quarta-feira, 14 de maio de 2014

Outono

 Um momento. Um movimento. Tudo se desfez na sua frente. Após construir o muro. Tijolo por tijolo. 

Num sequência frenética de espasmos lancinantes viu o mundo que conquistara desabar sobre os seus pés. Foi árdua a batalha até chegar completamente naquele horizonte perdido. 

As vontades mesclavam com a confusão dos sentidos negados. Era para ser uma brisa de lembranças refrescante, mas foi escárnio quando ainda era flor ou lua branca e cristalina.

 Os olhos marejavam. As ondas de vento purificavam as sensações. Um dia qualquer. Uma esquina qualquer. Repetições de sentenças e julgamentos. E, outra vez, perde. Por não saber conduzir os passos na direção da ventania. Por não lutar. Por não saber o que esconde aquele coração que agora verte apenas melancolia, dor e segredos. 

 Há ali um mistério que nem a mais poderosa das fadas poderia desvendar. Há também uma rajada de decisões certeiras, guardadas e enfileiradas na sua prateleira particular. Pois seu sorriso se míngua quando a lua cresce e a estrada se reparte. São nas bifurcações que o perigo mora. São nos próximos abismos criados. É na melodia silenciosa. É no olhar petrificado, causado pelo susto de um encontro imaginado. Eram devaneios. Era dança. Era cor. 

 A leveza estava nos gestos, no fim de um dia cintilante e solitário. No futuro incerto, porém promissor. No cotidiano cálido, nas gargalhadas que ecoavam direto para o paraíso. Cálice. Dúvida. Festa. Mais um pouco de silêncio. Mais um pouco de certeza transformada em sorriso.


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Uma

Em época de Ano Novo os corações ficam frágeis, emudecidos, para que possam, então, explodir de júbilo e sensações. O rosto enrubesce com o nascer do sol, a alma vibra ao sentir a ventania percorrer o corpo, os olhos se calam e já está na hora da festa.

Os ciclos se renovam. Ou não. Quando o cálice transborda veneno, o resto se apaga e o vento cumpre novamente a sua função. A de purificar. Transformar. Renovar. O outrora adocicado, aparentemente mais suave que o presente, confirma a certeza de que o horizonte se aproxima. 

As palavras soltas correm na madrugada preenchida de som e fumaça. O propósito dos dias se alastra e os mares revoltos já não consomem os passos tortuosos de sua jornada. A escrita se alastra. O passado jorra na pele. As flores caem nos pés cansados. Uma luz surge coberta de brumas. O acaso condena as histórias recorrentes e as ações prudentes fincam longa morada na noite cinzenta.

Sim. Agora é chegada a hora da festa. Dos sorrisos e das horas. E todo aquele tempo que vem antes. E todos os minutos eternos que anunciam o que vem depois. Bruma, névoa, cansaço. A teimosa sinfonia insiste em ecoar nos ouvidos e já está mais do que na hora de fugir. Correr e se deixar deslizar pelos abismos de fel e doçura, cobertos de impunidade e celebração.

Sorri tola para o vento que agora invade a aura. Deixa desvanecer as certezas. Regressa para o seu lugar. Aquele que sempre lhe pertenceu. Dança pelo ar. Flutua. Até que as sombras se recuperem. Até o amanhã. Até o próximo suspiro. Até.