quinta-feira, 17 de março de 2022

Desvanecendo...



Tornou-se uma lembrança, uma vaga lembrança, um borrão. Na penumbra lamacenta, contabiliza mentalmente os dias que não mais se viram. O amanhecer e a ausência revelam as verdades, bem como a fuga irresponsável. O sol reluzente é também um convite para fortificar a verdade de seus dias. Tudo permanece caminhando, menos o seu retorno, pois este não tem previsão ou necessidade. A precisão com a qual seu rosto desvanece na memória é tão cruel quanto o seu descaso.

Não que um dia tivesse feito promessa alguma. Pelo contrário, negou qualquer emoção, seguiu seus passos e nem ao menos olhou para trás. Todavia, sua pergunta singela, ao lado de uma expressão facial empática, continua ressoando em seu peito. "Vai ficar aí?", questionava com olhar de pena. Enquanto isso, atordoada e sem respostas, a fada consumia toda a fumaça do mundo, em minutos longos, que custavam a passar. Depois, foi tudo poeira e um pesar que não se dissolvia. 

Como era mesmo o timbre da sua voz? Como era escutar o seu nome saindo de sua boca? Ela virou apenas miragem e uma espécie de musa fantasiosa. Transformou-se em inspiração para seus versos, para sua escrita. E talvez seja o lugar mais injusto para se ocupar. Como traduzir em palavras a perfeição de seus gestos, de sua respiração ou convicções? Não há como transmitir qualquer sensação semelhante ao que viveu, quando os pássaros ficaram mudos e não a conhece com a profundidade necessária.

De todo modo, busca guardar seus pensamentos em segredo, ainda que escreva quase cotidianamente em seu diário de confissões. Há uma esperança de que tudo fique guardado para a posteridade, quando não haverá mais suspiro algum para ser expelido por seu corpo e quando poderá, finalmente, vislumbrar o passado com humor e sem sofreguidão. Contudo, o agora carrega consigo certa paz. Não tem mais como chacoalhar seu universo. 

Está protegida em sua torre colorida e fez um muro, cheio de espinhos, vindo das rosas sepultadas. Não era isso que desejava? Apagar a borboleta do coração e seguir em direção do horizonte de suas vontades. Vontades outras que não estivessem ligadas ao desejo lancinante de tê-la em alguma medida. Porque foi isso, não foi? Uma concupiscência incessante, que deixava os olhos turvos, deletava o apetite, consumia sua pele. 

É sim risível no agora, todas estas emoções injustificáveis. O que eram elas a não ser objetivos guiados pela carne, por um prazer que seria momentâneo e retiraria a paz. Porque, de quando em quando, reflete sobre como seria a estrada caso houvesse correspondência. Nunca encontra resultados tranquilos. O problema central foi a danação inicial. Como escapar das lágrimas e da dor depois disso? Já não sabe. Não tinha como haver serenidade nesta trama insólita e despudorada. 

Como arrancar uma rainha de seu castelo cintilante e não criar uma guerra ao final desta aventura? Mas, não quer mais se perder em devaneios. Pelo menos, não nestes. Quer respirar aliviada e saber que fez todo o possível para alcançar o topo da alvorada. Fosse pelo sim ou pelo não, para conquistá-la ou esquecê-la, recorreu para todas as ações que conhecia.

Enfrentou seu maior medo, pisou na mesma terra, derramou suas frases confusas, escutou as sentenças dolorosas, regressou para sua vida, jorrou prantos intermináveis e procurou novas melodias para que pudesse sonhar outra vez. Seguiu a cartilha da sorte e reivindicou seu local no mundo, abriu os braços e gritou para o vento que havia chegado o momento de seguir, enfim. Sim, no ontem cheio de júbilo, contemplou a saída e decidiu que era hora de abrir aquela porta. 

Se ainda necessitará escrever mais sobre esta fábula perdida, não sabe, porém se sente mais forte para ingressar em uma outra narrativa. No entanto, com um único fio final de paixão que ainda lhe resta, sonha. Em delírios misteriosos, sente que ela chegou até o desfecho desta missiva torta, escrita em uma manhã de março. Se ao menos lhe teve como leitora, já fora o suficiente.

Se ao menos a fez pensar sobre o que está guardado lá no fundo da alma, já valera a pena. Se recebeu como prêmio uma musa eterna, mesmo que cheia de camadas de ilusão, tudo se cobre de um sentido maior, intenso e cheio de significados novos. Pois, assim, finaliza o texto deste hoje ensolarado, dizendo: "Schmetterling, ich liebe dich, aber ich kann nicht mehr warten". 

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