quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Schwert


Já perdeu a lucidez faz tempo. Não lembra ao certo quando foi. A progressão de sua tortura silenciosa se alastrou em meio ao caos. Por isso, foram incapazes de ouvir e resgatá-la. Ou, assim prefere acreditar. Em suas madrugadas, agora não tão mais longas, engole seco e o gosto de sangue chega aos lábios. Quando o amargor superou o seu desejo de viver? Ainda consegue lembrar-se dos dias iluminados de pó, de varanda e fumaça, de ebriedade e fantasia.

Era porque os pássaros cantavam e entoavam canções de amor. Era porque pensava que sabia por qual caminho seguir. Era porque ainda não havia descoberto como é tortuoso pisar no chão incandescente e respirar o peso das manhãs. Seus sopros se baseavam apenas em sinfonias de júbilo. Pouco em sua trajetória tinha sido de dor. Claro que avistou montes de poços profundos. Desde muito cedo  viu em outros olhares o que agora mora no seu.

Não adianta continuar escrevendo. É simples demais. É intenso demais. É risível. Foi ela mesma quem disse, não foi? A dama ensanguentada. "Você aguenta pouco. Queria mesmo era ser você". Disse, enquanto o líquido rubro escorria na pele. Ainda podia escutar seus gritos. O tempo passou, mas os urros vindos da perfuração ainda ecoam nos ouvidos dela. Então, não pode sofrer. Não lhe é permitido. 

Sabia? Foi o sorriso que lhe foi ensinado. "Balance a cabeça, acene que sim ou que não. Sorria sempre que puder". Nisso, a sanidade evaporou por seus tristes poros e já não sabe a quem pedir socorro. Já está rouca de tanto que implora por ajuda. O horizonte já parte e somente existe como se encaminhar para o final da história. Mas, não é isso o que quer. Não exatamente. Ainda deseja escutar tudo, sentir tudo. De uma vez, mesmo. Porém, de forma indolor.