quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

A fada enclausurada na lembrança



Gritou para o mundo sobre a paixão incendiada. No entanto, guardou todos os impropérios que poderia sussurrar em seu ouvido ou todas as juras de amor que vibravam em seu coração. Sem energia alguma, só queria pedir para que ficasse, que olhasse em seus olhos e dissesse que era de verdade. 

Em seus abraços sentiu que o mundo inteiro poderia desaparecer, que a música era infinita e todos os pássaros ressoariam suas emoções em forma de canto. Conseguia saber, de outra forma, o que era sentir com plenitude novamente. Porque todos os céus brilhavam dentro de si, porque rimar fazia sentido outra vez. 

Depois, vieram todos os escárnios, toda a repúdia em formato de discurso, todos os olhares menores. Depois, não sabia como prosseguir neste Universo tão cruel, no qual a sua presença não é infinita. Nesta realidade que ela não faz parte, tudo é amargo, o sol desaparece, a luz se apaga.

Em seguida, finge. Disfarça para que possa seguir. Desfaz seu nome da memória, queima a recordação do seu sorriso, deleta o som da sua voz em sua lembrança. E não consegue compreender a dimensão desta emoção injustificada. Para além de suas qualidades, não há história de verdade. É uma narrativa ficcional, que somente as cartas corroboram. 

Por qual razão se prende neste fábula ilusória em decomposição? Talvez esteja certa. Talvez, vá demorar sim. Em cada amanhecer jura que não irá pensar em sua face resplandecente e retorna para o estágio inicial. Ao dormir, sonha com sua presença iluminada. Em cada passo ou acontecimento, quer dividir o sabor de viver plenamente. 

Todavia, não pode. A jornada, esta que fora partilhada, se encerrou. Agora, é necessário abandonar os devaneios de outrora. Todes ao seu redor gritam, em uníssono, que chegou a hora de pular em outros abismos, de prosseguir. Todos os muros foram escalados, todas as sentenças foram proferidas.

Então, por que não consegue se desvencilhar desta ficção mal construída? Por que olha para as cartas e sabe que é sobre ela? Por que pergunta? Por que ainda espera? Não há aguardo mais cruel do que o da fantasia tripudiada. Não existe calma que consiga dar conta dos desejos de uma tola apaixonada. 

No entanto, se é o desespero que a consome, é nele que irá se banhar. O prazo de tal sensação é imprevisível. Mas, a demora é verdadeira. E, olha só, ela está certa de novo! Porque é de certezas que a outra faz sua estrada e não de promessas. 

Por isso, segue. Ou tenta. Caminhar é a única resposta ou salvação. Vai esperar que o próximo ano chegue e, com ele, todas as soluções podem brotar dentro do espaço infinito das horas. Até lá, deixa que a revoada de borboletas domine a aura. Até lá, se banha de esperança. Ainda há tanto por vir…

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Grão derramado


 Com todas as verdades anunciadas, viu o céu desabar em suas mãos. No confinamento de sua torre improvisada, deixou que o pranto escorresse cristalino. Com o coração apertado e ainda mais estilhaçado, respirou fundo e seguiu seus passos em direção do novo. Agora, com os olhos verdadeiramente abertos, renuncia o desejo e sela um beijo com o caos. Se todos os pedidos foram entregues, não há rumo algum que possa tomar sozinha.

Dentro do medo, há sempre um mistério para ser desvendado. Inserida na fuga, não poderá jamais habitar o seu jardim florescido. Vestida de coragem, esta que corre em suas veias, gostaria de emprestar um pouco de si para a outra. Suspirando em demasia, roga por respostas um tanto imediatas. É porque a exaustão tomou conta de sua aura e todas as suas energias foram sugadas nesta batalha com o invisível.

Fitando a sua imagem verdadeira, reconheceu nela o que mora também em sua alma. Vendo o espaço entre elas aumentar, gradativamente, sentiu o chão se abrir e a razão se esvair descompassadamente. Cada passo para um futuro separado era como uma martelada certeira. Perdida e sozinha, procurou afago nos goles intensos, em cálices profundos, de venenos legalizados. Sorveu em desespero o líquido adocicado, enquanto barrava o choro insistente.

Depois, decidiu abandonar a canção e escutar tão somente o silêncio. Em sua cela colorida, deixou que o vendaval passasse e cortou as palavras lancinantes que queriam sair de sua boca. Preferiu guardar, com muito cuidado e com cadeados múltiplos, toda a emoção presente dentro dela. Após seus olhos conferirem tanto desprezo, como regressar para o ponto inicial? Como confiar na certeza de suas intenções? Como ser inteira ao formular frases?

No entanto, há de haver uma jornada outra, esperando para ser iniciada. Há de existir um recomeço reconfigurado, escondido em algum lugar do destino. Todavia, deixa que o mundo gire e complete as suas voltas eternas. Deixa que o Tempo lhe conte qual será o papel dela em sua caminhada. Ou, até, se haverá algum espaço possível. Assim, não mais teme um novo encontro. Assim, não cria ressentimentos, amarguras ou dissolve a lealdade. Pelo contrário, é leal sem precisar de nada em troca.

Ainda assim, espera a sua decisão, pois a chave está lá, nas suas terras, nas suas mãos. Ela que é dona de todas as sentenças ideais, do horizonte radiante, dos sorrisos doces, dos olhares verdadeiros, ela retém em suas mãos este objeto glorificado. Sim, somente ela pode resetar ou prosseguir com qualquer história. Entre flâmulas e ar, trará consigo o que for de sua vontade, pois do outro lado não existem pedidos, cobranças ou desejos insensatos. Então, se quiser (e puder), venha.  

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Alívio




Pisou em terra firme e soube que todos os sonhos eram possíveis. Diante de todos os desafios propostos, em um ano tão surrealmente atípico, venceu cada batalha travada com o destino. Entre aventuras singelas, trabalhos hercúleos, encontros e desencontros, foi fiel aos seus desejos. 

O horizonte parecia nublado no passado, mas é no aqui e agora que se fazem as certezas. Todos os elementos se encaixam quando é necessário. Todos os pedidos rogados aos céus são atendidos, mas de sua própria maneira. Não importa o que as cartas dizem, o que o vento propaga, porque foi ela que escalou a alvorada de pó e gritou para o mundo que estava ali. 

As subidas e descidas foram incontáveis. Entre os desamores costumeiros e os novos, sorriu aliviada, pois realizou tudo que sua vontade mandou. Assim foi também com os labores. Estes que preencheram seu coração de esperança para o que está por vir.

Talvez, a sua escrita esteja banhada de uma esperança boba e de fantasias descompensadas. Contudo, não se importa mais. Em cada silêncio, uma nova canção surge. Em cada janela fechada, um outro projeto. Por que então derramar lágrimas e viver de lamúrias? 

Não. Dessa vez, vai se prender aos bons abraços, nas gargalhadas da madrugada e, até, no beijo inesperado em seu fiel escudeiro. É para isso que ela existe: para as surpresas, para as intensidades, para a dedicação profunda. Nunca pela metade.

Inteira, segue. O que virá ainda é mistério, mas não precisa mais de ansiedade alguma, porque ela jamais sabe o que estará na próxima esquina. Então, por que tentar adivinhar? Que venha. Ou não. Respira e contempla o céu mais azul de todos! 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Luar



Nos sonhos urgentes, vislumbra cenas intensas. Na memória pulsante, tenta resgatar cada sorriso imediato. No amanhecer, apaga seu nome do coração e segue por novos rumos. Todavia, ao adormecer, ela chega e vem em sua mente, ocupando todo o espaço. Como controlar o subconsciente que revela tantas verdades? 

Nas bifurcações trazidas pelo destino, é necessário respirar fundo e ter certeza de que não irá adentrar na trilha mais perigosa. No entanto, falha em acertar todos os caminhos corretos. Entre neblinas, sombras e florestas incendiadas, busca fugir ou gerenciar os medos e desejos. 

Contudo, é incapaz de guardar seus sentimentos. Eles explodem e fazem uma revoada, que espalha para todos os cantos as emoções afloradas. Não quer dizer tanto ou se pronunciar tanto. Quer estar presente, mas desaparecer por alguns segundos. 

Ainda assim, sabe que se lutou tanto, por tantos meses, e que cada segundo valeu se, ao fim, pode pisar no mesmo chão, avistar o mesmo céu e fitar os seus olhos profundamente encantadores. Aqueles olhos castanhos tão intensos e cheios de verdade. 

Há também o seu sorriso, que faz a aura brilhar e sinfonias inteiras soarem somente por ele. Existe algo extremamente encantador em pessoas de sorrisos sinceros e olhares flamejantes. Mas, não são apenas estes elementos que trouxeram o enamoramento. 

São muitos. Incontáveis. Infinitos. Mas, os guarda agora somente para si. Quando os solos forem distintos, retornará para a sanidade e fingirá que esta paixão nunca existiu. Irá enterrar no fundo do peito todos os desejos candentes desperdiçados. 

E não é triste o final desta canção. É, tão somente, verdadeiro e sensato, assim como ela. 

sábado, 18 de dezembro de 2021

Despertar da fantasia




Os céus desabaram e rimaram com seu coração. Num descompasso lancinante, queria fugir para sua torre secreta, mas não era possível. Em outras terras, precisou encarar e escutar a certeza do não, sem que ao menos houvesse um sim. 

Do outro lado, uma beleza radiante e um sorriso desconcertado. Ela, que é dona de toda chama que habita o mundo, olhou nos seus olhos e eles eram somente negação. Depois, uma lista de impossibilidades, um vendaval em forma de discurso. 

O chão se abriu e caiu em múltiplas dimensões, que se chocavam. Há aquela que criou e fantasiou tolamente, por meses. Existe também a real, dura e profundamente certeira. Foi então que a tontura se instalou e partiu em direção de algum aconchego menos traumatizante. 

Agora, pelo menos sabe que tentou, que lutou até o fim, mesmo que tenha sido pela fantasia e não pela realidade. Agora, respira fundo, abre os olhos e procura novos rumos, outras estradas. Sorri enquanto escreve, porque as memórias ficaram e o sol há de vir. 

Com canções ou não, pisará firme e seguirá na trajetória tão sonhada. É isso que sabe fazer de melhor, não? Jornadas infinitas de trabalho, afazeres, que deixam o tempo escorrer das suas mãos e tudo é mais feliz quando está imersa neste seu mundo particular de labor. 

Todavia, será árduo esquecer do som da sua voz, da sua boca, das suas mãos, do seu jeito e, agora, do seu cheiro. Recordará, em um futuro não tão distante, de tudo que poderia ter sido e não foi. Mas, é na paciência exercida que se curam as paixões desmedidas anunciadas em cartas de tarô. 

Sempre.


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Quando a fada resgatou o outrora



Ela veio de uma coleção de pó de estrelas encantado, daqueles efervescentes, que brilham infinitamente. A sua intensidade leviana é avassaladora. Nela, ela carrega todas que passam por seu caminho e chacoalha seus mundos, em busca de um prazer momentâneo, porém que marca para a eternidade. Nunca pela metade, ela sorve cada sabor de conquista e ressignifica as derrotas. Sim, ela é ventania que se alastra e derrama os cálices resplandecentes, com um sorriso.

Depois, guarda consigo cada recordação das migalhas que restaram, após o vendaval. Entre flâmulas e oceanos, roga ao destino que seu coração se aquiete. Prestes a cometer mais um de seus atos impensados, recalcula a rota, procurando não repetir padrões de um outrora incendiado. Aquela que iluminou seus dias cinzas e deitou em cima da cama de rosas, já não consegue mais subir no balanço e performar ingenuidade. "As estações agora mudaram". 

Todavia, os anos se passaram e as dores permaneceram as mesmas, assim como os padrões. Se não pode colher as flores e observar os anjos escorrendo pelas paredes, por que repetir os passos iguais, em direção da mesma sina? Quantas sonatas terão de tocar até que possa ver nitidamente as mazelas de suas decisões? Qual é a verdade de seus sentimentos e por qual razão insiste em falar do mesmo assunto? Não existe mais jardim, tampouco varanda. Não há mais fumaça mentolada que caiba em seu peito.

No entanto, talvez, no agora de exaustão, o que deseje seja encontrar caminhos, voltando lá na vida pregressa, quando os pássaros mortos cantavam e anunciavam um novo amanhecer. Pois, a solidão insuportável lhe trazia rumos desmedidos, conflituosos, desgastantes, porém decisões eram feitas. Seguia, pela emoção, pela mera sensação de entretenimento, pela premissa intensa, pela determinação tola. Neste rumo, pagava altos custos por sua obstinação.

E nunca cessou. A cada música que aquecia a aura, partia bravamente em busca de um horizonte fiel. Sem louvor, continuava a procurar. Mas, em um dado momento, construiu seu próprio muro, abandou os donos do escárnio e deitou em sua cela particular. Sem rodas gigantes, sem amores pintados nos muros, sem acreditar numa possível reviravolta. 

De repente, chegou. Chegaram. Vieram para, logo em seguida, partirem. Velozes, cheias de sentenças prontas e turbulências. Com elas, todas elas, era como se estivesse sempre em um avião, rezando para chegar em terra firme. Ainda assim, fechou os olhos para a verdade e se deixou levar outra vez. "Mais uma. Somente esta canção e paro de vez", pensou. E é por isso que embarca, novamente. Porque  existe somente algo inabalável em sua jornada: a fidelidade ao ser quem é. De verdade. Para todo sempre. E quem sabe o que este vendaval irá afetar desta vez? Sigamos.