quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Contagem

  Sutil cicatriz de um passado recente. Medos estremecem os sentidos. O caos está grudado em sua pele. As confusões e incompreensões soterradas. Seu coração descompassado já não pode suportar um suspiro de melancolia. Basta um olhar e o chão engole a alma perdida. 

 Pensa em se despedir. Pensa em correr em direção do abismo. Pensa em entregar-se para o vento e todas as suas danações. Pensa. Demais.

 A cabeça arde. Lateja. Explode a aura em cinzas. Recorda o gosto salgado da salvação. O cotidiano é preenchido de adeus. Mais lágrimas. Mais confusões. Mais incertezas. Mais um pouco de dúvida para a completar a devastação dos dias. Uma súplica. Ao destino. Ao Tempo. Aos mares quentes e azuis dos olhos. Daqueles únicos olhos. Mortos.

 Sepulta as dores. Enterra as verdades. Sucumbe. Cobre-se com as flores sufocantes. Permanece na sombra da promessa. Das palavras. Das mágoas. Das cores falecidas. 

 Pálida corrente translúcida. Torres. Chaves. Sangue que verte da pele. Pulsante coloração que desfaz rancores. Retalhos de memórias flutuantes. Encontros nefastos. Pedidos impossíveis. Rosto coberto pela névoa de uma aurora insistente. Sim. Há uma bruma persistente. Determinada. Cálida. 

 Mais flores para cobrir os rostos silenciados. Mais desespero. Mais culpa. E o desespero triunfa. E o silêncio. E os sinos. Badalam todos os sinos. Surdos, os sinos. Pois eles afetam as madrugadas sinceras, mas não escutam seu efeito. E os pecados. Os sacrilégios. As inúmeras contas. As horas relutantes. As ilusões de júbilo eterno. As manhãs sinceras.

 Um dia. As vozes. O canto. A leve brisa que arranca os temores. A distância. Uma escolha. Uma devoção. E tudo é para sempre. Ou para nunca mais. E seu sorriso desmanchou quando a terra cobriu seu derradeiro pedido. Seu singelo e inaudível pedido.

  A correnteza levou suas últimas emoções e cristalizou um único semblante. Vazio. Frio. E seu último clamor foi calado com uma última flor. Jogada. Guardada para a eternidade. E corroeram-se todos os pedaços finais. Enlameados. E entregou-se à terra, grudada em sua carne. Entregou-se até o derradeiro centímetro de pele. Até a chegada do próximo, que lhe fará companhia. Até.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Lapidando

A correnteza afoga o vento. A terra cobre a pálida face. As palavras soterram a alma petrificada. Basta uma memória. Uma sensação. E tudo pode moldar-se, transformar-se. Basta apenas que sinta outra vez a lâmina gélida, cravada na pele.

Os zumbis marcham em múltiplas direções. O infinito é apenas sordidez. O horizonte é cinza e nebuloso.

Foi no outrora não muito distante que se contaminou pelo veneno dos céticos. Foi num passado ainda palpável que incendiou sua aura de menina para entregar-se aos pedidos sinceros. Cruéis. Certeiros. Pestilentos. Surrealmente preenchidos de dor.

Foi. Para nunca mais. Para purificar-se. Para evitar sensações. Para que jamais o topo fosse alcançado. Para que a mágoa restasse. Para todo sempre. Coberto de chagas. De prantos. De escárnios. De dor. De um tudo permeado de nada.

Depois veio o silêncio. E as manhãs. E as canções. E o retorno. E o sonho que não pode ser negado. Ou esquecido.

Porém. Sempre há um. Um porém. E este é apenas coberto de dúvidas. De incertezas. De recomeço. Ou regresso para o mesmo ponto. E o fim é dito depois do sim. Sendo único. Ou múltiplo. Repleto de estilhaços. De descaso e desamor. Compaixão e solidão. Rancor.

Ainda resta o tempo. Ainda resta um pouco de ilusão. De emoção. E tudo já mudou sim. Apenas deixa morar um pouco de cor e vendaval na sua pele. Apenas deixa a chuva entrar. E adentrar a varada. A mente. Os dias. E os caminhos entrelaçados.