quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Quando a fada disse adeus ao silêncio

  Foi o silêncio. Foi dentro dele que reinventou certezas. Destruiu correntes. Reconstruiu seus passos. Renasceu. 

Agora o momento é outro, porém é necessário que se faça justiça. É preciso lembrar um pouco. Para que venha a despedida. Para que o vento volte a bater fortemente em sua face melancólica. 

 Se sua vida era apenas um mar de sinfonia e vozes, foi naquele encontro que compreendeu sua alma. A partir daquele único e derradeiro instante, naquele inesquecível momento, que tudo mudou. Foi arrancada de seu cotidiano morto, foi obrigada a conhecer novos horizontes, novos rumos. Foi obrigada a crescer, sem que ao menos pudesse evitar aquilo. Sem que ao menos pudesse se proteger das rajadas de dor que viriam.

 Entre encantos e desilusões, entre festas e mágoas, entre dúvida e seguranças. Foi num turbilhão de acontecimentos que descobriu todas as respostas para a salvação. Foi porque o encontro existiu que todas as possibilidades se fizeram presente. Foi porque cuidou de suas mazelas. Foi porque lhe fez enxergar o mundo que existe lá fora. Foi e já não é mais.

 Sim. Tudo se modificou. Sim, o adeus foi preciso. A exatidão da despedida inaugurou a temporada de sorrisos, de realizações. Não há muito o que se dizer quando o coração está estilhaçado. Não há muito o que se dizer quando todo o pranto foi derramado. E era para ser silêncio, não é mesmo? Se apostou em todas as aventuras e pactos foi para que pudesse se libertar. Se disse sim depois do não foi para que a tempestade encontrasse repouso nessa imensidão de vontades. Se eram opostos, nada mais justo que encerrar as incertezas.

 As respostas, dissolvidas em lágrimas, desfazem os acordos. As escolhas do presente finalizam a escrita dessa história. E diz sim para o nunca mais. Fecha os olhos e solta sua mão. Fecha os olhos e respira fundo. Fecha os olhos e segue. 

sábado, 21 de novembro de 2015

Blooming

 Havia desistido. Estava mais do que na hora. Seus passos apenas guiavam os dias para a profunda solidão. Com a ajuda do vento, seguia cambaleando. Corria do tempo e buscava compreender quais seriam as melhores respostas. Fugia do barulho das vozes do cotidiano. Respirava, buscando encontrar as soluções concretas para não desabar.

Foi assim. Com os olhos quase fechando. Quando a palavra esperança era apenas utopia. Quando seu sorriso havia se desfeito. Quando seu coração estava quase petrificado. Foi assim que surgiu. É bem verdade que tentou escapar mais uma vez. Tentou negar que os pedaços de sua alma estavam sendo recolhidos. Tentou. 

Porém, a leveza de sua aura contaminou o cotidiano amargo. Porém, já consegue novamente enxergar as cores. Agora, outra vez, pode desejar que venha o próximo anoitecer. Agora, o amanhecer ganha novos significados e já não interessa mais os motivos pelos quais um dia foi tão infeliz. Já não importa. Foi na primavera que encontrou acalento. Foi numa tarde ensolarada que as decisões mudaram seu destino.

Volta a sonhar. Tolamente. Quase delirando de júbilo. Deixando-se levar pelo som daquela voz. Embriagada de certezas puras. Tonta e consumida pela necessidade de encontrar seu olhar. De gritar para o mundo que entregou as chaves de uma vez só. Velozmente. Sem pestanejar. Sim. Pulou desesperadamente para o abismo. Pulou completamente. O mais rápido que pôde. Sem delongas, sem relutância, sem lutas.

Agora o som retorna. O jardim floresce. As luzes se ascendem. Agora mergulha na sua pureza. Nos seus gestos. Nas suas palavras adocicadas. O sentido da escrita regressa. As emoções renascem. Deixa os sentimentos contaminarem suas palavras. Entrega-se vorazmente. Esquece o outrora melancólico. Segue firme. Até o infinito. Até que o presente escorra de suas mãos. Até o último segundo de sua existência. Até o derradeiro suspiro. Até.


domingo, 15 de novembro de 2015

Si Jamais tu m'écoutes

Desespero. Desespero eterno. Dessa madrugada sem fim. Dessa falta de ar. Dessa fumaça que queima a garganta. Dessas escolhas que faz quando o céu se apaga e as memórias se esvaem. Talvez precisasse de alimento para sua escrita, para sua alma. Seus dramas são apenas seus. Não pertencem a ninguém. São tão seus que somente machucam a sua pele. 

Se disse sim foi porque toda sua alma respondia. Resplandecente. Cheia de alegria e certezas. Cheia de sinfonias coloridas e alegres. Cheia de sim. Contudo, sua estrada é tortuosa demais. Seus olhos ardem. Seu corpo treme. É angústia. É angústia sem fim. É. Sem motivos específicos. Sem ao certo saber as razões concretas para tal sentimento. As emoções afloram e as vibrações internas corroem a aura. As palavras se reduzem.

Talvez ainda seja menina. Essa negação, essa vontade voraz de crescer, impede que caminhe livremente. E esse drama eterno que acorrenta suas ações já não lhe é necessário. Quer fugir de prantos, de dores, desamores, intensidades, cores. Quer respirar fundo e seguir. Deseja intensamente a liberdade. Clama insanamente pelo sossego. Por decisões simples. Por caminhos repletos de quietude. 

As lembranças consomem seus pensamentos. Enquanto a água salgada escorre na pele, tenta encontrar algo para se apoiar. Tenta achar alguma lucidez. Busca incessantemente por uma resposta concreta. Busca e delira. Busca e suspira. Busca e recorda. Procura. Obstinadamente, determinada em descobri qualquer solução eficaz para essa amarga sensação de que seu futuro escapou mais uma vez de suas mãos, de que suas decisões já não são mais suas, mas do destino. Desse destino infeliz e perverso, que jamais lhe presenteia com a tão pedida paz.

Não. Não tem respostas. Para ninguém. Muito menos para si. Uma onda de amargura toma conta de seus pensamentos. Uma enorme e profunda onda, que arrasta todas as suas forças para um lugar no qual não existe possibilidade de alegria. Que não há como regressar. Está presa, não está? Sufocada. Atormentada. Infeliz. Ainda que considere suas emoções ingratas. Ainda que tenha certeza de que o vento retornou. Ainda que todos os seus pedidos tenham sido escutados. Ainda que agora deveria ser o momento exato de caminhar tranquilamente. Ainda assim.

A única certeza que permanece é a da vista turva. Embaçada pelo pranto do final de noite. Pela neblina do início de um tormento perigoso. É temor. É preocupação. É tudo. Menos abrir os olhos e enxergar que, na verdade, deveria ser tudo ao contrário. Na verdade, não tem direito de reclamar. Na verdade, deveria grudar na face esse sorriso que aprendeu a usar na infância. Na verdade, deveria só dizer sim. Esperar amanhecer. Parar de se arriscar. Parar de gritar para o mundo todas as suas verdades. Parar. Parar de uma vez por todas. Somente isso. Parar, até silenciar de vez a sua própria existência.


Torcer

Foi. Ainda na primavera. A cautela escapou das suas mãos. Seu coração descompassado achou que seria certo seguir em frente. Seu coração tolo e embriagado guiou seus passos para o abismo. 

O que fez mesmo com as chaves guardadas? Por acaso não compreendeu que a solidão ainda é o melhor remédio para se proteger das impulsividades? Ainda não entendeu que olhos se abrem no amanhecer e a canção já é outra?

Não existe mais varanda alguma que possa guardar seus segredos. Não existem mais jardins que deixem seguros seus devaneios. 

Estava escondida. Em sua torre de cristal. Nas doces montanhas. No silêncio. Nas fantasias. Nas ilusões. 

O perigo mesmo, este que se apresenta em cálices coloridos, está na entrega. Ou nas vozes. Ou nos dias. Ou na espontaneidade. Ou em imaginar que há controle total das ações. 

As palavras são tolas. São em vão. São tudo. É uma escrita para o futuro. Ou não. São muitas perguntas. Muitas questões. Olhares. Pedidos. Promessas. Tudo é tão turvo que já nem consegue mais respirar. Ou ouvir os pássaros. Eles pararam, não é mesmo? Novamente.

Talvez eles saibam a hora de parar. Até eles se entregaram para um mundo sem som, sem cor. Enquanto aquela que ouvia suas músicas grita para o mundo vil suas fragilidades. Seus descontroles. Suas necessidades. E já é não é mais menina. Faz tempo. Aliás, faz bastante tempo. Agora é madrugada cinzenta. É sofreguidão sem propósito. É esse mar que se mistura na tempestade de um sorriso perdido. 

Afinal, quantos clamores precisará escutar para parar de vez? De uma vez só. Completamente. Ou será que os ciclos continuarão se repetindo? Ou será que as dúvidas somente calam quando se dá o último suspiro? Ou será que é melhor pular? Pular de vez. Sem muito pensar. Sem questionar coisa alguma. De alguma forma seria o ideal. Talvez. Assim seria mais fácil. Seria menos doloroso. Egoísta, porém, menos doloroso. 

Essa intensidade juvenil compromete os rumos da jornada. As narrações se repetem. Entre passado, presente e futuro. Entre tempo e destino. Entre decisões concretas e insanas. Entre dizer sim ou sair correndo em direção da noite mais fria de todas. Entre aceitar e desistir. Entre ser inteira e ser pela metade. 

Completa ou não, o melhor mesmo é correr em disparada ao horizonte coberto de resposta singelas. Ou parar tudo de uma vez. Se calar. Ser apenas silêncio, música e solidão. Abandono total da dor. Sem pestanejar. Sem piscar. Sem suspiros. Sem emoções. Sem medos. Sem dúvidas. Sem descobertas. Sem nada. Apenas consigo. E a noite. E a fumaça. E as músicas.

Talvez. E só está começando.


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Árvores







 Não. Ela não vai ser como você deseja. Seus sorrisos não vão iluminar seus passos atormentados. Não, a ventania não lhe pertence. E não é apenas você, são as diversas faces que clamam por alguma coisa. Qualquer questão incomoda nesse momento. Na verdade, todas as sinfonias são pesadas quando os cantos já não são mais sinceros.

 As infinitas tentativas vão apenas machucar ainda mais. A distância é a melhor opção. De tudo. De toda e qualquer situação. Até dos pássaros. Do sol. Do anoitecer. É preciso se esconder e evitar mais uma queda, dessas que arrebentam qualquer coração desavisado. Dessas que prometem e nunca cumprem. Dessas que cobrem a estrada de amargura e dores profundas.

 Ainda existem muitas coisas que deseja dizer. Mas engole um pouco as palavras. Para que a amargura não contamine os que insistem em voltar. Porém, gostaria que não retornassem mais. Queria que partissem de uma vez e restasse apenas a escuridão dos recintos frios e solitários. Afinal, quantas vezes precisará derramar a tão preciosa água salgada que se desperdiça a cada partida? Quantas vezes precisará se fechar para que todos entendam o quão é difícil estar nesse lugar tão odioso?

 Não. Não foi somente por escolha. Foi destino, talvez. Contudo, se pudesse optar novamente regressaria para o silêncio sem pestanejar. Iria. Partiria sem olhar para o outrora. Mas insiste em errar. Em sofrer. Em despejar sentimentos nos lugares errados. Em contar com auxílios que de nada valem no futuro. Em olhar com pureza para indivíduos perversos e cruéis.

 Na verdade, é preciso se acostumar com a possibilidade de jamais vencer partida alguma. Se de perdas sua vida foi construída, não serão as próximas estradas que lhe presentearão com júbilos e canções. Se perder é sua sina, do que adianta correr em direção ao horizonte, que logo depois será arrancado de suas mãos?

 Lentamente, passo por passo, sobe em direção da sua torre. Outra vez. Quantas vezes forem necessárias. Até que apague qualquer sensação de ilusão que possa chegar. Procura respirar fundo e esquecer. Respira, respira, respira até que seu rosto se apague. Até que consiga não mais lembrar que um dia foi possível ser tudo que desejou. Que um dia alguém foi capaz de ler sua alma. De entender completamente tudo que se passava em sua confusa mente.

 E deixa o tempo escorrer. Aguarda novas respostas do futuro. Sem esperanças. Sem esperança alguma.

sábado, 3 de outubro de 2015

Ways

 Seus sorrisos desapareciam, junto com a brisa suave de final de inverno. Sua alma estava exausta. Distraída entre uma pergunta e outra, desviava o pensamento das incertezas. Buscava preencher os dias de barulho, de voz, de tudo. Menos de silêncio. Menos de sinos. Menos de canções repetidas. Um pouco de ar. Precisava respirar. Fundo.

 Enquanto buscava a ventania, ouvia de longe as vozes que clamavam um pouco de atenção. E foi ali, de forma inesperada, que seus olhos se encontraram. O tempo congelou por alguns segundos. Como um dia vira nos filmes. Exatamente como um dia viu em tantas histórias. Parece clichê. (E é). Mas alguma coisa especial aconteceu naquele momento.

 Os minutos voltaram a correr. Dali em diante tudo ficou mais leve. Inclusive a escrita, as palavras que sua mente confusa produz. Dentro de sua realidade insana de paixões turbulentas. De lágrimas e suspiros. De desespero. De necessidades não preenchidas. De pedidos não ouvidos. De longas tempestades e canções desarmônicas.  

Porém. Sempre há um porém. Sua alma de menina possui mazelas de outrora. Marcas que deixaram suas decisões mais cautelosas. Menos impulsivas. Um suspiro. A varanda continua ali. A solidão não. Contudo, os próximos passos podem ser complicados. Antes de pular é preciso abrir bem os olhos e tomar a decisão correta. Antes de pular é necessário que se saiba todos os riscos de descer da torre mais uma vez.

Até porque ainda existem chaves guardadas que necessitam ser resgatadas. Até porque ainda escuta os pássaros cantando a mesma melodia e recorda do passado. E a silenciosa melodia contamina também as escolhas que já não são fáceis. Ou talvez seja um pouco do drama que corre por suas veias. Talvez seja um pouco de tudo. Ou não é nada disso. Ou ainda não descobriu a equação correta para equilibrar seus passos.

Mas tudo isso não importa. O momento é outro. A estação mudou. E esse brilho. Esse brilho único que irradia por toda a imensidão ao seu redor, isso que importa. O resto é interrogação. É esperança. É espera. É delírio. Imaginação. E nesse devaneio mergulha. Profundamente. Até o próximo anoitecer. Até.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Masmorra

 Começou. Em algum momento precisaria retornar. Não que desejasse aquilo, porém o destino obrigou seus passos a seguirem aquela história novamente. Não a de outrora. A sua própria estrada que já era, por si só, tortuosa demais. Foi porque abriu os olhos outra vez que encontrou um pouco de paz. Sua voz a despertou de um transe. Um que pensou jamais acordar.

 Talvez tivesse sido um sonho. Uma breve ilusão. Um mal-entendido. Se ao menos pudesse se lançar nos seus braços e sentir de uma vez por todas o que sempre precisou sentir. Porém, sempre há um. Um porém. Uma espécie de medo empurrava suas vontades. Afastava qualquer possibilidade de aproximação.

 Não foi. Não partiu para sua jornada. A que o silêncio prometeu que seria a melhor. A mais pura e sincera. Agora restavam uma tempestade de dúvidas e uma necessidade de se aconchegar na solidão. Ouvia de longe os sinos. As vozes que puxavam sua existência para o júbilo. Podia ver de longe a felicidade. Mas agora era diferente. Desejava se enterrar na melancolia dos dias perdidos. Das frases guardadas. Do vento escondido.

Não era mais ventania. Já não era mais nada. Apenas, talvez, uma longa interrogação. E construiu em volta de si uma muralha invisível. Uma inalcançável. Uma que dificilmente seria quebrada. Era necessário todo aquele drama. O outrora continuava a arrastar sua realidade para escolhas que já não desejava mais. Contudo era sim mais fácil percorrer um caminho conhecido. 


Não. Não fala somente de amores. É mais complicado que isso. É mais duro até. Sua desilusão era mais profunda. Habitava um mundo de fantasia e apenas assim continuava conseguindo respirar. Se ainda existia era tão somente pelos sonhos que escolheu se prender. 

Dessa vez, dessa vez segurou forte nas correntes que já não mais prendiam seu corpo. Subiu no topo da torre e trancou todas as portas. Sem ar. Sem olhares. Sem mais nada que pudesse lhe perturbar.

 Caso encontrasse sorrisos, se esconderia. Se sentisse carinho, fugiria. Não desejava mais realizar pedidos. Não desejava mais escutar infâmias. Não queria e não faria. Não até que um pedido seu fosse atendido. De uma vez por todas. 


terça-feira, 28 de julho de 2015

Rise



Amanheceu. Abriu os olhos para a realidade. Mais uma vez. No outrora os olhares se encontraram e fizeram música pela madrugada. O sol ardia na face. Suas mãos trêmulas procuravam algo firme para segurar. 


Numa tempestade de dúvidas e angústias não sentiu a ventania. Até que abriu as portas e janelas e chegou no topo da insanidade. 

Afinal, o que faz o coração disparar verdadeiramente? Em suas confusões, mergulha mais uma vez no doce sabor da fumaça assassina. E todos os zumbis despertam, emitindo o mesmo som, em uníssono, fazendo a alma vibrar. 

Se a solidão não foi feita para sua jornada, tão pouco foi feita para os falsos sorrisos. Numa tentativa e outra, acaba obtendo as mesmas certezas do passado.

Há apenas um único e derradeiro abismo. Aos que não sabem ou não desejam pular junto, que fiquem para trás, que se joguem de outro precipício.

 É cansativo demais. É atordoante demais. Quais os reais e concretos sentimentos dos seres da noite? Qual a decisão mais acertada quando querer o bem não é uma oferta suficiente?

As respostas de perguntas tolas permanecem aprisionadas na neblina do tempo. Já não é mais a mesma. A escrita não é mais a mesma. O tempo correu. Veloz. Os céus desabaram. Os sinos tocaram. O esmeralda se transformou em cinza. O silêncio virou grito. 

E agora tudo é novo. E agora são apenas reticências. Nesse turvo recomeço, se despede das sinfonias de desgosto. Fecha os olhos para a dor. Tranca ressentimentos. Abre-se para as cores, as descobertas, os sabores.

Não existem erros. No presente, há apenas doçura. E há a vontade de encerrar de uma vez qualquer vestígio de antigos acontecimentos. Se ao menos pudesse apagar toda e qualquer sutil lembrança. Se ao menos conseguisse se desfazer das pragas do cotidiano. Se ao menos fosse consumida pelo espírito de juventude que um dia possuiu. Se. 

Cada horizonte segue seu rumo. Em cada caminho a distância se refaz. Verdadeiro ou não. Nobre ou não. O que restam são cinzas e uma aura petrificada. 

E já não pode mais abrir as janelas e deixar que qualquer poeira adentre sua moradia. Já não pode mais amolecer com qualquer palavra. Já não pode mais acreditar em qualquer canção que toca sem parar. Já não há mais para onde olhar sem duvidar. Enche o peito de verdades e cospe para todos os cantos.

Não há final contente. Não há um último suspiro com seu nome. Não há silêncio que não se derrube. Não há verde que não se apague. Não há. E é para nunca mais. Para jamais parar de lembrar. Para respirar as sentenças. Abandonar medos ou tensões. E florescer. Recomeçar. Sempre recomeçar.


sexta-feira, 3 de julho de 2015

Ressuscitar

 Suplício. Um pouco de martírio. Tédio. Por que não? A noite é sempre mais longa quando falta fumaça para fazer com que as palavras tenham sentido. Os olhos deveriam estar fechados, porém olha para faces do passado e relembra de suas existências. Ainda existem? Respiram, não é? Parece loucura, mas na rotina insana alguns rostos se dissolvem numa valsa tortuosa e lancinante.

Engraçado. Parece que o efeito de pausa preencheu essas vidas. São as mesmas palavras. Os mesmos semblantes. Os mesmos lugares. Os mesmos discursos. Nada novo. Jamais. É a repetição das tradições que encanta essa gente pacata e que provoca náusea e preguiça de continuar enxergando naqueles seres passionais, impulsivos e ávidos por novidade.


Contudo, o próximo nascer do sol sempre chega. Este levará, junto com o vento, as imagens mais recentes, não muito distintas das do passado, para longe da memória. E lá, num abismo infinito, permanecerão. Talvez seja exagero afirmar que coisa nenhuma tenha se modificado. Talvez. Porém é quase impossível de acreditar que algo mudou. 



A sinfonia se repete em seus ouvidos. Uma glória. Uma dádiva. O corpo vibra nas notas certas. Depois vem a recordação de que suas palavras também não passaram por grandes transformações. Ou passaram? Há um desejo maior na objetividade da escrita. E de voar. E de pular os dias até que possa encontrar novamente o prazer incomensurável da fumaça agora não permitida.

É necessária a brevidade. Uma pitada de silêncio. Gotas generosas de paciência. Controle da respiração. Por fim, um riso longo e farto, uma despedida e uma distância, coberta de educadas desculpas ou de um não depois do sim. 

Se houvesse um pedido esse seria a mudança. A retirada das máscaras do cotidiano. Uma fuga inesperada. Um conjunto de palavras nunca ouvidas. Uma imagem reveladora. Outras cores, olhares, sorrisos, gestos, gostos. 


segunda-feira, 1 de junho de 2015

O canto mais triste da madrugada

 Você só queria um pouco mais desse veneno que faz parte de sua carne. Você só queria mais um beijo coberto pela bruma de um desejo insólito. Você só queria a tempestade. Ou a ventania. E os pássaros mortos entoam as canções do passado. E o querer é inútil quando se constroem barreiras inatingíveis. 

São essas barreiras, não são? Está tudo tão petrificado dentro da pele. Já não é mais tão fácil encarnar a velha personagem. A angelical face que desliza sobre o amanhecer selvagem que lhe foi entregue. Ou seriam as barreiras das escolhas insensatas? Ou até mesmo o fel que agora escorre de seus lábios. 

Na verdade, são os zumbis que partiram, estilhaçando seu coração já machucado. E a falta de perdão dos seres místicos que envolviam suas frágeis histórias. Ou são apenas palavras jogadas numa madrugada que reluta em partir? Pelo menos não de dentro de si.

E a grande questão não é quem ficou para trás. A maior questão nunca foi essa. São as torres e os muros. As correntes invisíveis impostas pelo cotidiano. É tão banal que choca e surpreende. E o silêncio é mesmo a resposta. Não dentro da metáfora de suas fábulas, mas o real silêncio que preenche as noites cinzentas e conforta os passos.

Seus fios dourados e sua voz rouca. Ele canta eternamente. Depois vem a valsa, depois vêm os gritos, depois vem a discórdia. E esses ciclos se repetem para que tudo faça sentido. Ou sentido algum. São os goles da doce bebida. Ou mais uma tragada do cigarro de menta. Ou a fantasia. Prender-se nas lembranças também pode ser uma solução.

São muitas tolices e uma mente confusa, indecisa. E os julgamentos sempre retornam. Abrem os braços. Em seguida, a lâmina atravessa o corpo e o divide em dois. É sempre assim, não? Um recorte de emoções e um momento ideal que jamais chega. Uma taça de júbilo e mais sofrimento. Afinal, para que as palavras sejam escritas no papel é preciso criar retalhos de dor.

Porém não é tão simples assim. São diversos fatores, mergulhados em mais outros fatores. São os olhares distantes, a culpa, o medo. São universos opostos se colidindo. São os momentos ébrios que trazem desafetos. São intrigas memoráveis. Um pouco de abandono também. Até que uma linha é ultrapassada e, a partir dali, não há mais volta. Não importa quantos sorrisos sejam oferecidos. Haverá sempre um motivo para derramar a derradeira lágrima. A última de muitas que virão.

Seria loucura então? Pedir um pouco mais. Ou até enterrar o outrora. As ilusões. As afeições. O som fino do despertar para o novo dia. As aventuras juvenis. Qual estrada seguir? Qual o problema de não saber? Qual seria a verdade final?

São sim muitos questionamentos. E pensar que há o esquecimento também é tolice. Não há como não pensar. Não há como não sentir. Muito menos fingir que nada importa. Talvez o grande problema esteja na intensidade dos sentimentos. Escolher para quem revelar os detalhes mais profundos. Os segredos mais profanos. 

Agora é fácil enxergar a multidão esperando pelo próximo deslize. E sim, o silêncio deveria ser a resposta. Mas as palavras insistem em sair. Se existisse um sim depois do não. De cada não. De cada olhar evitado. De cada insistência negada. Tudo estaria tortuosamente modificado. Como contar cada detalhe de um tempo que já se perdeu? Como reviver todas as sensações que estão quase se apagando? Como fazer para resgatar um momento que já passou?

Seus rostos são quase nítidos. Suas vozes também. E se pudesse colaria cada pedaço de nuvem quebrada. De céus derrubados. Cada tentativa de autodestruição.