terça-feira, 30 de abril de 2013

Sem sinos

 Poderia escrever a noite inteira e o brilho da lua enganaria outra vez. Talvez seja necessário utilizar todos os clichês do mundo apenas para expurgar todas as dúvidas existentes. São muitos sussurros tentando encaminhar seus passos, mas faz tudo diferente. E preferia correr da intensidade, porém esta lhe preenche e já não há mais retorno.

 No entanto, se a jornada pode ser reconfigurada, a candente sensação será transformada e todos os fatos irão caminhar tranquilamente outra vez. Um dia decidiu apagar todos os rascunhos rabiscados, caminhou para o futuro, abriu os olhos e já não era mais a mesma. Sorriu e tinha convicção de que todas as próximas palavras seriam apenas suas. Ainda que esperem outras ações, não pôde seguir as regras.

 Depois, aceitou o novo desafio que surgiria apenas da sua mente em devaneios recorrentes. Sem mais pensar em consequências, em corações entrelaçados, naquele outrora muito distante e complicado, nas varandas nas quais as luzes já se apagaram. Aceitou o destino.

 Determinada, abraçou novamente o vento. Recusou pedidos tardios. Esqueceu as faces cobertas de mentiras. Declarou guerra aos próprios sentimentos, guardados, num passado tão antigo que apenas lhe restou pedaços de memórias.

 O toque do tempo, as horas antes e depois de uma decisão, os derradeiros minutos que precedem o último pulo num abismo sem volta. Contudo, sua alma, sua pele, seu corpo inteiro clamam por renovação. Queimam-se todas as melancolias, as lágrimas secas e até mesmo a paciência grudada em sua aura.

 Chega de escrever, de procurar uma resposta para um silêncio que nunca se finda, de se perguntar a razão para todos os segredos escondidos. Não há mais motivo algum para negar a felicidade, para conhecer o novo ou para guardar vontades e temer desejos. Ainda que sejam profanos ou até mesmo desenganos. É preciso pular, é preciso mudar a estação, cobrir-se de ventania, queimar todos os escárnios na fogueira mais cruel.

 Em seguida, logo após a decisão, as páginas se viram depressa. A respiração torna-se ofegante. O coração cura-se. E deixa que a concupiscência seja sua dona outra vez.

domingo, 28 de abril de 2013

Rodopio

 Já é hora de escrever novamente. Os sinos não param de tocar e quando menos se espera os fantasmas surgem outra vez. Talvez para corromper os disparos singelos de sua alma aprisionada em requisitos inúteis, em mergulhos profanos, em tardias certezas e desenganos.

 Sim. As horas escorriam sem ao menos se dar conta. Sim, um sorriso sincero destrói os prantos de outrora. Agora já não mais interessa coisa alguma. É o momento de renovação. Para que mais um ciclo se complete. Para que a jornada faça sentido. 

 Por isso precisa negar impulsos, sentenças pré-estabelecidas, relutâncias, olhares que mentem. 

 Quando apagava as lembranças, as sinfonias tocaram uníssonas no mesmo instante. Uma rajada de luz cobriu os olhos, o verde esmeralda apagou qualquer dúvida, a espada púrpura que arrancava de seu coração desapareceu, as torres que desabavam em sua direção viraram neblina e os sinos que tocavam pararam.

 Isso para a purificação. Isso para que o ano novo que se aproxima chegue rapidamente. Seu novo e simples recomeço.

 O tempo já foi injetado na pele, o cinza já cobriu todo horizonte, menos o seu. Pois dentro deste universo sem nexo, um pedido único e derradeiro foi realizado. E não há mais espera. Relutância. Suplício. Segregação. Secretos sonhos ilusórios. 

Acabam-se as promessas inoportunas, as mentiras sussurradas, as respostas imploradas, jamais escutadas, aquela valsa que insistia em tocar. 
 .
É tudo cristalinamente puro, recriado, renovado. E os desejos já são outros e apenas a concupiscência é fiel. E esta preenche cada respiração ofegante, cada passo deslizante de uma madrugada finita.

domingo, 14 de abril de 2013

Polisipo


 É preciso escrever. Até que a última gota de dúvida escorra da alma. Quando foi que o engano da madrugada foi mais forte que as escolhas? Quando a memória destruiu suas últimas forças para lutar contra a maior vontade que habita sua existência. Não adianta mais, ou a porta se fecha ou nunca escapará do mesmo abismo em que insiste em pular.

Coberta pelo vento que já salvou sua pele, preenchida pela fumaça cinzenta, protegida pelo cálice da verdade, no qual bebeu todo o veneno guardado para si, tenta encontrar a melhor saída. Não há retorno, muito menos salvação. Agora não aguenta mais esperar. Afinal, como poderia? Se ao menos entendesse o que se passa. Se ao menos descobrisse se seus olhos ainda brilham pela rosa candente. Se o presente fosse desmanchado e reconfigurado ou até mesmo se escutasse aquela melodia.

Ou não. Já não há resposta correta. Apenas questões a serem respondidas por um destino secreto. E no fundo da torre mais alta agora guarda a sua própria chave. Uma que pensou que jamais existiria. Uma que um dia pensou ser feita de fel, de melancolia, mas não. Esta é máxima proteção. É a absoluta convicção que dor alguma poderá brotar no seu coração rasgado. 

Depois vem a mudança, o silêncio, a espera. Depois vem um pouco de sonho, de ilusão, de tintas que passam por todos os caminhos, que pintam todas as estradas amarelas. Suspiro. Respira. Perguntas sem respostas. Queria mesmo era gritar, mas sem ouvinte algum ao seu redor resolve se calar, evitar mais conflitos, mais problemas. Por isso precisa seguir, mas sem mais exigir, sem mais pesares, sem mais dramáticas situações, sem riscos, sem prantos. Um mundo no qual existe apenas o encanto de ser quem realmente é. Para o resto, somente o fim ou um eterno recomeço.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Antes de alcançar


 Palavras engasgadas na garganta, amores impossíveis, nenhuma lágrima, uma possível e cruel verdade. Há uma enorme vontade de correr para o vento, braços abertos e a alma cristalinamente purificada. Depois repensa as ações, as escolhas, as sentenças silenciadas por números escritos em algum tolo papel. Rasgá-lo seria melhor e, só assim, viria o recomeço.

 Afinal foi sempre assim. Entre um recomeço e outro o ciclo se repete numa louca ciranda irracional. O desejo de pertencer e ser, de sentir aquela energia única que domina a aura, a pele, a mente. Mas, será que isso a pertence? Quando alguém pode afirmar que adquiriu algo de nascença? Ou aqueles olhos são tão pérfidos, tolos, incompetentes, que a visão turva distorceu todas as intenções e palavras que saiam de sua boca?

 A determinação em aguentar os segundos que escorriam nas horas infinitas, o sangue que pulsava e a respiração que prendia para não gritar para o mundo que além de suas próprias falhas existiam as de outrem. E sacerdote algum conseguirá salvar ou julgar. E nenhuma guerreira de espada púrpura poderá lançar seus encantos novamente. E nada será igual, muito menos diferente. 

 A liberdade. Os desejos. O futuro. A ansiedade. A incapacidade de criar. O sufocamento constante. Manhãs de solidão. O medo.  Sim, o medo de não ter nascido para dar os próximos passos. Ou não. Ou tudo isso é apenas veneno dos derrotados. Ou a madrugada é mais fiel. Ou a espera pela paixão perdida é mais preocupante. Ou talvez quisesse esquecer tudo de uma vez.  Apagar os rascunhos, as emoções, os refletores, os olhares vazios no meio da multidão.

Existe muito para se falar. Pouco tempo, pouco espaço, pouca vontade. Um pouco de tudo e nada. Porém, antes não ter nascido para alguma coisa, do que não ter nascido para nada, pois estes sim estão condenados a solidão eterna dos dias que virão.