quarta-feira, 8 de junho de 2022

Maciez



Cada traço do seu rosto agora é memória. Cada dia na distância significa a impressão de um coração estilhaçado em meio ao caos. Correndo e sonhando sem parar, engole a alegria presente em outros momentos. Todos estes momentos sem ela e sem o seu sorriso tão apaixonante. Quando foi que a sensatez escapou de suas mãos e passou a amá-la tão profundamente?

Foi naquele dezembro incendiado, talvez. Ou tudo isto não é amor, é tão somente uma alucinação pungente, é véspera de insanidade despreparada. Quando foi que não pode seguir por outros rumos por somente conseguir enxergar uma face única? Fora em outra primavera que decidiu jamais se prender ao impossível. Mas, com a sua chegada, falhou em seguir este propósito.

Por que ela? O que há ali de tão especial? Não existe nada além de uma fábula insólita nesta canção. Todavia, cada recordação conta com um poder incomensurável e o seu subconsciente a amarra ali, neste sentimento desprotegido. Queria que tudo passasse despercebido e nunca mais escrevesse sobre o seu rosto corado de sol, sua boca aparentemente macia e seus olhos profundos. 

A sua presença era quase inflamável. Contudo, sua ausência também o é. O que fazer com estas emoções inúteis? Qual seria o propósito de tantas missivas jogadas ao vento? Talvez, precisasse somente de um beijo para ter certeza de que poderia partir. Há o perigo da comprovação, é bem verdade, mas não tê-la de forma alguma é ainda mais cruel.

Por isso, sonha. Delira com a correspondência, com alguma aproximação. Uma amizade? Um consolo? Uma palavra carinhosa jogada no meio do espaço… Engasgada com tudo que sente, está exausta de se esconder. Queria segurar em suas mãos, olhar em seus olhos e contar tudo, o que ela já sabe e o que jamais imagina, sobre o vento, as flores e o espaço. 

Também poderiam rir juntas sobre as novas tiragens, sobre o canto dos pássaros ressuscitados, sobre cada molécula de paixão espalhada pela corrente sanguínea. Caso fosse sincera, poderia tentar compreender ao seu lado as razões para tamanho encantamento e como o tempo jamais o dissolve. É, é por isso que escreve tanto. É para que diga tudo que necessita, pois acredita que continua a acompanhar os seus escritos. 

Mas, pede desculpas, pois já não constrói frases tão lógicas ou belas. Tudo é fragmento, tudo é anúncio de desespero, tudo é espera infinita. Quando ela vem? Quando tentará encontrar a resposta para o disparo do seu coração e para a insistência de seus pensamentos sobre a fada? Não precisa mais aguardar, as soluções estão todas em sua mente que processa cada acontecimento lentamente, mas que esconde a alvorada por puro pavor.

Pois já não importa quanto tempo demore. Um dia a curva vira linha reta, com um encontro no final da estrada. Agora, ela ri e espalha pela terra que aguardaria cinco, dez, mil anos se fosse preciso. São várias vidas, não são? Caso elas existam, as várias vidas, o tarô estaria correto e já teriam vivido e revivido todo este caos, toda esta narrativa insensata. 

Então, sendo novo ou repetido, em algum momento existirá uma salvação. Torce, porém, para que esta venha em formato de beijo cálido de uma boca macia prometida. Será eternamente feliz neste dia iluminado. 


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