terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Grão derramado


 Com todas as verdades anunciadas, viu o céu desabar em suas mãos. No confinamento de sua torre improvisada, deixou que o pranto escorresse cristalino. Com o coração apertado e ainda mais estilhaçado, respirou fundo e seguiu seus passos em direção do novo. Agora, com os olhos verdadeiramente abertos, renuncia o desejo e sela um beijo com o caos. Se todos os pedidos foram entregues, não há rumo algum que possa tomar sozinha.

Dentro do medo, há sempre um mistério para ser desvendado. Inserida na fuga, não poderá jamais habitar o seu jardim florescido. Vestida de coragem, esta que corre em suas veias, gostaria de emprestar um pouco de si para a outra. Suspirando em demasia, roga por respostas um tanto imediatas. É porque a exaustão tomou conta de sua aura e todas as suas energias foram sugadas nesta batalha com o invisível.

Fitando a sua imagem verdadeira, reconheceu nela o que mora também em sua alma. Vendo o espaço entre elas aumentar, gradativamente, sentiu o chão se abrir e a razão se esvair descompassadamente. Cada passo para um futuro separado era como uma martelada certeira. Perdida e sozinha, procurou afago nos goles intensos, em cálices profundos, de venenos legalizados. Sorveu em desespero o líquido adocicado, enquanto barrava o choro insistente.

Depois, decidiu abandonar a canção e escutar tão somente o silêncio. Em sua cela colorida, deixou que o vendaval passasse e cortou as palavras lancinantes que queriam sair de sua boca. Preferiu guardar, com muito cuidado e com cadeados múltiplos, toda a emoção presente dentro dela. Após seus olhos conferirem tanto desprezo, como regressar para o ponto inicial? Como confiar na certeza de suas intenções? Como ser inteira ao formular frases?

No entanto, há de haver uma jornada outra, esperando para ser iniciada. Há de existir um recomeço reconfigurado, escondido em algum lugar do destino. Todavia, deixa que o mundo gire e complete as suas voltas eternas. Deixa que o Tempo lhe conte qual será o papel dela em sua caminhada. Ou, até, se haverá algum espaço possível. Assim, não mais teme um novo encontro. Assim, não cria ressentimentos, amarguras ou dissolve a lealdade. Pelo contrário, é leal sem precisar de nada em troca.

Ainda assim, espera a sua decisão, pois a chave está lá, nas suas terras, nas suas mãos. Ela que é dona de todas as sentenças ideais, do horizonte radiante, dos sorrisos doces, dos olhares verdadeiros, ela retém em suas mãos este objeto glorificado. Sim, somente ela pode resetar ou prosseguir com qualquer história. Entre flâmulas e ar, trará consigo o que for de sua vontade, pois do outro lado não existem pedidos, cobranças ou desejos insensatos. Então, se quiser (e puder), venha.  

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