quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O Último pulo do ano




Ela é feita de sol, não é? São seus cachos que iluminam o jardim de pedras que habita sua alma. É seu sorriso que desfaz os oceanos de dor em dias chuvosos. Foi por ela que respirou fundo e disse um sim como nunca antes. Prometeu, até para si mesma, que nunca iria agir como no outrora. O seu coração foi entregue, estilhaçado, em uma bandeja de prata cintilante. Com um júbilo intenso, proclamou todas as palavras amorosas guardadas e trancafiadas na última torre cinzenta do céu. 

Após tantos pensamentos confusos, dores impronunciáveis e quedas de abismos infinitos, viu, pela primeira vez, em muito tempo, um resplandecer coberto de cores. Mas, não era tão simples, não era como no outrora. Jamais havia sentido e descoberto algo assim antes. Era sempre espantoso observar as novas emoções brotando em sua alma. Cada dia uma distinta revolução dentro de si. O segredo sussurrado na madrugada foi abandonado para que pudesse pular sem pensar duas vezes.

Lançou-se em direção do precipício, do alcantil mais alto e supremo. Durante a queda, sorria largamente, tola e preenchida das mais sublimes ilusões. Ao final do tombo apavorante, abriu os olhos e apenas encontrou os destroços de si. Coberta de seu próprio sangue - porém, sem desfazer a expressão de contentamento, colada na face -,  estava junto com as decepções provocadas pelo impacto do pulo que pensara ser infinito.

Após o desfecho de sua ação precipitada, permaneceu jogada, ensanguentada, esperando o próximo raiar do dia, o resgate, a reviravolta, uma surpresa inalcançável. Tentou se manter respirado, no entanto. Até a chegada da hora da decisão derradeira: levantar ou permanecer estirada, até o desaparecer da consciência, coberta pela lama rubra que a soterra devagar.   

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