quinta-feira, 3 de março de 2022

Sentimento empoeirado



Retorna ao seu diário de confissões, obstinada em compreender de onde saíram tantas emoções injustificáveis. Se fora ilusão desde o princípio, ao menos no outrora havia o encontro quase cotidiano. No agora, tudo é resquício de emoção e semeia emoções por uma miragem. 

Ao ler sobre ela, encontra pedidos para que vá embora e vire a página de uma vez. O conselho sempre fala sobre prudência, sobre viver intensamente e ter a certeza de que não há possibilidade de movimentação do outro lado. Assim, como não perdera a sanidade completamente, escuta o que o destino deseja para si e tenta se desgarrar da fábula insólita.

Todavia, sua voz ecoa na memória. Nos sonhos, ela chega triunfante e certeira. Todas as noites, intensamente. As madrugadas acabam sendo sempre iguais, pois desperta com o coração descompassado e praguejando o seu subconsciente. No aqui e agora, restam apenas as promessas das supostas novas melodias e se arrasta pelos dias, procurando aceitar os convites alheios.

No entanto, não era nada disso que gostaria de proclamar ao vento. Queria falar sobre seus devaneios com a borboleta, sobre as ilusões vindas do horizonte inalcançável, de todos os caminhos floridos que esperariam por elas, na alvorada da sorte. Queria discorrer sobre o desânimo diante de sua ausência e como qualquer nova recordação já alegraria um tanto o coração. 

Contudo, como falar de romance, como falar até de amor - se isso é possível, diante da presente situação -, quando todos os mares secaram, quando nem uma palavra foi escutada por meses, quando cada minuto é melancólico e de pouca energia? Mas, não quer que seja assim. Não quer condicionar o seu júbilo a existência da outra. 

Pelo contrário, quer conseguir aceitar de bom grado os novos olhares de interesse, as conversas frugais, os pedidos preenchidos de concupiscência. Ela quer voltar para o mundo real, no qual as canções tocam em último volume e pode pertencer a todas elas, em uníssono, gargalhando da sorte de ser tão bem recebida. 

Pois é justamente nisso que precisa pensar: quando foi que preferiu alucinar por uma composição inacabada ao invés de se entregar ao que há de palpável pelo mundo? É impossível compreender os motivos concretos para este apego tolo e quase juvenil. 

Ainda assim, quer rasgar a racionalidade e gritar para o mundo que pouco importa a razão, pois olhou para ela e sentiu fisicamente que tudo havia se transformado ao seu redor. Em cada tontura, falha da respiração e coração acelerado, compreendeu o que sempre foi dito sobre paixão. 

E o que fazer com todo este sentimento que não tem para onde escoar? É preciso deixar que ele jorre no poço mais fundo, até o fim, até a gota derradeira. Depois, colocar uma tonelada de terra por cima e nunca mais olhar para trás…

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