sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Entre a culpa, a danação e o recomeço



A vontade de escrever nunca cessa. É como se escapasse do abismo em cada frase escrita em seu diário de confissões. Ao mesmo tempo, se pergunta o que há mais para dizer sobre este sentimento, que desvanece pouco a pouco, em todas as manhãs. Não há verso que salve completamente, muito menos que a traga de volta. A incerteza se os devaneios chegam até ela, em algum momento, também apertam o coração estilhaçado. Se ao menos buscasse permanecer em sua trajetória, já lhe seria suficiente.

Porque a sua presença é cálida, seus sorrisos são como um prêmio, sua voz é abrigo. Contudo, se acredita mesmo nas cartas, sabe que o caminho será o oposto. Ela irá fugir. Seja por medo, dúvidas ou desprezo. Seja por ser ela quem gosta de caçar ou por seus sonhos serem distintos dos seus. Não importa. Ela está presa em seu castelo cintilante, amarrada em seu disfarce e todas as bruxas do mundo já lhe pediram para abandonar esta canção.

Ainda assim, mesmo que tentando deixar tudo para trás, há algo em sua mente que insiste em acreditar que esta história não acabou assim, tão subitamente. Existe algo pulsando por aqui e por ali. Algo que é emanado de suas terras, chega até ela e já não sabe mais se os sonhos são proféticos ou simples armadilhas do seu subconsciente. Talvez, este seja o maior devaneio de sua vida. Talvez, tenha perdido a noção completa da realidade. Ou não. Talvez, ela esteja sentido exatamente o que ela sente e tudo que sabe não perdeu o sentido.

Como fazer para escapar desta sina então? Na verdade, ela sabe. É preciso abrir os olhos concretamente, abrir espaço para novas melodias, se arriscar e deixar a borboleta de lado. Todavia, teme o dia que esquecerá dela totalmente. E este pavor se espalha pela aura e já não sabe como prosseguir de maneira leve e despretensiosa como sempre seguiu. Porque somente queria alcançar este horizonte e ver o que habita do outro lado, de verdade.

Ainda há a dúvida cruel. Ainda não pode fingir que não enxergou a sua plenitude ao contemplá-la. Mas, o que queria? Que deixasse solto o rumo de seus passos? Que avistasse o seu semblante modificar quando olhava para ela e não fizesse nada sobre isso? O que poderia ter feito para não perdê-la? Estas perguntas tolas rondam seus pensamentos, mas, no fundo sabe, que não existe nada que pudesse ter feito de diferente para que houvesse um outro resultado.

Ela não é o suficiente para a outra. Por ela, os sinos não dobram, os pássaros não cantam e nem a coragem se instala. Caso fosse uma canção para a borboleta, ela não hesitaria, não haveria como suportar a sua ausência e todas as preces seriam atendidas. A fuga é impossível quando as emoções são pulsantes e reais. O fato derradeiro que precisa encarar de uma vez por todas é que amou sozinha e já não há o que fazer a não ser lamentar pelo passado incendiado.

Deixa registrado, porém, que se um dia a luz brotar sob sua face e a redoma fantasiosa desmoronar, ela terá, ao menos, um olhar fraterno da fada, - que um dia por ela fora apaixonada - um ombro amigo, um abraço sincero. Não é fácil seguir por esta estrada e é necessário saber que existe alguém do outro lado, com a luz para ser um guia. Porque, talvez, ela demore demais para sair de suas ilusões e por mais que tenha segurado esta fábula insólita por tanto tempo nas mãos, não sabe o quão mais aguenta esperar por uma reviravolta, por uma palavra sequer de aproximação.

E, sim, perguntou nas cartas outra vez sobre ela. E, sim, o destino mudou, os caminhos se afastaram e, mesmo que se encontrassem, ela ainda não estaria pronta. Teria que aguardar não sabe quantas eras, para que suas intenções fossem palpáveis. Para quê esperar então? De certo, ela pode até tê-la esquecido e nem lembrar mais de seu rosto, de sua presença. Tem que partir. Agora, o mais rápido possível. Mesmo querendo ficar, mesmo querendo destruir todas as barreiras com seu próprio corpo, querendo lutar a cada amanhecer para conquistá-la. 

Dentro de todas essas contradições, se deita, se afoga e se condena por não ter virado a página. Contudo, está quase lá, consegue quase tocar no portal da liberdade, do que está por vir na próxima esquina. E sabe que ainda vai demorar mais um pouco, porém irá encontrar a paz, em algum momento. E, também, irá continuar escrevendo, expurgando estas emoções tolas, até que não possa mais, até que tenha apagado a borboleta da memória de forma completa. 

Até lá, espera que ela esteja acompanhando tudo, espera que ela encontre a determinação para ser quem é e que a perdoe por seus arroubos "juvenis", que não odeie suas frases confusas. Porque a paixão lancinante tem desses egoísmos, tem essa sede interminável, esse desejo que queima a pele, essa vontade inesgotável de possuir até o último gole. Entre o perdão, o desmazelo e a convicção de que o amanhã será melhor do que o hoje, finaliza a sua escrita. Por hora, pelo menos. 

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