quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Contagem

  Sutil cicatriz de um passado recente. Medos estremecem os sentidos. O caos está grudado em sua pele. As confusões e incompreensões soterradas. Seu coração descompassado já não pode suportar um suspiro de melancolia. Basta um olhar e o chão engole a alma perdida. 

 Pensa em se despedir. Pensa em correr em direção do abismo. Pensa em entregar-se para o vento e todas as suas danações. Pensa. Demais.

 A cabeça arde. Lateja. Explode a aura em cinzas. Recorda o gosto salgado da salvação. O cotidiano é preenchido de adeus. Mais lágrimas. Mais confusões. Mais incertezas. Mais um pouco de dúvida para a completar a devastação dos dias. Uma súplica. Ao destino. Ao Tempo. Aos mares quentes e azuis dos olhos. Daqueles únicos olhos. Mortos.

 Sepulta as dores. Enterra as verdades. Sucumbe. Cobre-se com as flores sufocantes. Permanece na sombra da promessa. Das palavras. Das mágoas. Das cores falecidas. 

 Pálida corrente translúcida. Torres. Chaves. Sangue que verte da pele. Pulsante coloração que desfaz rancores. Retalhos de memórias flutuantes. Encontros nefastos. Pedidos impossíveis. Rosto coberto pela névoa de uma aurora insistente. Sim. Há uma bruma persistente. Determinada. Cálida. 

 Mais flores para cobrir os rostos silenciados. Mais desespero. Mais culpa. E o desespero triunfa. E o silêncio. E os sinos. Badalam todos os sinos. Surdos, os sinos. Pois eles afetam as madrugadas sinceras, mas não escutam seu efeito. E os pecados. Os sacrilégios. As inúmeras contas. As horas relutantes. As ilusões de júbilo eterno. As manhãs sinceras.

 Um dia. As vozes. O canto. A leve brisa que arranca os temores. A distância. Uma escolha. Uma devoção. E tudo é para sempre. Ou para nunca mais. E seu sorriso desmanchou quando a terra cobriu seu derradeiro pedido. Seu singelo e inaudível pedido.

  A correnteza levou suas últimas emoções e cristalizou um único semblante. Vazio. Frio. E seu último clamor foi calado com uma última flor. Jogada. Guardada para a eternidade. E corroeram-se todos os pedaços finais. Enlameados. E entregou-se à terra, grudada em sua carne. Entregou-se até o derradeiro centímetro de pele. Até a chegada do próximo, que lhe fará companhia. Até.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Lapidando

A correnteza afoga o vento. A terra cobre a pálida face. As palavras soterram a alma petrificada. Basta uma memória. Uma sensação. E tudo pode moldar-se, transformar-se. Basta apenas que sinta outra vez a lâmina gélida, cravada na pele.

Os zumbis marcham em múltiplas direções. O infinito é apenas sordidez. O horizonte é cinza e nebuloso.

Foi no outrora não muito distante que se contaminou pelo veneno dos céticos. Foi num passado ainda palpável que incendiou sua aura de menina para entregar-se aos pedidos sinceros. Cruéis. Certeiros. Pestilentos. Surrealmente preenchidos de dor.

Foi. Para nunca mais. Para purificar-se. Para evitar sensações. Para que jamais o topo fosse alcançado. Para que a mágoa restasse. Para todo sempre. Coberto de chagas. De prantos. De escárnios. De dor. De um tudo permeado de nada.

Depois veio o silêncio. E as manhãs. E as canções. E o retorno. E o sonho que não pode ser negado. Ou esquecido.

Porém. Sempre há um. Um porém. E este é apenas coberto de dúvidas. De incertezas. De recomeço. Ou regresso para o mesmo ponto. E o fim é dito depois do sim. Sendo único. Ou múltiplo. Repleto de estilhaços. De descaso e desamor. Compaixão e solidão. Rancor.

Ainda resta o tempo. Ainda resta um pouco de ilusão. De emoção. E tudo já mudou sim. Apenas deixa morar um pouco de cor e vendaval na sua pele. Apenas deixa a chuva entrar. E adentrar a varada. A mente. Os dias. E os caminhos entrelaçados.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Sonhando

Ventania. Que escapa. Corre das mãos. Que sufoca. Intensa. Veloz. Depois é bruma turva do deserto das incertezas. Depois é a lembrança de um beijo. Um sonho. Um devaneio. Depois é horizonte banhando de fel adocicado. Depois. Sempre. E o silêncio. E o vento. E a correnteza.

É vendaval de júbilo. É dormir para jamais despertar. Da ilusão. De um amanhecer. É correr para as lembranças de um abraço eterno. E das palavras tolas que saiam dos lábios tensos. Correr dos encantos. Correr da escrita amarga. Da vontade. Da insanidade. Das horas lentas. Da fumaça proibida. Dos mares traiçoeiros.

Pausa. Retorno. Pausa. Sofreguidão. Mais uma pausa. Mais um delírio. Mais e mais. Até não mais respirar. Até que não exista solução. Até que venha o entardecer. Até o último suspiro. Até as noites infinitas. As madrugadas. Os ciclos. 

As portas se abrem. As lágrimas secam. Chega um sorriso. Um único. Sorriso. A espera. Os minutos descompassados. Os sussurros. Os dias. O desejo. A sanidade rebelde. A integridade maculada.

Uma bifurcação perigosa. Uma eternidade. Uma promessa. Uma negação. Uma sequência numerosa de pedidos. E renúncias. E a melancolia abandonada. E o amanhã que virá. 

E o som depois do sim. E o silêncio sem fim. Depois do não. E a escolha. E a consciência. A dúvida. O medo. A certeza. E as possibilidades. E os cálices. Inteiros. Plenos. Cobertos de flores. De sombras. Da penumbra da razão.  

terça-feira, 30 de setembro de 2014

As sílabas sinceras de um adeus tardio

Tudo muda. Os ponteiros dos relógios mundiais voltam a correr velozmente. Os ciclos são interrompidos. Uma nova era se aproxima. Os dias cinzentos mesclam-se com uma dose tímida de vermelhidão. 

Os pés se arrastam em direção do novo horizonte. As horas voltam a passar. Acorda do sonho. Da fantasia de quem foi.

Todos os planos. Todas as certezas. Derrubadas. Arrancadas. Demolidas. Para um recomeço.

 Pintam-se novas auras. Novas ideias, pensamentos, vontades. Os desejos transfiguram-se. Reluzentes. Candentes. E os tolos se apressam. Tentam enxergar um pouco mais do que virá. Porém, nessa estrada, ainda jovem, tudo é turvo.

Poeira cósmica. Névoa. A ventania é o único guia. E a solidão preenche as noites. A agitação cobre os dias. Trancafiando as mágoas. O outrora. As luzes. Os cálices. As tempestades. Ainda assim, cobrindo-se de luz. De chamas intensas de júbilo. 


O rio corre. O amanhã permanece oculto. As lágrimas escorrem. O sangue congela. E o fim se apaga. E ressurge. E se apaga. Eternamente. Até o último suspiro. Até.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Faces Reveladas

É frio cinzento. É poeira. É solidão. São as rusgas do passado. É o véu da sinceridade. É o céu coberto de nuvens cintilantes. É tudo que foi e já não mais é. São as promessas reveladas. Os cálices derramados. 

Sentimentos corrosivos. Noites perdidas. Abandono desleal. Máscaras que caem como a chuva deste amanhecer. 

Depois tudo é mais forte. Mais real. Mais singelo. Puro. Adocicado. Após a verdade apontada. Após sentir na alma o baque do ressentimento alheio. Após o fim de mais um ciclo.

Agora as chamas da certeza brotam no coração petrificado. E este se amolece. Devagar. Enquanto chega a primavera. Enquanto os olhares se encontram. E brilham. E cantam. E os pássaros somem. E os sinos congelam. E os clamores cessam. Já é véspera de ventania desmedida. E a aura ferve. Os mares se abrem. O incômodo se desfaz.

O silêncio perdoa. O veneno se esgota. Sorrisos. Leves. Lindos. Belos. É júbilo sem fim. É um anoitecer sem mágoas. É gargalhada longa. Findam-se as dores. Apaga as faces falsas. Renega os amores fingidos. As palavras em vão. Os abraços traiçoeiros.

Sim. Há retorno. Existe salvação. As correntezas da sorte aproximam-se. E já é hora de viver a paixão anunciada. É. Até o fim. Da existência. É. Até que o horizonte se refaça. Até que as flores caiam novamente no caminho. Até que as músicas voltem a tocar. Até que o sol se esconda. Até. 


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Todos

 
Memórias. E delas vêm as decisões. As reticências combinam demais com os suspiros de dor. E já é madrugada mais uma vez. A paz do silêncio prometido. O caos doentio. A cobiça. As verdades cruéis e insensatas. O florescer dos campos reluzentes.

Uma imagem. A miragem. Uma certeza. As mãos. O cálice. O que estava por vir. As letras. Escritas. Os turvos papéis sublinhados de sangue. As lágrimas escorridas na face. Um gole. Uma dança. A canção. Um pouco de fumaça. As negações. O cotidiano. 

Mais passos para o abismo infinito da solidão. Mais uma decisão para colocar o último grão da plenitude do fim. Mais e mais. E a névoa. A bruma do outrora coberto de folhas. A primavera. A morte da razão. A impureza de um sorriso. 

Salas vazias. Sinos. Ventania. Tempestade sincera. Lábios rubros. Cores e fantasias mescladas com um toque de ilusão. A perfeição de uma resposta.  As promessas. Um segredo. Um devaneio. O despertar. A insensatez. A farsa. O fardo. 

Raios. Luzes. Chuva amarga. Mergulho intenso. Paraíso inalcançável. As horas. Sepultadas. Cristalinas. Santificadas. Tolas. Rasas. Calmas. Sim. Não há como escapar. Ou evitar. O presente é vivido. Depois...depois são apenas reticências...

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Refúgios

Brutalidades do cotidiano. Sentenças concretas. Eternas. São muitos goles de veneno para alcançar a purificação final. São muitas voltas e retornos para terminar o ciclo. São histórias preenchidas de reticências... São memórias. Lembranças. Partidas.

Se ao menos lutasse para abrir mais um pouco os olhos. Se não pulasse dos precipícios mais altos. Se não dissesse. Se apagasse. Se o vento juntasse os caminhos perdidos. O se coberto de não. Petrificado nas injúrias da madrugada. Nos rancores tardios. Nos pedidos levianos.

Ventania. Cálida. Pura. Cristalinamente suave. Esta salva e jamais condena. Nunca julga. Depois os golpes. Cantos. Refúgios. Muitas palavras e poucas ações. Muito silêncio e nenhuma sinfonia. Os sinos congelam. A face já está mais pálida. A tormenta da dúvida soterra os arrependimentos.

Dor. Melancolia e fúria. Caos e calmaria. Tempestade e imensidão. A cura está na próxima esquina. O cálice borbulha e as mãos se abrem. As chaves se perdem por outros corpos. A língua revela as mentiras venenosas. 

O amanhecer. As devoções. As obsessões. O alvorecer. É uma canção que gruda na pele. É um horizonte adocicado. É uma névoa reluzente. É tudo que foi e já não poderia ter sido. É o aviso. É a escrita que revela. Os males que afagam. Os olhos que não se encontram e jamais verão os mesmos sorrisos. Fim. Início. Chama. Clama. Arde.

Alerta. Singela. Conta. Encanta. Desfaz laços. Recupera sensações. Reconhece as ilusões. Corre. Rápido. No meio dos devaneios. No cotidiano cinza. Relutante. Candente. Sempre.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Sinfonia

Delira agora e implora por um pouco mais de vento. Sedenta. Candente. Coberta de luz. Cega pelas tempestades de outrora. Não compreende a negação de um sorriso. A falta da gratidão pela caminhada. A imagem da escrita sepultada. Os anos que já foram esquecidos. 

Prende o ar. Procura um pouco de fantasia. A ilusão soterra o coração descompassado e retorna para a madrugada cinzenta. São flores cálidas que cobrem o chão nefasto e petrificado. São cores amargas que espalham a melancolia. São as manhãs mitificadas. São os cantos dos pássaros mortos. 

Soterra toda esperança. Enriquece o pranto desmedido. Emudece expectativas. Os sonhos condenam abismos impuros da sorte. Desmazelo. Desespero. Melancolia. Sufocamento. Sofreguidão. Um segundo flamejante de emoção e todos os sussurros se refazem. 

Silêncio profundo. Artifícios prudentes. Cobre o fulgor de repente. Celebra o fim de qualquer luminosidade cristalinamente adocicada. Segrega espasmos lancinantes de dor. Erradica o calor. Elimina o ardor. Contamina-se apenas com o furor. Aproxima-se da solidão e cala de uma só vez qualquer resquício de paixão. Consome-se apenas de sofreguidão, cólera em demasia, descontentamento, desolação.


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Enquanto voam os pássaros

 Cala a madrugada incessante. Sossega a dúvida inevitável. Trava batalhas contra o inconsciente. Releva espasmos de dor. Corre em direção do vento. Almeja sonhos antigos. Sepulta desejos. Deixa a música embalar os sonhos. Os sinos tocam. 

 O horizonte se ilumina. A calma condena. Os rompantes também. Abre os olhos para mundo. Soluciona enigmas translúcidos. Premedita paixões. Esbraveja para o mundo que ali está. 

 Guarda o pranto. Acorrenta incertezas. Candente. Sempre. E os mares continuam revoltos. E os caminhos continuam tortuosos. E a solidão ainda é a companheira mais fiel. 

 Por mais que mude. Por mais que o destino se transforme. Os passos rasgam a alma. Os pés soterram a trilha para a correta estrada. O infinito é apenas ilusão certeira.

 Canto fino. Doce voo. Pássaros mudos. Torres altas. Chaves secretas. Jardins incendiados. Cálice fumegante. Aurora coberta de neblina. Nada é um pouco de tudo. E tudo um pouco de nada. Soletra cada verso sussurrado. Enumera as palavras presas na carne pulsante. E o sorriso se desfaz dançante. E agora a primavera é a única resposta. 

 O sol queima a face. A manhã nunca chega. O brilho das cores congela. O frio invade a aura. Recortes. Transporte raro para perfeição de um julgamento. E o Tempo devora as tempestades. Não há sentido. Nem retorno. Nem salvação alguma. Existe somente o próximo salto para o abismo mais distante que apareça.

sábado, 12 de julho de 2014

Ponto Reticente

 Os olhos devoram as palavras escritas.

A imensidão da solidão. A volta da realidade que sempre envolveu a alma. Foi apenas um intermezzo de cores e fantasias. As escolhas brotam no caminho. O sol arde na face. Os caminhos se desfazem para que a mais bela sinfonia toque. As verdades se dissipam. Os mares se cobrem de ventania.

A doçura está no ponto final. Na não continuidade da existência. As lembranças jorram do pensamento. Os cálices transbordam o mais cálido veneno. A memória. O sorriso. Um semblante. Cortado. Dilacerado. Em chamas. Candente sim, pois já não há outro título que se encaixe melhor.

Devora o outrora. Cúmplice de sua própria sina. Derruba as cortinas presas nos fios dourados de melancolia. Corre. Foge. Apaga os laços conquistados. Revive decisões, dúvidas e desapegos. Revive certezas. Apaga vontades. Destrói pedidos. Elimina culpas. Releva desenganos.

Renasce para o futuro. Esconde a torre púrpura de dor. Adormece as ilusões. Petrifica emoções. Canta juntamente com os pássaros. Deixa o vento pulsar. Expurga os estilhaços do coração determinado. Recupera sensações. Sufoca recordações. Sepulta decisões.

Cobre-se de proteções desnecessárias. Tranca sentimentos. Evita qualquer momento de júbilo desmedido. Apenas mostra um sorriso. E deixa que o Tempo lhe traga o resto.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Enquanto marcham os zumbis...

Nostálgica. Sem sorrisos. Somente observando o destino. Seus sonhos desvaneceram juntamente com o outrora petrificado. São as dores das lembranças, das enfermidades, das lágrimas que insistem em salgar a face pálida e cristalina. Seus desejos eram claros. Foram as tempestades e a névoa da mágoa que deixaram que os caminhos se transformassem.

Agora o vento seca. As flores flutuam pela alma. O canto é mudo. As canções são apenas em um ritmo. O tempo escorre sobre o pranto. A memória é cruel. A solidão também. E nela se deita. Para o nunca mais. Para eternidade. Para perder de vez a meninice tola e os companheiros ressentidos. Para desapegar de vez e para todo sempre dos zumbis nefastos que um dia acorrentaram suas vontades.

Os mares cinzentos revelam as certezas. As cores desaparecidas entregam secretos segredos sagrados de um coração dilacerado, candente, ébrio de desilusão e desentendimentos. As palavras. A escrita. Os anos que foram e jamais irão voltar. As manhãs cobertas pelos cantos dos pássaros que insistentemente entoavam o mais belo som ouvido. As horas lentas. As noites suaves. A pureza do sim, a leveza do não.

Corre. Foge. Tenta respirar.

Sufocamento. Arrependimentos. Cálida emoção que corrói a aura em forma de espasmos. O ar se move. O céu desce. A lua silencia seu olhar e suas respostas. Sem direção nova para seguir. Apenas o que lhe for dado, imposto, selado, compactuado. E horizonte se afasta, as estrelas caem, as bifurcações no caminho aumentam, o sangue gela, o rosto apresenta lividez única e singular.

Já é tempo de guardar as mazelas dentro de si. Construir muros inalcançáveis. Recontar histórias. Sepultar verdades. Acariciar a asas do destino atroz e fugaz. Enquanto olha as faces, daqueles que um dia lhe foram caros, perversamente satisfeitas com cada derrota e melancolia acontecida.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Outono

 Um momento. Um movimento. Tudo se desfez na sua frente. Após construir o muro. Tijolo por tijolo. 

Num sequência frenética de espasmos lancinantes viu o mundo que conquistara desabar sobre os seus pés. Foi árdua a batalha até chegar completamente naquele horizonte perdido. 

As vontades mesclavam com a confusão dos sentidos negados. Era para ser uma brisa de lembranças refrescante, mas foi escárnio quando ainda era flor ou lua branca e cristalina.

 Os olhos marejavam. As ondas de vento purificavam as sensações. Um dia qualquer. Uma esquina qualquer. Repetições de sentenças e julgamentos. E, outra vez, perde. Por não saber conduzir os passos na direção da ventania. Por não lutar. Por não saber o que esconde aquele coração que agora verte apenas melancolia, dor e segredos. 

 Há ali um mistério que nem a mais poderosa das fadas poderia desvendar. Há também uma rajada de decisões certeiras, guardadas e enfileiradas na sua prateleira particular. Pois seu sorriso se míngua quando a lua cresce e a estrada se reparte. São nas bifurcações que o perigo mora. São nos próximos abismos criados. É na melodia silenciosa. É no olhar petrificado, causado pelo susto de um encontro imaginado. Eram devaneios. Era dança. Era cor. 

 A leveza estava nos gestos, no fim de um dia cintilante e solitário. No futuro incerto, porém promissor. No cotidiano cálido, nas gargalhadas que ecoavam direto para o paraíso. Cálice. Dúvida. Festa. Mais um pouco de silêncio. Mais um pouco de certeza transformada em sorriso.


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Uma

Em época de Ano Novo os corações ficam frágeis, emudecidos, para que possam, então, explodir de júbilo e sensações. O rosto enrubesce com o nascer do sol, a alma vibra ao sentir a ventania percorrer o corpo, os olhos se calam e já está na hora da festa.

Os ciclos se renovam. Ou não. Quando o cálice transborda veneno, o resto se apaga e o vento cumpre novamente a sua função. A de purificar. Transformar. Renovar. O outrora adocicado, aparentemente mais suave que o presente, confirma a certeza de que o horizonte se aproxima. 

As palavras soltas correm na madrugada preenchida de som e fumaça. O propósito dos dias se alastra e os mares revoltos já não consomem os passos tortuosos de sua jornada. A escrita se alastra. O passado jorra na pele. As flores caem nos pés cansados. Uma luz surge coberta de brumas. O acaso condena as histórias recorrentes e as ações prudentes fincam longa morada na noite cinzenta.

Sim. Agora é chegada a hora da festa. Dos sorrisos e das horas. E todo aquele tempo que vem antes. E todos os minutos eternos que anunciam o que vem depois. Bruma, névoa, cansaço. A teimosa sinfonia insiste em ecoar nos ouvidos e já está mais do que na hora de fugir. Correr e se deixar deslizar pelos abismos de fel e doçura, cobertos de impunidade e celebração.

Sorri tola para o vento que agora invade a aura. Deixa desvanecer as certezas. Regressa para o seu lugar. Aquele que sempre lhe pertenceu. Dança pelo ar. Flutua. Até que as sombras se recuperem. Até o amanhã. Até o próximo suspiro. Até.


terça-feira, 22 de abril de 2014

Querubim

A noite corria num misto de devaneio e sobressalto. Seus olhos encontraram um radiante sorriso juvenil. Após os nefastos passos correu em direção do vento e banhou-se em mares esverdeados. A luz, que outrora reluziu candente, perdia o brilho reconquistado. Sua luminosidade de fada alimentava-se das verdades coroadas e fincadas em sua alma.

Depois chegou o amanhecer. E, com ele, o caos. As mentiras foram reveladas. Toda a festa e júbilo se perderam em poucos instantes. Agora o silêncio segurava sua pele e mostrava seu coração sádico, vil e impuro.  Agora o silêncio se fazia som. Uma melodia metálica e turbulenta. Um ruído protegido pela couraça de uma futilidade inexistente.

As perguntas sobre qual seria a verdadeira face do silêncio rondavam e cresciam. Seria mesmo fantasia ou tudo que outrora viveu era a realidade? Os sagrados segredos profetizados, as fiéis certezas, as juras cálidas e memoráveis.

Porém, ainda existia dentro da fada, a menina que sonhava na varada. Lá, sabia tudo sobre amores verdadeiros, passageiros e aqueles de vidro. Sim, há quem cultive toques desnecessários, beijos vazios e madrugadas cinzentas. Esses permanecem na estante, empoeirados e são sempre premeditados.

Na estreita varanda viu dor, solidão, alegrias sem fim, concupiscência, desejos intensos, reais intensões ditas de uma vez só. O passado parece doce e o presente fel. As escolhas precisam ser feitas. E as dúvidas são sempre recorrentes. A deusa, agora em seu reino celestial, já não lhe leva ao Olimpo. E o silêncio se afasta e se apaga. Talvez, na verdade, seja o momento do recomeço. Ou, talvez, seja a hora de esperar.

As respostas não chegam e tudo parece confuso e turvo. Ainda existem aqueles que dizem que foi tudo verdade, mas cada vez parece mais um sonho.  E a distância desfaz laços, recobra lembranças, muda a estrada. No agora, o sol se põe. No agora, tudo é poeira cósmica. No agora todos dizem, em uníssono:
agora vá.

domingo, 20 de abril de 2014

A verdade escondida no abismo

 A chave se encontrava em suas mãos. Estava indo em direção da fenda. Sim. A luminosidade banhou o horizonte e já sabia como deveria ser o paraíso. As cores, as flores, a face e a ventania, o doce encontro revigorante. O portal se fechava novamente. Correu em sua direção. Com toda força que lhe restava. Porém, assim que colocou os pés no jardim esverdeado tudo se fez cinza, escuro, sufocante.

Rajadas de raios candentes. Cálices transbordantes. Farpas. Espinhos. Crueldade e rancor. Flechas cálidas caiam do céu. Sim, no outrora estava certa. O silêncio era o mal disfarçado com um sorriso melancólico. Sim, nunca errou por evitar a entrada no secreto abismo. Aquele lugar era condenado e assim que se entregasse seria derrotada e amaldiçoada a sua sorte.

Todo o tempo fugiu, correu e agora já sabia que deveria continuar com sua razão. Se sentiu que não deveria entrar isso era o mais correto. Somente tristeza habitava aquele desconhecido reino que um dia se fez parecer luminoso. Após a conclusão precisava achar a saída que, assim como a entrada, se estreitava de tempos em tempos. Galopou em direção da ventania, segurou-se nela e seguiu pela estrada nebulosa.

Espadas, lanças, monstros ferozes, desengano. Abismos concretos abriam-se em cada passo tortuoso. A maldade vestida de silêncio jogava em sua face a nova presa e gargalhava mostrando a cruel e inabalável verdade. Agora via o final de tudo. Encontrou mais um portal. Ainda olhou para o jardim mais vez. Lá estava ele, feliz e coberto de flores, mas era apenas ilusão certeira. As dores e tempestades ainda permaneciam no ambiente secreto. 

Assim, foi. Para o hoje, para o amanhã, para nunca mais voltar.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

Sobre o medo de dizer

Sim. Tem medo de você. E já mandaram calar qualquer verdade. Você é filha de reis dos processos desmedidos. Você é assustadora. Agora resta apenas calar as injúrias e feridas que restaram. Agora só há apenas a fuga. Depois de tantos sorrisos falsos. Depois. Estava ali estilhaçada. Assustada. Jogada no chão que um dia pisaram. E sorriram. Agora era apenas agressão. E você, protegida com sua lança celestial, contará sua própria e derradeira versão.

Sim. O medo faz escapar. Corre para a proteção daquilo que você tanto desconhece. O trabalho e o estudo. Aquilo que te feriu, pois não soube ser inteira. Aquilo que, injustamente, lutou para ser seu. E nunca existirá uma venda que possa cair e te faça ver o quanto a sua crueldade machuca. E reza para que o vento proteja. Para que seja forte. Para que nada de mal lhe aconteça e possa curar as feridas físicas que deixou.

Foge. Assim. Covarde. Na tempestade. Tremendo de susto. Segurando-se no destino. Nas marés tranquilas. Na justiça dos deuses. Na força celestial. E teme pelo seu punhal. Que dilacera. E sangra a dor das mazelas causadas por ti.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sobre os Muros Estilhaçados

 Subiu nas direção do infinito. Alcançou todas as mediadas necessárias para que nunca mais machucasse sua pele de menina. Certificou-se que todos os véus cobrissem sua face e que todos os cantos fossem mais silenciosos. Quando o abismo já parecia distante, lhe ofereceram o maior salto de todos. O fim era um precipício saboroso, com gosto de sal vindos dos mares. Porém, já não sabia mais como saltar de tão longe. O corpo já havia conquistado o equilíbrio e se mantinha em pé quase sempre.

 Rasgou a couraça. Escalou a ponte para o abismo. Entre escorregões e tropeços finalmente chegou ao seu topo. A ventania, que segurava seus braços, cessou. Olhou para o horizonte e segurou todo o impulso de pular. Como poderia fazê-lo se passou tanto tempo treinando o contrário? Depois viu a fenda, que separava o abismo da próxima ponte, ir se fechando. Rapidamente. Agora estava mais que na hora de entregar-se ao precipício.

 A vontade era sua dona, mas a mente latejava, dizendo o contrário. Não se entregou. Segurou-se com toda força nas rochas que estavam ao seu redor. Nenhum grão de areia ou pedra flamejante atingiu sua rubra face. Por fim, caiu em direção oposta ao seu objetivo. Flutuou rumo ao caminho contrário. De longe, avistou a placa com uma escrita turva. Lá, do outro lado, viu que ali, local no qual estava há pouco tempo, se encontrava um jardim florido. Lá estava a luz esverdeada que perdeu num outrora bem distante.

 A fenda se fechou. Em seguida, a dúvida restou. Será que esperava uma nova abertura ou voltava para os braços do vento, para ver outras tempestades? Talvez perdesse a candente chama de cor verde. Talvez jamais se abrisse aquele portal de novo.  Talvez.

domingo, 16 de março de 2014

Sobre uma possível lua na face

 É um pouco de cinza. É o fim da madrugada. Quando o tédio habita a sua estrada. Enquanto para uns aquilo é festa. Enquanto para uns o mundo gira no júbilo encharcado de água salgada... 

Porém, seu oceano é a ventania que transborda de sua aura. 

E a fumaça se afasta para que venham as flores sepulcrais. E o vento se tranca numa torre ainda mais alta que a de outrora. Sim. A cada passo diminui a distância entre os pés e o precipício. Agora, sem o néctar que espalha a concupiscência no ar, sem o veneno celestial, acolhedor, perturbador, sensato, violento, santificado.

O tempo gira. O ciclo se refaz. Os olhares não se encontram. A imaginação corre leve, solta, pura, cristalinamente adocicada. A inspiração amordaçada corta os véus impuros do pudor. Agora não mais acorrentado voa em direção do tão conhecido poço. 

Deseja pular. Com todas as forças prefere o abismo. Sim, os olhares não se encontram. Sim, o fel escorre nas ondas douradas de uma divindade disfarçada. Sim, não pula, pois as rochas, fincadas firmemente na terra, prendem seus pés.

Agora já não sabe se é terra ou ventania. Abismo ou calmaria. Já não sabe se há realmente uma dúvida e qual seria ela afinal. E escreve... sem fumaça...sem tanta inspiração...mas sem perder de vista o abismo que tem como ponto final a varanda em noite de lua cheia.



segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Verde

Queria mesmo que o vento a pertencesse hoje. Queria mesmo se afogar na fumaça venenosa e incessante. Queimam-se os lírios e restam-se apenas vestígios do anoitecer. Pois, quando o poder de sua alma foi entregue, correu em direção ao som mais profano. Retida em seus fios dourados, olhou para trás e resolveu seguir adiante.

Agora paga pela vontade de se encaixar em um mundo de papel, em seu próprio castelo de areia derretido. E, antes de tudo, o mundo pára outra vez e nada mais faz sentido. A ventania escapa, junto com as verdades que lhes são ditas. São apenas chuvas de impropérios e pedidos falsos, comungando com a concupiscência latente que habita sua carne tola.

Sim. Cansou de todas as mazelas provocadas por acreditar na próxima palavra falsa, coberta de escárnio, dúvida, sobressalto. Deseja fugir e emaranhar-se nas ondas dos mares petrificados. Quer de volta o vento que tanto estima. Quer tempestade rubra e sem dor, madrugadas ensandecidas, agora já adormecidas pelo poder da enfermidade.

A escrita imprime-se no tempo. Os versos são jogados para o destino e, tudo agora é apenas o hoje, com respingos do amanhã. E que se calem todas as sentenças, pois apenas na sua alma retorcida de dor pelo passado é que as reais intenções são conhecidas. O mundo mudou, as flores já brotaram e os lírios incendiados permanecem pálidos e guardados. Agora, basta abrir os olhos. Agora basta deixar que as luzes ressoem pelo o espaço. Esverdeadas, sempre esverdeadas.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Um pouco de ficção


A névoa da dúvida se emaranhava em seus pensamentos enquanto tragava mais um pouco da fumaça cinzenta e proibida. Os olhos marejavam e as incertezas penetravam a aura.

Os sinos badalavam em sua confusa mente e perdia o sentido quando fitava a própria imagem distorcida. O vento seguia seu curso. Os pássaros pareciam cantar a mesma canção. Porém, tudo se transfigurava, cobria-se de cinza, encharcava-se de memórias, erros e acertos.

A madrugada é sim a mais cruel. Nela o coração dispara e som desvanece nas lembranças do hoje, do ontem, do que poderia ser e será. Não há metáfora que possa alcançar a amargura de ser quem é ou a tortura de decidir sem reconhecer qual é o melhor passo. 

A onda de calor interno se espalhava pelo ambiente. Mais uma música e conseguiria adormecer. Ou seria devorada pelas palavras. Suas ou não. Precisava fugir, correr o mais rápido que pudesse. Ainda assim lembrava, todo segundo, da jaula que ali a prendia. Aquela coroada pelo cotidiano. Aquela de garras ferozes, criadas somente pela imaginação pulsante. 

Acorrentada pelas flechas candentes do inconsciente jurava, urrava, clamava por mais uma gota daquele suplício, do mais doce precipício, do mar revolto de neblina e fantasia. A escrita estava sim contaminada pela urgência, pelos sussurros, por mais um dia que se aproximava. O amanhã, coberto de fel, chegava frenético. As lanças já estavam apontadas para o coração descompassado. A próxima fala já estava condenada.

Gritava e nenhuma resposta chegava. Os zumbis apagavam-se da caminhada, porém o gosto amargo do veneno derramado continuava a se espalhar. Agora não mais ébria. Agora dilacerando qualquer traço de displicência. Agora vivendo o que sempre foi.

Esperando o silêncio fitava o horizonte. Balbuciando cantigas para o destino se desprendia das amarras guardadas na alma e acalentadas apenas pela ventania. Aguardava. A tão esperada resposta do vento. A tão desesperada e suposta sensação do tempo, que se cala, emudece, não mais resplandece. Parecia, naquele momento, que tais tolices dominariam sua mente, fervente, incandescente, coberta apenas de desejo e dúvida.

E o sol já estava quase nascendo. E o amanhã já se fazia presente. E agora era tão somente a madrugada e ela.