quinta-feira, 9 de março de 2023

O sabor



Já era madrugada, quando os sinos tocaram e a lua resplandeceu diante do seu sorriso. Dentro de um encontro tão surpreendente, preenchido de sinfonias melódicas, ela confirmou que o seu desejo não era por acaso. Como em um sonho profético, vislumbrava seu olhar e o corpo respondia imediatamente. Era impossível parar de contemplar a sua face. A sua fisionomia era pura concentração e o mundo se apagava enquanto as suas peles se encontravam. 

No entanto, não quer revelar seus desejos de maneira tão óbvia. Não, a imperatriz gostaria de discorrer sobre esta canção com palavras tão complexas quanto a sua personalidade. É por isso que reflete sobre a sua existência, tomando seus pensamentos como um gole de bebida fervente, que precisa ser aproveitado com cuidado e atenção. Porque ela dona de uma doçura irremediável, mas de uma força interna, que transborda em suas feições.

Ainda há o sabor inesquecível, que a colocou em outro patamar, porque é inigualável a qualquer cálice experimentado. Então, suspirou e torceu para que aquele instante jamais terminasse. Então, mergulhou e deixou-se afogar completamente, em um gosto que ficará gravado em sua lembrança. Por esta razão que se sente saindo de um sonho, com a mente que divaga entre uma memória e outra, com um coração que pulsa na mesma dinâmica daquele encontro. 

E nada foi premeditado. Por acaso, quando já pensava que não poderia trafegar pelos campos das emoções cristalinas, recíprocas e sinceras, achou nela sensações profundas, que mesclam tranquilidade, lascívia, concupiscência, cumplicidade e amizade. Todavia, deixa nítido que não está aumentando a relevância desta paixão, que pode ser muito bem fugaz e passageira, como disseram as cartas mágicas. 

Mas, a imperatriz não se importa mais. Ela não quer saber do amanhã. Ela quer segurar um pouco mais a recordação do sabor incomparável da princesa das cores, dela que é dona de camadas intensas de complexidades, que vão sendo reveladas, lentamente, como em um filme do Zulawski. É, ela também é uma canção. Por isso, no hoje, resta apenas esperar pelo próximo anoitecer, pelo próximo encontro. Por que não, não é mesmo?

segunda-feira, 6 de março de 2023

Sabendo conduzir



Ela é um tanto feita de sal, de brumas e brisas cinzas, da cidade de pedra e asfalto na qual habita. Ela é feita de uma doçura inesgotável, mas de um olhar sedento, que clama pela escuta de suas vontades. Ela é como uma tarde iluminada e preenchida de clássicos hollywoodianos, mas também é anoitecer feroz, em busca de aventuras sem fim.

Em um encontro despretensioso, avistou uma possibilidade longínqua, mas silenciou o desejo. Queria se proteger de qualquer dano, após tantas quedas irreparáveis. Todavia, a imperatriz não quer mais falar das derrotas, das lamúrias, dos descasos, dos desencontros. Ela quer fazer uma ode celestial, coberta de sinfonias e encantos para a princesa das cores. 

No entanto, sua maior vontade era que pudesse descrevê-la sem melosidades ou frases tolas. Mas, já sabe que irá falhar nesta missão, visto que já se derrete completamente a qualquer sinal de recordação de seu sorriso. Também existe o fato de que esta canção foi uma que sempre desejou escutar e que ressoasse por todo canto. Então, naquela madrugada surpreendente conquistou uma de suas maiores vontades.

Então, depois de tudo, o que dizer senão uma junção de palavras amontoadas e confusas? É impossível relatar tamanho júbilo e contentamento em seu diário de confissões. Mas, ela não pode se entregar por completo, porque esta história tem pontos, que não são de continuação. Eles podem se transformar em reticências, porém apenas de quando em quando. Talvez, por isso mesmo que seja tão libertador esse encontro.

Ele é o que é e nada mais. É um sopro do destino, um vendaval que cessa para que a onda venha, uma badalada de sino, para que se recorde como era sorrir, em meio aos rios de concupiscência, que banhavam a face, juntamente com o cálice transbordante, com o melhor gosto já provado. É para ser desta maneira, uma melodia inefável, com gotas de horizonte.

Este pode ser um vislumbre do tanto que ainda há para ser vivido nesta vida que quase abandonou. Mas, o que resta dela então? A memória. Resta a memória de um sorriso, de um olhar cúmplice, de tons aveludados de uma voz suave, mas firme, de toda a entrega veloz, que é em si uma novidade para a imperatriz. Ela estava ali, não foi? 

Toda a jornada reluziu juntamente com o desejo que pulsava na pele. O depois já não importava quando o amanhecer foi alegre e compartilhado. E agora? Agora o ritmo de seu coração é outro. Agora, a plenitude domina os dias, as sílabas, as esquinas soteropolitanas, os oceanos translúcidos de suas terras, o sangue que ferve a cada lembrança intensa de sua vivacidade, imponência e presença que seduz. Já era para ser e foi. Então, que continue neste caminho, sabendo conduzir…