sexta-feira, 25 de setembro de 2020

S



É  engraçado e curioso como sempre estamos buscando alguma novidade, mas o passado está cheio delas. Susan sempre pensava sobre isso quando estava em algum Café ou quando via um filme de alguma diretora diferente. “O novo esta ali”, pensava ela, enquanto dava uma generosa golada em seu café caramelo macchiato. 

“Quando a gente vai se descobrir, não é mesmo?”, continuava ela a pensar. Sempre lhe passava pela cabeça como as respostas já existiam e as pessoas que não tinham descoberto ainda. Pouco há para ser criado. Talvez, tudo tivesse sido criado no planeta inteiro. Talvez, até desde o seu princípio. Só faltava a gente descobrir. 


Para Susan, enquanto ela bebia seu café, em um aeroporto do Rio de Janeiro, com certeza alguma menina, em algum lugar do mundo, já sabia tudo o que ela precisava saber, mas não conhecia ainda. Isso a fazia sentir um alívio imenso, porque não era um caso de “será?” E sim um caso de “quando”. 






“Vai chegar! Ela vai chegar! Na verdade, todas elas vão. As respostas que agora rasgam o peito sob forma de dúvida”. 


Ainda que tentasse evitar, seus pensamentos ficavam rondando os seus medos. Naquela quinta-feira chuvosa, tudo que queria era estar em sua cama, em sua casa, coberta até as orelhas. Mas, não. Susan precisava enfrentar o maior medo que existia em sua vida. Talvez o café tenha sido um erro. Quem mistura cafeína com remédio controlado e comprimido pra enjoo? Com certeza, ela. Se alguém estivesse ao seu lado diria: “Só podia ser Susan!!!!” e daria uma longa gargalhada de desprezo. 


Pelo menos era assim que se sentia Susan. Triste, solitária, desesperada e desprezada. E lá já se iam as horas de espera e havia chegado a tão não aguardada hora do embarque. Nestes momentos, Susan reparava em tudo e meio que já se despedia da vida. Susan vivia de certezas. Se fosse morrer dentro de avião, iria querer ter a convicção de que tinha se despedido de tudo antes de partir desta para melhor. 


Reparava nos rostinhos das crianças, dos idosos, dos adultos. Essa observação vinha sempre acompanhada de um “mal sabem eles” ou um “nem passa pela cabeça destes seres uma provável morte aos céus”. Susan sentia seu coração bater freneticamente quando pensava e/ou falava essas duas palavras juntas em uma sentença. Morte e céus. Não combinam. É desesperador demais imaginar que um ser humano pode ter sua vida posta em risco e nem ter a chance de escapar, de sair correndo. 


Um dia um jovem contou para ela que tinha sobrevivido à três quedas de avião. Aquilo foi um choque para Susan. Como aquele rapaz ainda conseguia viajar era um mistério profundo para ela. Como ficar em paz sabendo que só esse carinha que ela conhece já viu um meio de transporte aéreo desabar ao chão por três vezes. Era perturbadora aquela informação. 


Depois, vinha a tal parte que Susan sempre dava risada. O único momento de júbilo para ela. O momento de ver quem seriam as pobres almas que se sentariam ao seu lado. Susan sabia - e esses indivíduos não - que aquelas duas pessoinhas teriam que aturá-la perguntando a cada 20 minutos o que era “aquele barulho estranho”. Ou, as milhões de vezes que surgia a questão do horário. “Que horas são?” 


Susan gostava de saber o horário, pois organizou todo um sistema mental para sobreviver dentro da aeronave. “Só mais 15/20/30 minutos de sanidade”. Ela repetia essa frase como um mantra e se controlava a partir disso. Veja bem, se alguém no mundo acha Susan uma péssima colega de voo, essa pessoa não tem a mínima noção de como poderia ser pior. A vontade de Susan era de gritar da decolagem até o pouso a seguinte frase: “VAMOS TODOS MORRER!!!”


Impossibilitada de realizar tal intento, ela criou o tal mantra, combinado com varias respirações e, claro, com os papos com os passageiros ao lado, que ficavam chocados com a sua falta de pudor em interromper o que estivessem fazendo durante o voo (dormir, ouvir música, cuidar de uma criança. Não importava nunca). 


“Olha lá, a aeromoça ensinando como se salvar e ninguém prestando atenção. Pois eu presto, senhora aeromoça”, pensava Susan, enquanto sorria para a senhora que explicava o funcionamento em situações de emergência. O sorriso de Susan era aquele falso que aprendera a usar aos 3 anos de idade - ou talvez antes - para falar com os amigos de seus pais. 


É interessante pensar que ser natural é esquisito para Susan. Só soube ser assim. Um sorriso no rosto, a cabeça balançando que sim e o coração aberto para receber todos. Menos na hora que o avião começava a correr, vinha a voz do piloto e já não era mais terra. 


Ar. Ar. Mais ar. E nuvem! Nuvens e mais nuvens. O chão virando pontinho até sumir.


Sim. Talvez fosse dentro do avião o único lugar no qual Susan era ela de verdade. 

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