segunda-feira, 28 de setembro de 2020

N


"É véspera de caos", Natália pensava enquanto ajeitava a barra da sua saia. Seu nome não saia de seu pensamento e era justamente isso que a perturbava. Não conseguia compreender como alguém poderia acalmar e chacoalhar tanto a sua vida ao mesmo tempo. Talvez, fossem as palavras não ditas, que imprimiam derrota, mas acariciavam a face. Nunca pensou que seria tão contraditória quanto agora. Tentava rabiscar algo em seu diário, mas jogava tudo fora. Não havia palavra que conseguisse expressar o que estava passando neste momento.

Sempre que parava para reler detestava tudo. Apagava e recomeçava. Mas, neste ciclo infinito, nunca terminava texto algum. Se ao menos pudesse sentir as suas mãos nas suas novamente. A lembrança era o que machucava o peito. "Tomamos sorvete de morango, não foi?", questionava-se, enquanto bebia um gole de água. Gostaria mesmo era de estar bebendo uma cachaça forte, naquela festa em que a encontrou pela primeira vez. Se ao menos conseguisse apagar aquele dia da memória, seria mais fácil caminhar sem estar cambaleante. 

Ascende outro cigarro. "Era esse ano que iria parar?" Confusa, olhava pela janela, tentando encontrar alguma história que a distraísse. Contudo, era impossível tirar de sua mente a dúvida daquela reaproximação. Tentava repetir fortemente que não era nada, somente uma tentativa amistosa de reconciliação. Queria ser sua amiga e apenas isso. Natália precisava parar de remoer o impossível. O "se" lhe parecia coberto de chagas e reticências. Olhava para os livros em sua estante, para o celular, para o relógio, para os cadernos espalhados pela sala. O trabalho lhe esperava, porém era árduo prosseguir. Queria saber a verdade.

No entanto, que verdade, afinal? Há alguma para ser revelada? Após tantos engasgos, como ousou abrir sua porta novamente? A metafórica, é claro. Contudo, sabia que se batesse em sua porta de verdade, a abria também. Por que não conseguia ser dura e firme em seus propósitos? Era como se andasse em uma eterna corda bamba. Nunca cessaria e a qualquer instante poderia cair de uma imensa altura. Como são tortuosas as ideias que surgem quando pensa nela. Aquela que foi sua salvação, em um segundo imenso de felicidade, antes nunca vista. 

Talvez, queime todos os seus escritos antes que amanheça o dia. Mas, já estava tarde demais para tomar qualquer decisão. Talvez, fosse até ela, a fim de descortinar qualquer mistério. Natália odiava enigmas. Era direta e clara em todas as suas afirmações. O sim era sim. O não era não. Mas, começou a se questionar se, na verdade, não estava enganada e não existia possibilidade de uma resposta positiva de sua heroína de cristal. 

A clareza de seu discurso, no outrora, até machucou cada partícula de sua alma. Agora, finge seguir com firmeza. Há toda uma aura de determinação e consciência. Todavia, basta um sorriso e uma sentença clara e regressará para o mesmo ponto que um dia habitou. Somente uma. "Para quê mais, não é mesmo?"

Natália se levantou da cadeira para pegar o seu tabaco. Bolar o cigarro era uma tarefa relaxante para ela. Respirou e pegou o material necessário para tal intento. Enquanto lambia a seda, ouviu um barulho no corredor do andar do seu prédio. "Esses vizinhos barulhentos que eu fui arrumar", reclamou internamente. O som dos passos foram se aproximando e ela se sentiu um pouco preocupada com o que escutava. Estava perto demais em comparação ao que estava acostumada. Largou o cigarro na mesa e foi conferir o hall no olho mágico. Calmamente, foi caminhando em direção da porta. Passo por passo. Segurou o ar e foi em direção da descoberta. 

Silêncio do lado de fora. As luzes estavam acessas. Uma moça estava ali. Contudo, não era qualquer moça. "Não, não poderia ser". Era A MOÇA! Ela mesmo. A garota de areia, a dona de todas as chaves de seu castelo, a inquisidora letal, a que renegou seus pedidos sinceros. Sem conseguir mais pensar em metáforas para descrevê-la, deixou que o pânico tomasse conta dela. Viu tudo girando e uma náusea profunda acometeu-lhe desavisadamente. "Será que iria vomitar em cima dela? Pior, iria eu abrir a porta?" A sirene tocou e queria mais do que nunca vomitar. Nunca sentira tanta palpitação em toda sua vida. Era ali, naquela instante, a hora da verdade. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

S



É  engraçado e curioso como sempre estamos buscando alguma novidade, mas o passado está cheio delas. Susan sempre pensava sobre isso quando estava em algum Café ou quando via um filme de alguma diretora diferente. “O novo esta ali”, pensava ela, enquanto dava uma generosa golada em seu café caramelo macchiato. 

“Quando a gente vai se descobrir, não é mesmo?”, continuava ela a pensar. Sempre lhe passava pela cabeça como as respostas já existiam e as pessoas que não tinham descoberto ainda. Pouco há para ser criado. Talvez, tudo tivesse sido criado no planeta inteiro. Talvez, até desde o seu princípio. Só faltava a gente descobrir. 


Para Susan, enquanto ela bebia seu café, em um aeroporto do Rio de Janeiro, com certeza alguma menina, em algum lugar do mundo, já sabia tudo o que ela precisava saber, mas não conhecia ainda. Isso a fazia sentir um alívio imenso, porque não era um caso de “será?” E sim um caso de “quando”. 






“Vai chegar! Ela vai chegar! Na verdade, todas elas vão. As respostas que agora rasgam o peito sob forma de dúvida”. 


Ainda que tentasse evitar, seus pensamentos ficavam rondando os seus medos. Naquela quinta-feira chuvosa, tudo que queria era estar em sua cama, em sua casa, coberta até as orelhas. Mas, não. Susan precisava enfrentar o maior medo que existia em sua vida. Talvez o café tenha sido um erro. Quem mistura cafeína com remédio controlado e comprimido pra enjoo? Com certeza, ela. Se alguém estivesse ao seu lado diria: “Só podia ser Susan!!!!” e daria uma longa gargalhada de desprezo. 


Pelo menos era assim que se sentia Susan. Triste, solitária, desesperada e desprezada. E lá já se iam as horas de espera e havia chegado a tão não aguardada hora do embarque. Nestes momentos, Susan reparava em tudo e meio que já se despedia da vida. Susan vivia de certezas. Se fosse morrer dentro de avião, iria querer ter a convicção de que tinha se despedido de tudo antes de partir desta para melhor. 


Reparava nos rostinhos das crianças, dos idosos, dos adultos. Essa observação vinha sempre acompanhada de um “mal sabem eles” ou um “nem passa pela cabeça destes seres uma provável morte aos céus”. Susan sentia seu coração bater freneticamente quando pensava e/ou falava essas duas palavras juntas em uma sentença. Morte e céus. Não combinam. É desesperador demais imaginar que um ser humano pode ter sua vida posta em risco e nem ter a chance de escapar, de sair correndo. 


Um dia um jovem contou para ela que tinha sobrevivido à três quedas de avião. Aquilo foi um choque para Susan. Como aquele rapaz ainda conseguia viajar era um mistério profundo para ela. Como ficar em paz sabendo que só esse carinha que ela conhece já viu um meio de transporte aéreo desabar ao chão por três vezes. Era perturbadora aquela informação. 


Depois, vinha a tal parte que Susan sempre dava risada. O único momento de júbilo para ela. O momento de ver quem seriam as pobres almas que se sentariam ao seu lado. Susan sabia - e esses indivíduos não - que aquelas duas pessoinhas teriam que aturá-la perguntando a cada 20 minutos o que era “aquele barulho estranho”. Ou, as milhões de vezes que surgia a questão do horário. “Que horas são?” 


Susan gostava de saber o horário, pois organizou todo um sistema mental para sobreviver dentro da aeronave. “Só mais 15/20/30 minutos de sanidade”. Ela repetia essa frase como um mantra e se controlava a partir disso. Veja bem, se alguém no mundo acha Susan uma péssima colega de voo, essa pessoa não tem a mínima noção de como poderia ser pior. A vontade de Susan era de gritar da decolagem até o pouso a seguinte frase: “VAMOS TODOS MORRER!!!”


Impossibilitada de realizar tal intento, ela criou o tal mantra, combinado com varias respirações e, claro, com os papos com os passageiros ao lado, que ficavam chocados com a sua falta de pudor em interromper o que estivessem fazendo durante o voo (dormir, ouvir música, cuidar de uma criança. Não importava nunca). 


“Olha lá, a aeromoça ensinando como se salvar e ninguém prestando atenção. Pois eu presto, senhora aeromoça”, pensava Susan, enquanto sorria para a senhora que explicava o funcionamento em situações de emergência. O sorriso de Susan era aquele falso que aprendera a usar aos 3 anos de idade - ou talvez antes - para falar com os amigos de seus pais. 


É interessante pensar que ser natural é esquisito para Susan. Só soube ser assim. Um sorriso no rosto, a cabeça balançando que sim e o coração aberto para receber todos. Menos na hora que o avião começava a correr, vinha a voz do piloto e já não era mais terra. 


Ar. Ar. Mais ar. E nuvem! Nuvens e mais nuvens. O chão virando pontinho até sumir.


Sim. Talvez fosse dentro do avião o único lugar no qual Susan era ela de verdade. 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A



Alice sabia exatamente a hora que o trem chegava e partia. Essa era a única forma que possuía de chegar em casa. Esse conhecimento era vital para sua sobrevivência. Não era do feitio de Alice exagerar e fazer dramas, mas ela levava muito a sério o fato de que precisava chegar nos lugares na hora certa e que não queria perder um minuto a mais na rua. A não ser que precisasse ou que fosse para alguma diversão bem boa. 

Alice não gostava de ficar andando pela cidade de farda. Tinha a impressão de que todo mundo iria saber um pouco sobre sua identidade e ela não saberia a de ninguém. Ao mesmo tempo, tinha um orgulho imenso de poder dizer “sou estudante”. Alice amava estar na escola e estudar. Amava inteira e completamente. Não que ela fosse boa em tudo ou super estudiosa e cheia de notas boas. Ela era uma aluna ok, sem grandes extremos. Era muito excelente em português e ingles, boa em história e geografia, ok em química e um fiasco em física e matemática. Alice lembra até do dia que tirou 1,0 em física e a prova valia 10. Mas, no final do ano, Alice sempre estava aprovada. Ela até se achava inteligente em alguns momentos. De qualquer maneira, ela operava milagres naquele boletim.  

A sua mãe não ligava muito para as suas notas. Quem se importava com isso era ela mesma. Então, fazia todo um esquema mental para recuperar as notas na terceira e na quarta unidades. E, claro, sempre é a queridinha dos professores. O conselho de classe adora ela. Então, aqueles dois, três décimos estão sempre garantidos. 

Ôpa, vai desculpando aí! - muito de repente, uma menina se esbarrou em Alice quase já na porta da estação de trem. Doeu a beça. Mas, ela nem teve tempo de reclamar. A garota passou velozmente, deixando impossível existir algum espaço para indignação. 


A estação estava bastante vazia. Uma surpresa para Alice. Aquilo ali era um inferno no horário de almoço. Era mãe com menino para um lado, equipe de trabalho para o outro, não sei quantos vendedores ambulantes. 

A sua barriga roncou quando pensou nesta última parte de transeuntes da estação. Bem que um ambulante poderia estar por ali. Eles têm o salgadinho preferido de Alice. Ela gosta daqueles bem pebas mesmo, que grudam no dente e na parede do estômago. Mas, ela prefere comê-los em casa, porque dá para lamber os dedos. Na Estação, se ela fizer isso, vira alguma super heroína, com certeza, porque cada corrimão dali é mais radioativo do que o outro. 

“Qual super-heroína eu seria se eu lambesse minha mão de salgadinho e fosse contaminada pela radiação bacteriana da estação de trem? A super menina radioativa? Chernogirl?” - os pensamentos corriam soltos na mente de Alice, quando ela percebeu que seu trem já estava ali e precisou apertar o passo, porque ele já dava sinal que iria partir. 

Estava tudo muito estranho naquele dia. Alice tinha certeza que havia chegado cedo por ali. Mas, parecia estar atrasada o tempo inteiro. Ainda teve a garota que esbarrou nela. Alice acariciou o ombro quando lembrou do encontrão que ocorreu um pouco mais cedo. Doía ainda o ombro direito. 

Ela sentou na cadeira do trem fazendo um pouco de massagem no ombro. 




- Dia difícil? - perguntou a menina do seu lado. Alice respirou para responder e contar sobre a garota impossível que se bateu nela e nem pediu desculpas, como estava doendo seu ombro e como a jovem nem tinha pedido desculpas.

Mas, quando levantou os olhos se deu conta de que estava sentada bem ao lado da “esbarrona” e a única coisa que conseguiu dizer foi:

- Hum rum. Daqueles! 

- Gostei do seu brinco - disse a “esbarrona”, mudando de assunto -, você gosta de Harry Potter? 

- Hum rum. Demais. - o coração de Alice deu uma leve palpitada. Quantas pessoas no mundo sacariam que ela estava usando um brinco do livro do Príncipe Mestiço, aka Snape, em plena estação de trem e teria menos do que 30 anos? Quer dizer, aquela garota parecia ter a sua idade, no máximo 16, 17 anos. 

- Eu sou Corvinal, mas respeito todas as casas. Entendo quem gosta da Sonserina. É uma casa de muito mistério! 

- É... Né? Mistério total...

Silêncio. Alice se sentia uma total idiota. Ali estava uma menina perfeita em sua frente e ela só conseguia dizer duas ou três palavras. O que a “esbarrona” iria pensar? Provavelmente, teria certeza de que Alice não queria papo e iria se calar. Acharia Alice uma chata, uma metida, uma boboca ou uma noob no universo fantástico harry potterniano. 

Minha estação! - exclamou a “esbarrona”. Alice viu tudo em câmera lenta a partir daquele momento. Seus pensamentos, no entanto, pareciam estar mais acelerados. Enquanto sua companheira de viagem se ajeitava para levantar, pegava suas coisas e apertava o sinal de parada, Alice lembrava que não sabia o nome da menina e que, com certeza, precisava de algo melhor que “esbarrona” para se referir a ela. 

Pior!!! Alice imaginou que existia a possibilidade delas nunca mais se verem na vida! Tudo porque ela era uma bobona que não conseguia formar uma frase sequer. “Esbarrona”, olha o nome que ela inventou para a garota! Quanta tolice! E sua fome começou a se transformar em enjoo. Precisava respirar e não achava ar. Enquanto vivia a sua angústia dilacerante e nauseante, a jovem disse mais uma coisa enquanto se encaminhava para a porta de saída: 

- @corvinalsoueu ! Me adiciona no Twitter. Prometo que sou legal e só falo besteira por lá.

Disse tudo isso e PISCOU! Ela PISCOU para Alice. As portas do vagão se abriram e “@corvinalsoueu” saiu do trem. Ela ainda se virou, esperou as portas se fecharem e ficou olhando para Alice, sorrindo e dando tchau. O celular de Alice vibrou e ela olhou para baixo uns instantes, segundos. Foi apenas o tempo de ver que eram 12h45. Ela havia saído mais tarde do colégio porque ficou conversando com a professora de inglês depois da aula. Agora, a estação vazia fazia todo sentido. 

“Não acredito que errei o horário depois de tantos anos pegando o mesmo trem!” - pensou Alice, com um sorriso enorme no rosto. Quem sabe amanhã eu não erro de novo?

 


J



 Amanhece. Café quentinho. Uma fruta e um pãozinho. Escreve artigo, escreve crítica. Estuda. Curso, curso, curso. Aquele outro curso. Vê filme. Lê um pouco. Tum! A comida ficou pronta!! Escreve de novo! Hora da pausa. Terapia!! Lembra da família e dos parentes mortos. 

Mais um pouco de filmes e, talvez, aquela série que a deixa nostálgica. Hora de dormir. Lembra de seu amor. Ela não está mais lá. Dorme. Ou, ao menos, tenta. 

Já é hora acordar e começa tudo de novo. “Será que Esther vai ligar hoje?” Não dá tempo de pensar. A clausura obriga as horas a passarem rapidamente. Mais um gole de café, porque já está na hora daquela reunião. “Será que Esther pensa em Jamile de vez em quando?”

Talvez, fosse melhor que ela mesma ligasse para Esther. Por que o pensamento é tão desobediente? Queria poder agarrar o relógio e implorar mais um pouco de tempo para suspirar de amor. 




Não. Não é possível. Repete até acreditar, enquanto esquenta a comida que fez no dia anterior. Após a refeição, coloca a cabeça no travesseiro. Depois de comer não pode fazer nada. Sua mãe que disse. “Faz mal baixar a cabeça depois de comer feijão”. Jamile sempre obedecia, por mais que estivesse ocupada.

“Será que seus amigos esqueceram dela?” Uma mensagem!!Não é de Esther, mas sim do seu melhor amigo. Ele pergunta se está tudo bem. Uma pausa. Estaria ela bem? Pega um cigarro e ascende. Já não dá mais para cessar a fumaça, como no outrora. Ela é sua única companhia. 

Respira e manda um áudio, com sua voz de personagem feliz. Uma que criou desde a infância para que nunca soubessem como ela realmente se sente. Seu amigo parece feliz com o áudio. A resposta dele é bem animada. 

Mais um filme e alguns textos e Jamile terá alcançado a meta do dia. Todos os dias ela monta um cronograma e faz cada atividade que planejou. Pelo menos as que consegue dar conta, dentro de sua lista megalomaníaca. 

Textos lidos e escritos. Deita e se espreguiça. Lembra que tem aquele joguinho no celular e joga até os olhos ficarem pesados. “Será que amanhã Esther vai me telefonar? Terei alguma notícia sua?” Pensa, enquanto vai adormecendo. Amanhã vai começar tudo outra vez...

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Ohne Liebe



É tudo muito confuso. É como se fosse um amontoado de sentimentos soltos que não consegue colar jamais. Olhar para o passado e para o presente parece ser igual. Sempre repetindo a mesma badalada dos sinos insistentes. Não tem aptidão para fugir da eterna martelada da verdade. Seu coração, ainda que estilhaçado, quer vibrar juntamente com as melodias que invadem sua alma. Aí, é perdição apenas. Antes que possa desligar a canção anterior, a próxima chega, estrondosa. 

Por isso, o pânico e a fuga. Talvez, fosse mais fácil correr de verdade. Contudo, fica. Permanece e deita nos escárnios que cobrem seus pés. Os sorrisos não são reais. É tudo ilusão. Por que será que a ninfa ressurgiu das cinzas? Ela se pergunta, enquanto mira o espelho. Nele, o reflexo das incertezas parece maior e mais forte. Depois, olha para o horizonte e não consegue encontrar o sorriso que tanto se viciou. Por que será que não tem a habilidade de apagar as músicas?




As notas continuam a se repetir. Em um sacrilégio sangrento, pula em direção do abismo e se sente sufocada. Nunca é como deseja. O mar banha os ombros. O sol brilha reluzente e sente que é incapaz de se mover. Está paralisada diante das opções. E todas elas são nulas. Não existem. São pura fantasia. Derrama e engole ilusão em um cálice fumegante, que arde, para depois corroer a pele. Não é mais menina, no entanto. Provou de vários venenos, derramou todas as lágrimas possíveis. Agora, devora os segundos pálidos. Alimenta-se das cinzas. Consome os restos do que foi no outrora.

Ela é isto: uma sinfonia incendiada na madrugada. Não é comedida. Não controla os pensamentos. Não pensa para agir. Não adianta enfeitar sua rubra tez se, ao final, o resultado é o mesmo. Precisa, necessita, de uma dose forte de paixão. Qualquer sombra de dúvida afasta. Não quer, não pode aceitar nada pela metade. Já foi o dia no qual foi uma tola garota que esperava. Odeia essa sensação. Não quer aguardar decisões, olhares e toques. Quer tempestade, tremores, relampejos. 




A indiferença ela guarda para o amanhã. Para empregar naqueles que traem a sua confiança. Pra os sorrisos falsos, para as promessas incipientes. Não pode, não deseja, não almeja, nem por um segundo, reviver torturas do outrora. Veja bem, seus passos foram marcados por uma paixão antiga que destruiu seu peito, que consumiu toda sua juventude e alegria. Ali, jurou, em silêncio, que o regresso para aquele estado seria estupidez. E certa estava. Quando o não não é dito depois do sim, quando os relógios soam, quando o verde esmeralda se apaga, quando a ninfa crava seu punhal em suas costas, quando a repetição é apenas cotidiano, ela desfalece. Em sua mente, todo dia é decepção. Cada aurora faz jorrar a recordação das dores eternas do que já foi.