domingo, 5 de fevereiro de 2023

Revirando a sorte

 


O som se põe, as flores rosadas desaparecem, mas os sinos não tocam. A estação está prestes a mudar, os pássaros vêm e vão, mas os sinos não tocam. Os olhares se encontram, os risos se espalham, a poeira toma conta das cartas e dos cartões, mas os sinos não tocam.

Quando hão de tocar? Se seus lábios rubros despejam palavras doces e a madrugada entrega sonhos preenchidos de sua companhia, por que não deixas que os fios vermelhos, que lhe cobrem a face, derramem em suas mãos, para que o beijo seja então selado? 

Quando calor, frio, mares e tempestades irão se encontrar novamente, para que todos os horizontes ganhem sentido outra vez? Seria possível eliminar as perguntas e encarar de vez, em um só trago, que seus destinos se cruzaram e agora serão habitadas por uma saudade infinita? Na verdade, talvez, esteja enebriada por sua imagem e tenha perdido os sentidos, enquanto escreve.

Mas, é que lembrou das árvores cinzas, que despejavam beleza, ao escutar a sua voz cantarolando alguma canção tola. É que fitou seu olhar ansioso, ouviu a sua fala afiada e sentiu a pupila dilatar. Ela é sua, ainda que em um mundo paralelo, coberto de folhas deixadas pelo outono e pelo vento frio - daqueles que fazem o passo acelerar.

Ela é sua, dentro do seu coração apaixonado, que não consegue ver graça em nenhuma outra mulher que não ela. Ela é sua, na madrugada febril, às 4 da manhã, quando a pulsação acelera e já não sente mais medo de amar. Ela é sua, até que desperte de seu devaneio de imperatriz teimosa. 

Depois, reconhece que ela floreia por outros campos, entrega-se para outras terras, abraça o cavaleiro sonso, presa nos trilhos que a enclausuram. Foi a sua amada que construiu seu próprio cárcere, feito de metal, neve, faíscas e pavor. Foi a sua amada que não lhe disse uma palavra de despedida. 

Foi a sua amada, que nunca foi sua na realidade, que cravou um punhal certeiro na alegria, que um dia ela mesmo desenhou em seus caminhos. Por isso, nunca mais terão suas longas caminhas, as confissões e os olhares cúmplices trocados. Nunca mais confiança, segredos e conexões intensas. Nunca mais gargalhadas que preenchem jardins e lábios que umedecem ao mínimo sinal de reciprocidade. 

Nunca mais. Agora, resta tão somente o aguardo para o próximo sinal do relógio. Já é hora de se despedirem de novo, para que venha um outro ciclo extenso, para uma alma dividida em duas. 


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