quarta-feira, 30 de março de 2022

Pesar


Sonhou com ela esta noite. Por lá, ela estava sorrindo, como sempre, daquele jeito um tanto sarcástico, como se desvendasse todas as suas intenções apenas com um olhar. A sua voz também permanecia igual: firme e imponente, porém com fios de doçura translúcida. Foi tão rápida a sua passagem por seu subconsciente que acordou em desespero e com sofreguidão. 

No entanto, algo a fez sorrir ao despertar. Soube ali que, em algum lugar da sua mente, ainda lembrava de suas feições com detalhes, de como era sua face, seu corpo, seu jeito. Em um passageiro sonho, daqueles que é impossível voltar a dormir em seguida, a viu contente e plenamente presente. Queria regressar, pelo menos para este devaneio noturno, e dizer como ela lhe faz falta. 

Gostaria também de revelar que ainda se importa e mira de longe seus passos, como quem contempla uma estrela cintilante. Mesmo que em um delírio irreal e fantasioso, lhe informaria o quão bela estava e como era prazeroso escutá-la falando sobre qualquer assunto. É, a fada ouviria a borboleta por horas infinitas e não se cansaria jamais. 

Ela, que é tão entediada e encontra exaustão em qualquer companhia, é fascinada por sua amada a tal ponto que nada na Terra, no Sol e no firmamento lhe é tão interessante quanto ela. Por isso que ela surge, assim, em seus sonhos, sem avisos ou aparições na vida real, porque lá no fundo habita em seu coração tão profundamente que faz visitas em sua mente, enquanto dorme. 

Lá, neste mundo paralelo, era um dia preenchido de sol e leveza. Procurando se esconder da borboleta, quando esta estava distraída em alguma atividade cotidiana, seus olhares se encontravam e ela a chamava para conversar. Ali, um tanto trêmula, observava sua paixão; que estava entretida, guardando objetos em um armário. Era tolo o sonho, mas tão singelo, que a aura se aqueceu um tanto. 

Talvez, seja assim agora, o desvanecer de tal enamoramento, com sonhos breves, de tempos em tempos, até que tudo se apague de uma vez. Contudo, no hoje, é provável que seja saudade esta emoção que perpassa o corpo inteiro e deixa os pensamentos turvos, enquanto as horas passam. 

Sente sua falta e segue. Segue em busca de outras possibilidades, outros desejos, porém virando para trás, de vez em quando, pois, quem sabe do amanhã? Somente as cartas. 

domingo, 27 de março de 2022

Versos antigos


Ali, em um casaco guardado no fundo do armário, morava um papel antigo e amassado. Nele, versos tolos foram rabiscados em uma sexta-feira de novembro. De qualidade questionável, a junção de palavras se fez para que pudesse expurgar um sentimento avassalador que a consumia a cada despertar. 

Prometera que esconderia aquela suposta poesia, devido a ausência qualitativa dela. No entanto, perdeu a capacidade de escrever sobre ela e ao encontrar frases tão apaixonadas - escritas em um passado tão distante, que agora parece outrem que as criou - decide jogar para o mundo a poesia ingênua e ébria.

Uma que é cheia de saudade e aflição, é bem verdade, mas que também revela um pouco da profundidade das suas emoções daquela época. Todavia, ao jogar este rabisco para o Universo, suprime o nome  - ou sobrenome? - de sua amada, para manter alguma dignidade para si. 

Ainda assim, é totalmente possível saber como ela é chamada, apenas pelo apelido que inventou. Este que decidiu usar quando criou esta poesia, talvez. Já não tem certeza. Recorda apenas que este era o título do texto. 

Este que era quase exatamente assim:


Schmetterling I


Aguardando a doce XXXXXX

me entregar um tanto de alegria,

nesta solitária noite de sexta-feira.


É chuva triste que no peito incendia

e mesmo que em seu coração não me queira

hoje, meu pensamento clareia. 


Nas palavras não ditas, 

no infinito das horas,

nas preces malditas

onde tu não moras. 


ELP - 05.11.2021

quarta-feira, 23 de março de 2022

Mais confusão e lamento



É chegada a hora novamente. Mais uma vez vem aquele momento no qual tentará compreender de onde vieram estes sentimentos tolos, que agora se transformaram em uma espécie de vazio lamacento, que deixa os dias cinzas e o coração apertado. Talvez, a pior sensação seja a do esquecimento ou da invisibilidade. É como se não tivessem existido na vida uma da outra. É como se os olhos não tivessem se encontrado, como se fosse um nada na sua jornada. Pior ainda é a confusão que criou para sua realidade. 

Tentando esquecê-la, procurou encontrar novas canções. Pensou até que havia encontrado uma possível melodia. Esta estaria perfeitamente ritmada, bem composta, tocada até o fim. No entanto, quando contempla a sua face somente vê a borboleta. Não consegue enxergar outra coisa no mundo e já está ficando completamente irritada com este fato. Que inferno de sentimento é este que mesmo os meses passando, não escutando mais sua voz, a sua visão fica turva com a mera menção de seu nome?

É exaustivo estar apaixonada por uma miragem, uma mentira, uma impossibilidade, uma ilusão. Porque é uma fábula insólita e nem pode mais confessar para amigues sobre o que está passando. Seria considerada insana se dissesse em voz alta que a sua amada continua sendo a mesma. Provavelmente, entrou em um estado de devaneio permanente e segue com estas emoções injustificáveis. Não é possível que uma fantasia tenha tomado conta de sua alma de forma tão arrebatadora.

E nem sabe o que escreve. Suas confissões estão cada vez mais confusas e mal elaboradas, assim como a sua mente e seus pensamentos. Atordoada, busca preencher os dias com todo tipo de atividade possível. Não há uma partícula de sua rotina que não tenha sido articulada para uma suposta distração. Entre os afazeres costumeiros, inseriu doses de entretenimento, de encontros, de saídas inesperadas, de aventuras. Nada disso surtiu efeito. 

Mesmo na distância, na indiferença, nos rumos distintos, ainda assim, é pela borboleta que nutre afeto profundo. Isto é algo extremamente risível, burro, insensato, é bem verdade. E, talvez, se ela soubesse de tudo isso, acharia a fada muito mais estranha do que já acha. Porque, por fim, cabe também dizer que do outro lado as perspectivas são as piores. E isso abala fortemente a alma em cada anoitecer. A sua amada a enxerga de modo torpe - ou, talvez, real?

Ela vê ali uma menina tola e esquisita, que confessou uma paixão sem sentido, numa tarde nublada de segunda-feira de dezembro. A maneira como seus olhos percorriam sua face era certeira. Não havia nada ali a não ser pena e um certo pânico. Depois, silêncio coberto de silêncio, silêncio contínuo que irá perdurar até o fim dos tempos. Todavia, tem convicção de que ela está certa. As suas ações possuem lógica, sentido, precisão.

O que ela faria a não ser se afastar da garota desprezível, que ela quer apenas distância? Para a outra, a sua presença é maçante e perturbadora, ao certo. Assim, é a única saída que pode selecionar, a fuga para a montanha mais alta, quilômetros de terra as separando e nenhuma palavra proferida entre as duas. Por isso, a desgraça da fada está completa. A sua vida está repleta de oportunidades novas, caminhos reluzentes e ela insiste em arrastar corrente e delirar por uma paixão desmedida desvanecida. 

Há quem deseje intensamente estar ao seu lado, mas sente pânico e foge loucamente. Corre incessantemente. Algumas vezes, corre literalmente. Derruba, assim, tudo o que vê pela frente, sente o vento passando pela face e até derrama lágrimas, de quando em quando. O que é então este sentimento? Uma confusão? Um atordoamento? Um engano? Uma fuga da realidade? Há de haver uma resposta concreta, que não aquela tão temida.

Não pode estar realmente enamorada por uma narrativa ficcional. Não pode estar com corpo e mente abalados por uma mulher quase desconhecida, que negou seus pedidos e não foi no presente. Já faz uma eternidade que não se encontram, que contou tudo e escutou como estava enganada e jamais a teria. Em cada madrugada, ganhou a certeza que no nascer do sol posterior, esqueceria totalmente deste amor descabido. No entanto, quer terminar esta confissão com toda honestidade que lhe habita.

Quer dizer que o cerne da questão pode estar aí, nesta palavra diluída em um parágrafo desconexo. Quando viu o seu rosto pela primeira vez nunca foi tão feliz e infeliz ao mesmo tempo. Soterrou esta primeira impressão e até a detestou por um tempo. Um mês exato, na verdade. Sim, a irritação faz parte deste enredo clichê. Um dos elementos mais importantes desta ficção mal concebida é que ela mexe com todas as suas emoções. A irritabilidade está ali também.

Em uma mescla de sensações e se segurando como conseguia para não deixar acontecer o pior possível, acabou se apaixonando. Acabou se deixando levar. Acabou destruindo qualquer chance de aproximação. Acabou com os seus momentos de alegria. Acabou com tudo. E está cansada de ser vendaval, de querer dar continuidade ao que não deve, ao que não pode. Está exausta de não conseguir arrancar esta história estilhaçada de dentro dela. 

Mas, quem sabe do futuro, não é mesmo? Talvez, no próximo alvorecer a esqueça de vez e conquiste a tão sonhada liberdade! 

quinta-feira, 17 de março de 2022

Desvanecendo...



Tornou-se uma lembrança, uma vaga lembrança, um borrão. Na penumbra lamacenta, contabiliza mentalmente os dias que não mais se viram. O amanhecer e a ausência revelam as verdades, bem como a fuga irresponsável. O sol reluzente é também um convite para fortificar a verdade de seus dias. Tudo permanece caminhando, menos o seu retorno, pois este não tem previsão ou necessidade. A precisão com a qual seu rosto desvanece na memória é tão cruel quanto o seu descaso.

Não que um dia tivesse feito promessa alguma. Pelo contrário, negou qualquer emoção, seguiu seus passos e nem ao menos olhou para trás. Todavia, sua pergunta singela, ao lado de uma expressão facial empática, continua ressoando em seu peito. "Vai ficar aí?", questionava com olhar de pena. Enquanto isso, atordoada e sem respostas, a fada consumia toda a fumaça do mundo, em minutos longos, que custavam a passar. Depois, foi tudo poeira e um pesar que não se dissolvia. 

Como era mesmo o timbre da sua voz? Como era escutar o seu nome saindo de sua boca? Ela virou apenas miragem e uma espécie de musa fantasiosa. Transformou-se em inspiração para seus versos, para sua escrita. E talvez seja o lugar mais injusto para se ocupar. Como traduzir em palavras a perfeição de seus gestos, de sua respiração ou convicções? Não há como transmitir qualquer sensação semelhante ao que viveu, quando os pássaros ficaram mudos e não a conhece com a profundidade necessária.

De todo modo, busca guardar seus pensamentos em segredo, ainda que escreva quase cotidianamente em seu diário de confissões. Há uma esperança de que tudo fique guardado para a posteridade, quando não haverá mais suspiro algum para ser expelido por seu corpo e quando poderá, finalmente, vislumbrar o passado com humor e sem sofreguidão. Contudo, o agora carrega consigo certa paz. Não tem mais como chacoalhar seu universo. 

Está protegida em sua torre colorida e fez um muro, cheio de espinhos, vindo das rosas sepultadas. Não era isso que desejava? Apagar a borboleta do coração e seguir em direção do horizonte de suas vontades. Vontades outras que não estivessem ligadas ao desejo lancinante de tê-la em alguma medida. Porque foi isso, não foi? Uma concupiscência incessante, que deixava os olhos turvos, deletava o apetite, consumia sua pele. 

É sim risível no agora, todas estas emoções injustificáveis. O que eram elas a não ser objetivos guiados pela carne, por um prazer que seria momentâneo e retiraria a paz. Porque, de quando em quando, reflete sobre como seria a estrada caso houvesse correspondência. Nunca encontra resultados tranquilos. O problema central foi a danação inicial. Como escapar das lágrimas e da dor depois disso? Já não sabe. Não tinha como haver serenidade nesta trama insólita e despudorada. 

Como arrancar uma rainha de seu castelo cintilante e não criar uma guerra ao final desta aventura? Mas, não quer mais se perder em devaneios. Pelo menos, não nestes. Quer respirar aliviada e saber que fez todo o possível para alcançar o topo da alvorada. Fosse pelo sim ou pelo não, para conquistá-la ou esquecê-la, recorreu para todas as ações que conhecia.

Enfrentou seu maior medo, pisou na mesma terra, derramou suas frases confusas, escutou as sentenças dolorosas, regressou para sua vida, jorrou prantos intermináveis e procurou novas melodias para que pudesse sonhar outra vez. Seguiu a cartilha da sorte e reivindicou seu local no mundo, abriu os braços e gritou para o vento que havia chegado o momento de seguir, enfim. Sim, no ontem cheio de júbilo, contemplou a saída e decidiu que era hora de abrir aquela porta. 

Se ainda necessitará escrever mais sobre esta fábula perdida, não sabe, porém se sente mais forte para ingressar em uma outra narrativa. No entanto, com um único fio final de paixão que ainda lhe resta, sonha. Em delírios misteriosos, sente que ela chegou até o desfecho desta missiva torta, escrita em uma manhã de março. Se ao menos lhe teve como leitora, já fora o suficiente.

Se ao menos a fez pensar sobre o que está guardado lá no fundo da alma, já valera a pena. Se recebeu como prêmio uma musa eterna, mesmo que cheia de camadas de ilusão, tudo se cobre de um sentido maior, intenso e cheio de significados novos. Pois, assim, finaliza o texto deste hoje ensolarado, dizendo: "Schmetterling, ich liebe dich, aber ich kann nicht mehr warten". 

terça-feira, 15 de março de 2022

Devaneio seleto florescido


Será que consegue realmente disfarçar? Será que a certeza de que esqueceu sua voz e seu semblante atravessou quilômetros e atingiu o objetivo derradeiro? Gostaria de soar sã e contar para o mundo todas as suas aventuras. Mas, não é esta a realidade. Ela se arrasta para dentro do vendaval, procurando aceitar as novas supostas cantigas e não tem alegria alguma nesta tarefa.

Todavia, talvez pudesse seguir um outro rumo na escrita. De quando em quando, se esforça para encontrar sentidos outros para continuar escrevendo. Significados que não sejam uma repetição sobre sua danação. Queria voltar para o princípio ou pelo menos que não fosse atingida por tamanho desprezo. Meses continuam a passar e nada de apagá-la de seu coração. 

Desta vez, não está segurando a fábula insólita nas mãos, na esperança por seu regresso. Não. Possui a certeza de que jamais voltará a encontrá-la, que nenhuma palavra em sua direção será proferida e que, ao certo, já nem lembra do seu nome. Todavia, seus sonhos estão condenando os seus passos. Neles, ela promete que seu retorno não tarda e que o sol irá reluzir como antes. Nada mais é apropriado quando retém um sentimento tão intenso sem motivo. 

Do outro lado é sempre igual. Silêncio para ela, adoração para todos outros. Então, segue na sua tortuosa trajetória, buscando esta realidade que seus companheiros de jornada tanto apontam. “Deleta a fantasia, anda por seu rumo, não olha para trás”, repetem em uníssono. Em meio aos devaneios, segura o coração descompassado e ele está prestes a saltar, alucinado, procurando um remédio menos amargo. 

O ser que inventou que para destruir um sentimento tolo é necessário entregar ele para outra dona estava tão insano quanto a fada. Ainda assim, atende aos pedidos do costume e procura as respostas necessárias em outros cantos. Por isso, roga que esta seja a tão esperada semana, na qual a borboleta voará para longe da memória e conseguirá ser plena na presença das prováveis pretendentes ao seu posto. 

Posto esse que só lhe foi seu em título, mas nunca em verdade. Todavia, pragueja aqueles que também cunharam as regras para as lógicas apropriadas para os enamorados. É realmente preciso que existam razões palpáveis para justificar suas emoções? Não sabe. Deitada, no silêncio, no entanto, compreende que a permanência desta paixão não faz sentido algum. Nunca fez. Mas, sente uma profunda exaustão e somente deseja não mais se importar. Assim como ela nunca se importou. Exatamente deste jeito. 

Quer trajar estas vestes frias, cheias de descaso e incoerência. Quer continuar prosseguindo ainda que seja impossível. Quer saber negar o caos, ao invés de se jogar nele, apenas porque a vontade é dominante. Quer muito, muita coisa, porém de si e não dela. Já não há para onde levar esta fanfic confusa e inconsequente. Contudo, deixa mais uma de suas confissões engasgadas: sabe muitos detalhes sobre ela e os guarda no fundo da lembrança, por alguma razão. 

E roga para que não pense que cometeria tamanho equívoco ao correr um risco tão desmedido e profundo, naquela tarde de janeiro - ou fora fevereiro? Algumas escolhas são realmente tolas, mas outras fogem do controle e não existe o que fazer, a não ser gargalhar do erro. Assim, se despediu do acerto e buscou disfarçar as suas ações. Depois, voltou para o mesmo desejo. 

Aquele que fala sobre como, se fosse possível, reconstruiria toda a narrativa para que conseguisse ganhar espaço ao seu lado. Talvez, de uma forma menos direta ou ganhando pistas dela pela estrada? Já nem sabe mais o que escreve, pois a madrugada é quase palpável, está logo ali, e o sono arrebatou a sua mente cansada. Mas, reconhece que se alongou demais e confessou demais também. 

Por isso, se despede, por hora, desta trama sem jeito. Esta mesma! Esta que se metera em uma noite de início de setembro, na solidão de sua torre colorida, após um olhar mal interpretado. Fugirá, então, até que venha em sua direção ou que finalmente a esqueça. 

terça-feira, 8 de março de 2022

Wie ein Schmetterling II


E se conseguisse rascunhar um texto que não fosse preenchido de lamentos? E se pudesse recobrar os sentidos e juntasse frases repletas de um significado no agora desvanecido? Caso fosse possível, falaria sobre seus olhos profundos, que pouco se movimentam, que são daqueles que observam atentamente. Por isso, ela parece sempre ver além, ver mais do que todo mundo. 

Poderia também contar sobre os detalhes de seu rosto, como aquela covinha que surge em um sorriso mais largo ou como possui dois tipos de sorriso, sendo que prefere aquele de lado, mais sarcástico. Talvez, também pudesse recordar sobre seu abraço. Quase foi atropelada pela sensação de ter seus braços a envolvendo. 

Com o coração acelerado, sentia o chão se abrir e o mundo girar, pois jamais encontrara nenhum abraço igual. Pois a borboleta é dona de uma qualidade singular que é a afetuosidade despretensiosa. Há nela um aspecto de sensibilidade única, que deixa os que a cercam encantados. Existir na mesma realidade que ela é uma experiência arrebatadora, que pode deixar flutuando os corações daqueles que por ela estão enamorados.

Ainda conseguiria listar inúmeros motivos para estar tão maravilhada pela dona de seu coração. Um deles sempre repete e é sobre sua voz. Isto porque são tantas tonalidades apaixonantes, que quase perdia os sentidos ao escutá-la. Quando a borboleta fala é como se todos os céus se iluminassem, todas as relvas fossem mais verdes, todas as canções se tornassem mais sonoras. 

Dona de sentenças intensas e conhecimentos incontáveis, a sua sagacidade é rara nos tempos de hoje. A velocidade de seus pensamentos, as suas respostas audaciosas e certeiras, os múltiplos caminhos discursivos… Ela sabe como conduzir cada diálogo, monólogo ou silêncio. É o que ela diz e como diz que arremata a atenção, até daqueles mais resistentes. 

Neste mar de elementos inebriantes, ela habita. Todavia, toda esta confissão não passa de um devaneio demasiadamente tolo. Sabe disso. Contudo, sentia que precisava, ao menos uma única vez, sair do precipício do desmazelo e evocar novamente em sua memória algumas das características tão impactantes de sua amada. Somente para depois acordar e reconhecer que nem “sua” ela é e nem nunca será. 

Mas, não terminará seu devaneio tristemente. Não. Encerrará a sua junção de palavras confusas dizendo o quão foi feliz de ter contemplado sua face, escutado sua voz, de ter sentido o seu abraço, de ter cometido atos apaixonados por ela e, mais ainda, da felicidade que foi ser preenchida pelas emoções mais bonitas de todas, porque foi por ela que os sinos tocaram e os pássaros entoaram suas melodias. Pois em sua presença o mundo inteiro parece mais alegre somente pelo fato dela existir. 

segunda-feira, 7 de março de 2022

Missiva confusa para início de março


Corre o mais rápido possível. Enterra a sua imagem no fundo da lembrança. Em seguida, age como se a presença dela nunca houvesse existido em sua vida. No entanto, disfarçar não é a sua maior qualidade e se esconder muito menos. Dentro dos seus sonhos, tropeça aos seus pés, contempla seus olhos e chora eternamente. E neste fiar insistente, tenta abandonar o seu posto. 

As suas escolhas são completamente contraditórias. De um lado, encontra novas possibilidades, vive intensamente, deixa os dias passarem. Do outro, o subconsciente trabalha certeiro para que não consiga esquecê-la e seu coração acelera até com alguma lembrança turva e bem guardada. Se não há como seguir com esta trajetória, por que sua mente a tortura tanto?

Ao mesmo tempo, há uma questão que a abala recorrentemente: caso siga, a outra pensará que não foi importante? Todavia, este medo é tolo, pois a borboleta, em sua terra iluminada e cheia de companhias, nem ao menos deve lembrar seu nome. E é por isso que esta rede de encaminhamentos é tão embaraçada. Existem as suas ações e os seus sentimentos. Existe o que ela pensa e sente, mas não tem como ser descoberto. 

Por isso, as angustias dilaceram o peito e o sufocamento vira costume. Queria respostas e apenas ganha mais perguntas. Mas, também deseja dizer o quanto esperou e como cessaria toda a fuga do presente momento se dissesse qualquer palavra de encorajamento. Não precisa de muito para permanecer. Sempre fora assim, sabia? Quando a fada é arrebatada, a sua devoção e lealdade são infinitas e lá fica esperando, em seu balanço imaginário.

Olhando para a lua, ela roga bem baixinho para que não necessite deixá-la no passado, que o universo crie alguma coincidência, que se encontrem novamente, que os caminhos se cruzem, que o horizonte seja resgatado. É infernal desejar algo e ter que ir para a direção oposta. A sua paciência consigo mesma e com o destino já estão por um triz. Sempre tem que selecionar a opção mais prudente e seguir para uma estação distinta.

A sua fúria é quase infantil, é daquelas que são apagadas quando a vontade é saciada. Contudo, toda a realidade cheia de júbilos e sorrisos está logo ali em frente, literalmente. Basta atravessar a rua e encontrará uma provável melodia. Mas, do que adianta? Não importa quantos prováveis amores morem em sua rua, quantos dias vão passar ou que jamais irão se ver outra vez. O relevante aqui é a sua incapacidade de seguir em frente. 

Por que? Por que toca na mesma tecla em cada alvorada? Nem seus textos estão mais belos. A inspiração secou, ela foi embora da sua trajetória e já faz tempo, ela duvida de seus sentimentos, ela não corresponde suas emoções, ela não se importa com sua existência, ela não a enxerga, ela não a deseja, ela não recorda mais do seu nome, ela nunca carregou qualquer palpitação consigo quando mirava a sua face. Não existe sonata. Não existe caminho. Não existe revoada e ventania ou um sol para encaixar dentro desta sinfonia. É apenas ilusão transformada em pó. 

É lamentável que prossiga com suas confissões e se julga em cada palavra escrita. Julga também a vida, que as colocou no mesmo espaço e que interferiu no seu olhar para o que mais amava dentro de seu labor. Agora, olha para tela e relembra de sua voz, convocando algum assunto específico, enquanto sente um suspiro que chega inesperado. 

Difícil. Difícil continuar escrevendo, a esquecendo e a amando a cada despertar. E conta todas estas tolices porque talvez ela tenha chegado até o final desta leitura com a dúvida sobre a persistência de sua paixão e espera ter respondido nesta carta confusa. Nesta junção de frases tortas e mal elaboradas. 

Depois, volta para as recordações, lembra do começo de tudo. Era somente para ser uma paixão platônica, uma fanfic, lembra?  Pois virou um melodrama solitário e melancólico, um fim de tarde de domingo, uma missiva demasiadamente emocionada, um ciclo insistente, que parece infindável. E este ano tardando em começar…

quinta-feira, 3 de março de 2022

Sentimento empoeirado



Retorna ao seu diário de confissões, obstinada em compreender de onde saíram tantas emoções injustificáveis. Se fora ilusão desde o princípio, ao menos no outrora havia o encontro quase cotidiano. No agora, tudo é resquício de emoção e semeia emoções por uma miragem. 

Ao ler sobre ela, encontra pedidos para que vá embora e vire a página de uma vez. O conselho sempre fala sobre prudência, sobre viver intensamente e ter a certeza de que não há possibilidade de movimentação do outro lado. Assim, como não perdera a sanidade completamente, escuta o que o destino deseja para si e tenta se desgarrar da fábula insólita.

Todavia, sua voz ecoa na memória. Nos sonhos, ela chega triunfante e certeira. Todas as noites, intensamente. As madrugadas acabam sendo sempre iguais, pois desperta com o coração descompassado e praguejando o seu subconsciente. No aqui e agora, restam apenas as promessas das supostas novas melodias e se arrasta pelos dias, procurando aceitar os convites alheios.

No entanto, não era nada disso que gostaria de proclamar ao vento. Queria falar sobre seus devaneios com a borboleta, sobre as ilusões vindas do horizonte inalcançável, de todos os caminhos floridos que esperariam por elas, na alvorada da sorte. Queria discorrer sobre o desânimo diante de sua ausência e como qualquer nova recordação já alegraria um tanto o coração. 

Contudo, como falar de romance, como falar até de amor - se isso é possível, diante da presente situação -, quando todos os mares secaram, quando nem uma palavra foi escutada por meses, quando cada minuto é melancólico e de pouca energia? Mas, não quer que seja assim. Não quer condicionar o seu júbilo a existência da outra. 

Pelo contrário, quer conseguir aceitar de bom grado os novos olhares de interesse, as conversas frugais, os pedidos preenchidos de concupiscência. Ela quer voltar para o mundo real, no qual as canções tocam em último volume e pode pertencer a todas elas, em uníssono, gargalhando da sorte de ser tão bem recebida. 

Pois é justamente nisso que precisa pensar: quando foi que preferiu alucinar por uma composição inacabada ao invés de se entregar ao que há de palpável pelo mundo? É impossível compreender os motivos concretos para este apego tolo e quase juvenil. 

Ainda assim, quer rasgar a racionalidade e gritar para o mundo que pouco importa a razão, pois olhou para ela e sentiu fisicamente que tudo havia se transformado ao seu redor. Em cada tontura, falha da respiração e coração acelerado, compreendeu o que sempre foi dito sobre paixão. 

E o que fazer com todo este sentimento que não tem para onde escoar? É preciso deixar que ele jorre no poço mais fundo, até o fim, até a gota derradeira. Depois, colocar uma tonelada de terra por cima e nunca mais olhar para trás…