quarta-feira, 17 de agosto de 2022

No outro dia



Era ela que subia todas as montanhas, com o seu vestido voando com o vento. Ela, que era de outros tempos, parecia flutuar com o som da flauta fumegante. Todos os seus passos eram firmes e certeiros e jamais aventura alguma substituiu aquele instante reluzente, na qual as preocupações se esvaziaram e o céu permaneceu iluminado por um bom tempo.

É por isso que agora seu coração se preenche de alegria e emoções ressignificadas. Há um tipo de registro guardado na pele, que mescla melancolia, fantasia, sofreguidão e certeza do reencontro. É um júbilo demasiado, mas uma saudade que não se acaba jamais. Todavia, quando está ao seu lado não existe sentimento ruim que chegue. As horas escorrem desesperadas, mas despercebidas. Elas são tão injustas, as horas. 

Porque elas continuam a seguir e o adeus sempre precisa regressar. Nunca soube dizer nem ao menos um até logo, quanto mais performar uma despedida sem prazo para terminar. Como será quando não puder mais fitar a tua face iluminada? Não sabe, porém prefere fingir que não se importará. É mais fácil guardar histórias complexas em calabouços do subconsciente e somente sonhar com as miragens encantadas.

Porque ela é tão somente isto no hoje consumido por sua ausência: uma miragem. Mas, é nela que se segura e puxa da memória todas as lembranças vividas em sua companhia. Porque ela é água que corre em um riacho rebelde e tempestuoso. Ela é serelepe e serena, ela é caos e organização, completude e vazio. Ela é a junção de adjetivos contraditórios, colocados no arranjo mais perfeito possível.

Queria poder lhe dizer toda a verdade ou pelo menos conseguir recordar das montanhas, depois do horizonte, quando o castelo era visto ao mesmo tempo, com as mãos que se tocavam. No entanto, já se sente satisfeita de ter compartilhado alguns instantes de sua existência com ela. Certamente há de esquecê-la também, em alguma transformação de propósitos ou algo parecido. Mas, nunca poderá apagar cada sensação que ela despertou. 

Estão todas fincadas na pele, na mente, em cada filigrana de seu corpo e da sua alma. Nada será como antes. Nada será igual depois dela. Tudo voltou a valer a pena, a fazer sentido, a ser feliz e importante. Então, os breves momentos divididos foram nada mais do que uma salvação, em formato de tardes, cafés, amoras, passeios, conversas preciosas e, claro, do seu olhar que quase afoga de tanta intensidade. Isso sim é impossível de esquecer.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

O chacoalhar dos sinos

 



Mais uma badalada e seu coração irá se espalhar. Por onde anda a garota dos cabelos avermelhados? Por onde passam teus pés neste exato instante e como está sua aura descompassada? 


Certamente colhe amoras pelos campos, corre pelas florestas que a encantam. Ou, talvez, esteja ajeitando os ponteiros do relógio para que saiba o tempo exato de cada atividade programada. Isto porque ela é ouro que não se desfaz.


A alvorada resplandece e sua voz firma seus encantos. Quando fora mesmo que a batida em seu peito encontrou tão sincero som? E é por isso que não consegue segurar a inspiração, a alegria, a emoção de sentir por ela todo um montante de sensações inaugurais e todas as descobertas significantes, que chegam em um lampejo.


Tudo é novo e belo, tudo é cor, fantasia, chamas e voos longes, sem passos pequenos. A deseja sem mais, sem qualquer intenção enganosa ou falsas palavras. A quer até o infinito, nas juras e nas brasas da revolta que habita sua alma; nos suspiros ansiosos e na revoada dos pássaros.


Sinos badalam. Ela está na praça. O relógio continua a correr e ela bebe a sua cerveja em um só gole. É do encontro com ele que foge, é da janela que sonha em se aproximar. Essa felicidade já lhe é conhecida, vem do passado, do outrora no qual seus lábios se tocaram e o adeus foi profano. 


Silêncio, silêncio, silêncio. É preciso abrir os olhos e despertar para o real caminho que irá seguir. A dor no peito regressa e a garganta fecha. Isto é sinal de que o ciclo voltou para o ponto primevo. Agora é esperar pelo sacrossanto gesto derradeiro da sorte. Até que enfim. 

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

O rio dos seus olhos



O rio dos seus olhos é como um poema no qual o desejo é se afogar e jamais retornar para a superfície. O calor de sua alma se espalha pelos campos floridos, cobertos de girassóis. A profundidade de suas emoções, elevam a potencialidade de sua companhia e o coração fica em festa apenas pelo deleite que é estar ao seu lado. Os segundos preciosos insistem em passar e a despedida é cada vez mais dolorosa e intensa. 

Os sinos badalam alto - ao seu redor e em sua pele - e o amanhecer liberta, mas a memória aprisiona. Qual foi a última vez que sorriu tão verdadeiramente que todos os pássaros voaram em perfeita combinação? Não há ali um passo planejado, um tom performado. Nenhuma palavra proferida foi tão sincera como neste encontro selecionado pelo destino. Nunca fora tão feliz, tão pura de intenções, tão inundada de emoções cristalinamente generosas.

A nova pessoa que emerge a cada olhar dela, sabe que não deve modificar elemento algum desta provável amizade. Reconhece também que lutou por meses inteiros e infinitos para que não fosse verdade, para que não estivesse se apaixonando por aquela figura quase celestial. Mas não, não irá colocá-la em seu pedestal reluzente que estava desocupado, não é sua intenção imaginá-la como um ser angelical, sem imperfeições. 

Pelo contrário, fita a sua face e reconhece o que há de melhor ou não, porém também possui a certeza de que jamais avistou mulher alguma que guardasse consigo uma coleção de fatores que somente sonhou um dia encontrar. No entanto, não era para ser assim, jamais planejou que fosse desta maneira, nem em um milhão de anos poderia pensar que viveria algo parecido. Contudo, a sua escrita não precisa ser tão apegada ao real, aos fatos concretos. Ela pode ser sobre a beleza de seus gestos ao colher framboesas e amoras. 

Pode falar também da suavidade de sua voz quando relembra de situações intensas de seu passado ou como a sua atenção não vacila quando está realmente interessada em escutar uma história. Mas, também poderia descrever como seu tom pode ser assustadoramente firme ou como a quebra de alguma expectativa transforma seu semblante e a afasta. Todos estes elementos compõe alguém apaixonante sim, alguém que imediatamente a faz imaginar como seria se Bach e Mozart escrevessem juntos uma sonata. Talvez fosse exatamente como ela: cheia de ventania e brisa suave, um sol que queima, mas cura.

Se fosse ficção, ela seria personagem complexa, seria um riacho, que vira sua corrente sem ao menos avisar, seria a noite estrelada, que se cobre de tempestade inesperadamente, seria o plot twist, o cliffhanger, a gag criativa, a puchline. Todavia, ela é real, não é narrativa. Por isso, se segura forte para fugir deste sentimento tolo, que a domina nesta manhã de quarta-feira. Procura encontrar forças para se reconstruir no período de sua ausência. De certo, irá apagar esta sensação nas próximas semanas e esta espécie de paixão será esquecida completamente. 

Assim, respira e confia no tempo, na maturidade de suas emoções, no foco de seus propósitos, nas viagens, nas novas árvores que irá abraçar, nos parques, nas andanças de bicicleta pelos campos da nova cidade que ocupa, nos livros, no trabalho, em tudo, menos nela. Há de passar, há de existir uma alvorada na qual sua presença carrega apenas o real e não o imaginário. Então, aguarda até que seja futuro e seja completa de novo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O mar e as montanhas



Ela é coberta de ternura agridoce, de céu e inferno, de perfumes, vendavais e cores. Ela é o cuidado atento, que protege do frio em uma noite gelada qualquer. É quase impossível não se encantar por ela de alguma maneira. Entre tempestades e serenidade, o céu se ilumina, o dia se aquece e corre para o lado de fora para ver o sol, para encontrar o fervor do verão presente em cada esquina. Mas, nenhum calor importa, porque há frescor dentro dos seus olhos e mergulha neles infinitamente, até o fim. Ou pelo menos enquanto dura o entardecer sonolento, coberto de cafeína.

Todavia, apesar de tantos encantos e devaneios delirantes, os seus pés permanecem fincados na terra e não se engana novamente. Ela sabe o que está acontecendo e o que pode ou não fazer com estes sentimentos borbulhantes e indevidos. Guardar lá nas profundezas eternas do horizonte mais longínquo é a melhor opção. Não pode mais cometer os mesmo erros, seguir o mesmo tipo de canção. Não irá jamais performar qualquer caminhada errônea e desconexa novamente. Os tempos agora são outros e precisa honrá-los.

Ainda que não seja possível esquecer a profundidade de sua alma e das tardes de alegria incomensurável, não existe estrada que faça os caminhos se encontrarem. Além disso, também não se importa que aqui o ritmo desta música seja outro. Ao menos foi e é feliz como já não conseguia mais ser. Havia perdido a habilidade de sentir júbilo, de se emocionar positivamente, de ter vontade de saltitar e sorrir para todes por onde passasse. Alcançar um riso sincero já é uma vitória. 

E não há mais nada para ser dito neste texto tolo depois desta constatação. Talvez, somente deixe registrado em seu texto, para um futuro não tão distante, que não sabe exatamente o que sente e não tem nem como nomear o que acontece quando a encontra. Tem certeza, porém, que estas emoções são reservadas apenas para os instantes nos quais divide o mesmo espaço com ela. Depois, o vento muda de posição, a atenção é desviada para outros morros, outras paisagens. Então, o que tem afinal? 

Possui saborosos momentos de dias iluminados, brisas que se intensificam, folhas que caem nos ombros, gargalhadas compartilhadas... Estes são fragmentos de uma história que ficará somente guardada na lembrança, porém que será salva da danação de seu hedonismo, do seu egoísmo e de sua insensatez. Até que a página vire e tudo seja mar de novo.