sábado, 20 de janeiro de 2024

Pietro e Antonia


Todos os céus de agosto são iguais, porque eles revelam a melancolia que habita as caixas enfeitadas pelo destino. Entre uma mordida de biscoito ou outra, ele já sabia que seu retorno era improvável. Entre a certeza de tê-la perdido e o observar do nascer do sol, descobria um prazer contínuo em reviver o passado. Ou, mais ainda, em imaginar cenários nos quais a clausura, a promessa e a postura não fossem suas obrigações. Afinal, o que seria dela, suas fitas de ouro e seus fios avermelhados naquela aurora tão bela, quanto seus olhos cor de riacho? Ele já não sabia, mas pensava nela...

Antonia era como um girassol flamejante, quase intocável de tanto que se mirava ao sol. Pietro era o túmulo da jazida mais longínqua. Sentia-se tão frio que não recordava a última vez que havia sorrido. Não, na realidade, ele recordava, sim. Ao ver a sua imagem febril, cambaleante, chegando na porta de sua casa, Pietro sorriu. Ela caminhou na sua direção, sorriu também, acenou e disse "bom dia", em um suspiro agudo, seguido de um desmaio. O seu cavalo branco, imponente, relinchava quase como uma canção de lamúria. 

Ainda assim, Pietro sorriu. Ainda assim, Antonia sorriu. Um brinde pelo reconhecimento do passado. Pelo menos era essa a sensação que sentiam, de reencontro, de miragem, de paisagem profunda e bela. O coração de Pietro era incompleto, com um espaço vazio, que fazia ecoar todas as danações mundanas. Apesar de seu posto, ele nunca se importou em deixar se corromper pelos sacrilégios mais sórdidos. Pelo contrário. Mas, ao avistar as suas feições, imediatamente descobriu o que era ser feliz. Não, ele não descobriu, ele relembrou. 


A emoção estava, de alguma maneira, gravada, cravada em sua pele e sua alma. Antonia já foi sua em outra versão. Pietro já foi seu em outra versão. É inexplicável a razão de tal sentimento, porém o é e nada o faria acreditar o contrário. Por isso, ele a acolheu, cuidou de sua enfermidade e vigiou o seu sono, até que o melhor despertar possível se fez presente. Ele jamais sairia daquela torre, se estivesse ao lado dela. Quando Antonia abriu os olhos pela primeira vez, após a queda em seus braços, todo o planeta se iluminou. 

O seu olhar era ainda mais belo saudável, tinha uma faísca de vivacidade, de fervor, algo que Pietro nunca tinha visto em ninguém, nunca. Como ele poderia imaginar que o tempo inteiro, enquanto ele estudava, colhia frutas nas árvores, cantarolava, respirava, dormia e acordava, Antonia já existia, com seus fios rubros e sua face serena, mas agitada, ao mesmo tempo? Aquela moça era uma incógnita, mas aquilo não era nem de perto sua melhor característica. Antonia era sábia, era profunda, era sublime em cada uma de suas imperfeições.

Todavia, naquele instante do despertar de Antonia, após enfermidade, ele nada sabia sobre qualidades e defeitos menos superficiais de sua futura amada. Ele via e descobria, progressivamente, um amor inabalável, que ia abrindo espaço cada vez mais em seu coração. Ainda lhe era secreto o quão iria lhe amar. Por hora, basta saber que Pietro amou Antonia e ela a ele. Com desfecho ou sem desfecho para esta narrativa torta, de um diário de confissões mais torto ainda, é isso que importa.