidade transbordante, que atrai a sua atenção e inebria a sua visão. Somente a memória do seu olhar é capaz de entregar emoções intensas e físicas em seu corpo.

Foi o reencontro com ela que a abalou tanto naquela noite, não foi? Sim, não pode negar que existe algo na borboleta que a atinge sem aviso, sem propósito, sem sentido. Mesmo após ter encerrado qualquer possibilidade de sentimento por esta canção, ela fez parte de um ciclo que compõe uma situação maior, que se encerrou em uma manhã ensolarada de janeiro.

A imperatriz decidiu trocar de pele e somente desejar o que há de verdadeiro, o que é dela realmente, o que pode tocar, amar e querer sem culpa, rejeições ou tolices juvenis. Todavia, o destino é piadista e fez o oráculo lançar seu nome na roda, assim, como quem lê uma lista de compras rotineiras. 

Talvez, todos os místicos do país tenham se equivocado e nada que já fora proferido sobre a borboleta seja concreto. Talvez, as cartas estejam enganadas, talvez tudo isto seja um imenso devaneio confuso e cheio de ilusões fantasiosas. É por isso mesmo que não mergulha, não retorna, não tenta mais. 

Contudo, essa breve passagem por seu nome aqueceu o seu coração, dando-lhe um afago momentâneo e um sorriso de canto de boca. Ah, a borboleta intensa ainda existe! Ela está lá, em sua torre perto do bonde, com seu rei conquistado, com sua rotina inescapável. Do outro lado, silêncio, serenidade, calmaria e até um tanto de gratidão. 

E é nessa atmosfera de tranquilidade que finaliza esse texto atemporal. Caso um dia a borboleta apaixonante leia suas palavras jogadas ao vento, ela gostaria que soubesse que agora entende suas decisões. Além disso, a admira por sua paciência e generosidade.

E, se por um acaso, o oráculo estiver condizendo com a realidade, a borboleta sempre poderá conversar com a imperatriz. As portas estarão sempre abertas, mesmo que seja, de repente, talvez, para conselhos, confissões e, quem sabe, uma amizade. Ou…mais? Somente o Tempo sabe essa resposta.