quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Suspensão

 Seguiu. Em direção do vento. Cambaleava. O ar impuro preenchia os pulmões. Silêncio. Trancada na torre mais alta pulou em direção do novo horizonte. Fumaça. Devaneios. Surpresas. Cálices que transbordavam impunimente. Dúvidas secretas, chamas insensíveis de segredos aprisionados. Não há lógica ou razão. As madrugadas escorrem e seus versos tornam-se profanos. Sinceros. Reais.

 Um grito de dor lancinante e mais um punhal finca-se nas costas. Neblina. Paixão. Suspiros e gemidos do anoitecer transformam-se em júbilo despudorado. A escuridão se alastra, o cinza tenta alcançar seus passos. Uma miragem, uma paisagem, a imagem que insiste em trazer sussurros inescrupulosos, maldosos, invisíveis, cobertos de escárnios.

 Arde na concupiscência, deixa que o desejo apague as incertezas, redescobre os sentidos verdadeiros. Deixa a doçura penetrar a alma e o cristalino veneno escorre dos olhos. O ódio motiva. O amanhecer ainda é fiel. As mágoas se desfazem e soterram-se no oceano revolto de sua aura. Entrega-se de uma vez só. Sedenta pelo novo caminho que surge em sua frente, destrói muros de súplicas, enlaça a sorte, abandona a morte passageira de sonhos translúcidos.

 Queima a escrita, derruba a varanda na qual a mente se prendia, foge das inverdades, denuncia as falsidades, rasga as sentenças pré-estabelecidas, corrói o resquício de pranto, permanece na sobriedade dos dias, nas metáforas concretas, nas palavras indiscretas, em tudo que pode ser e jamais foi no outrora distante.

 Sela pacto com a justiça, aceita as promessas do destino, incendeia o tempo, renega a melancolia. Candente, rubra e preenchida de força jamais sentida. Fecham-se as cicatrizes, deleta os infelizes corvos que tentam derrubar o impossível. Espera e segue rumo ao pedestal certeiro das horas desvanecidas. Perde-se para nunca mais, naquela bruma sangrenta e revolta, entre as flamas e os lírios, entre o início e o fim, entre o agora e o eterno. Na intensidade das flores, nos acertos sem pudores, em tudo que for festa em demasia.


domingo, 11 de agosto de 2013

Pacto

Com as palavras ainda turvas em sua mente procura escrever aquilo que é indescritível. Os olhos marejam, o coração ensanguentado dispara e luta para não perder a vontade de olhar para aquilo que outrora foi o paraíso. 

É uma lança que finca lugar eternamente em sua alma, são as decepções recorrentes com as melodias insistentes, com a nova canção que passou a tocar naquele mesmo ritmo. 

Ainda assim, a fênix existe e dessas cinzas um dia ressurgirá. Enquanto a fada cambaleante tenta encontrar respostas para as dúvidas infinitas, a deusa gargalha em seus pensamentos, a ventania desvanece e acorrenta o júbilo, a confiabilidade é arrancada do peito e se vê caindo no abismo da incerteza.

As cores precisam voltar. Lembra-se da rosa, das músicas, das aventuras, de tudo que fez os olhares se encontrarem. Agora precisa apagar da memória todos os pesadelos recentes, a imagem degradante, nojenta, decepcionante, da sujeira ébria da princesa silenciosa, dos gritos de ódio, dos escárnios alheios, das tentativas tolas e concretas de perder a vida.

Cega, em profundo desatino, viu a decomposição de uma sensação, a reconfiguração de uma emoção e o recomeço da sua jornada. Depois, quando avistou o profundo arrependimento, veio o perdão. Sua alma de menina não nasceu para o pecado, para o veneno que um dia foi injetado nas veias e agora expelido.

Já não sabe se é ingenuidade ou crença, porém segue rumo as novas direções, ao novo voto de confiança, a um pacto que jamais pode ser quebrado outra vez.

Sem melancolia, relutância ou angústia busca novos sentidos para os mesmos significados, esquece um pouco os devaneios, prende-se a concupiscência, abandona o caos e deixa que o destino e o tempo se encarreguem do resto.


domingo, 4 de agosto de 2013

Acordar

 Suscetível. Ao toque, as palavras, ao silêncio. Ébria, destruiu a torre mais alta que já tinha alcançado. Se ao menos não destilasse veneno impuro e sórdido vindo da carência e angústia de ser quem é. Tonta, segue em direção da perdição. Seu caminho é solitário, seu destino é dor que dilacera a alma. O coração, já muito calejado, insiste em bater e machucar a aura. Jamais encontrará um sorriso que não quebre. Nunca existirá uma alegria que não desmanche, que não transforme em pranto.

 O hoje é interminável, é eterno. Nos seus olhos viu o que antes não apareceu. Agora a salvação parte rumo ao passado, em direção oposta ao vento. A náusea é sua única companhia. Sempre soube. A solidão a persegue. É um ciclo que não se findará. Até seu último suspiro lembrará-se das máculas, da vontade de ser o que não é destruindo os passos certeiros, de um tudo que no fim vira vazio. 

 A escrita torta traz as lembranças à tona. Se ao menos pudesse mostrar a verdade, fazer enxergar o quão cristalina é a sua sinceridade. E já sabe. Perdeu. Findou-se mais um ciclo de derrota e a dor se instala para todo sempre. E o encontro se parte, reparte e finca sua espada cruel. 

 E viu os mares revoltos escorrerem na sua face. E viu o mundo girar. E soube. A felicidade não a pertence. Aceita o destino. E finalmente sela o pacto consigo. Aquele que um dia pareceu tolo. Outra vez se faz presente. Sozinha permanece. Respira. Suspira. Mais lágrimas, menos júbilo. E todos partem. 

Sim, até o último gole. Pertence. Acredita. Luta. Reluta. Corre. E repete: acorda do sonho, menina. Não há varanda, não há salvação. Desperta de uma vez. Acorde. Já não é mais fada, não reluz. Sem brilho será até seus últimos dias.

sábado, 3 de agosto de 2013

Alvorada

 Num passado não muito distante, a menina esperava uma solução que parecia jamais vir. Em seus sonhos todos os sentimentos deveriam ser únicos, fortemente entrelaçados, recíprocos.

 Mudou o rumo das certezas para provar um pouco das madrugadas insensatas. Um grito sufocava a alma. Buscava ser o que não era e nunca seria. Pois não há resposta em beijos perdidos, em urgências falsas, em encontros desperdiçados.

 Seguiu pelo caminho vazio dos lábios que se encontram sem motivo algum. Até que um dia encontrou o sorriso certo, o cessar das dúvidas, o júbilo candente. Nas horas escorriam faíscas tempestuosas de emoções inenarráveis.

 Relutou, escondeu, tentou fugir. Seu coração torturado sangrava pranto de um outrora nebuloso. E escolheu a princesa para não sentir. Em seu confuso pensamento não passou a ideia de seguir adiante, apenas queria saciar uma vontade de mudar, de esquecer melodias enfraquecidas.

 Não há como negar. Escreverá até compreender como aquilo que um dia pareceu impossível tornou-se concreto, real, forte. As emoções que tinham secado, junto com as lágrimas, galopearam seu peito sem que ao menos pudesse esperar, pensar, raciocinar.

 Agora tudo faz sentido outra vez. Não precisa ser outra, se reinventar sem motivo. E pulou do abismo mais alto, de olhos abertos, sem pestanejar. 

 Apagou os zunidos sussurrados dos zumbis, esqueceu as regras recitadas pelos próximos, desmanchou as dúvidas e continuou a caminhar.

 A história passa em sua memória e já sabe, tem toda certeza. Sem saber, a salvou do precipício das sentenças mal acabadas, do cinza que cobria sua pele, dos goles ébrios de saudade, dos fins de tarde cobertos de brumas, do caos. Trouxe de volta a sua ventania.

 E já é hora de acordar, mas neste sonho permanece, deixando que o destino se encarregue do resto.