terça-feira, 25 de outubro de 2022

Promessa de primavera



Tece os fios da saudade, junto com as lembranças de seus olhos tão profundos. Depois, começa a reler as suas palavras diretas, deixadas em um cartão postal tão delicado quanto ela. Na verdade, ela pode ser este girassol, que corre em direção da luz e que tem uma energia vibrante única, mas ela também conta com um lado prático e distante, que afasta e provoca um aperto no peito. Todavia, não deseja evocar a melancolia, que se alastra em seu coração, enquanto escreve e recorda daquele adeus, entregue em uma noite fria e preenchida de emoções tão complexas.

O que a fada deseja, na realidade, é poder declarar todo o amor que sente por ela e que está escondido do girassol. Apenas o seu diário de confissões e as árvores de Marburg sabem tudo sobre este sentimento que a tomou tão repentinamente, sem avisar, sem qualquer premeditação. A fada foi arrebatada por esta emoção lentamente construída e solidificada. Em cada encontro, a sensação de enamoramento foi ganhando sua alma.

Em desespero, ela tentava negar que estava se apaixonando e procurava sentido em qualquer outra canção, em qualquer distração que aparecesse. Todavia, não adiantava o quanto corresse, sua face resplandecia na memória, onde estivesse, principalmente quando os sinos soavam ou quando via as pétalas de flores rosas caindo pelas calçadas. Quanto mais procurava fugir, mais se sentia enlaçada naquela história, naquela estrada insólita, que acabou lhe rendendo pesadelos, tremores e coração demasiadamente acelerado.

No entanto, quando estava ao seu lado era somente paz, júbilo e completude. Jamais, em toda a sua existência, havia experimentado uma felicidade como aquela. Todos os detalhes sobre o girassol encantavam a fada: o jeito, a voz, a risada, os conselhos, os olhares... Cada pedaço deste encontro faz com que ela tenha certeza de que nada mais importa neste mundo, a não ser os momentos que passou com ela, mesmo que estes tenham sido tão efêmeros, singelos, despretensiosos e simples. Porque, na verdade, foi exatamente por eles serem assim que ela se sentiu tão conquistada, tão abalada e tão entregue.

Mais surpreendentemente ainda foi o fato de que a fada manteve todas as palavras engasgadas - que formam um nó em sua garganta até hoje - para ela mesma. Não emitiu um som de confissão para o girassol. Porque ela é somente segredos, distância, não correspondência. Tudo que ela poderia oferecer já lhe foi entregue. E se sente satisfeita com isso, é bem verdade. O que mais alguém pode oferecer que não o melhor de si, a partir de cada situação que lhe é requerida? Não poderia ofertar nada mais além de sua companhia e, mesmo assim, ela foi tão além disso, não foi?

Ela lhe mostrou um mundo completamente distinto, um universo no qual é possível se tirar o melhor de cada situação. Ela lhe ensinou como aproveitar melhor a vida, a deixar para trás rancores, a abrir os olhos bem abertos para cada sinal da natureza, para qualquer lampejo de alegria, para cada detalhe ao redor. Porque, ainda que contida, ela é festa, ela é uma ventania, daquelas que ficam seguradas pelas janelas e é somente possível escutar o som que vem de longe. Mas, caso as janelas sejam abertas, o vento se espalha e todo o espaço é tomado por ele. 

Ela é força controlada, serenidade e paixão, fragilidade e força, é um misto enigmático de adjetivos, que não há uma palavra sequer que consiga resumir toda a sua personalidade. E é por esta razão que a ama, que a admira, que torce por ela, que sente sua falta. E é por isso que procura seguir a sua jornada, mesmo que precise lidar com a sua ausência, porque sabe que é pelo fato de todo o seu emaranhado de características existir que não há lugar algum reservado para a fada. Não, não há. Existem novas rotas, novas chances de tentar encontrar paz e segurança ou, até mesmo, de tentar amar de novo. 

Contudo, nada será como ela, jamais. Ela é única e parte de si se sente honrada somente por ter cruzado o seu caminho. E precisa encerrar essa escrita antes que ela se transforme em piegas e fique mais tola ainda. Assim, termina mais uma junção confusa de palavras, com a aura incendiada de nostalgia, com os olhos marejados, a mente confusa e a pulsação em fervor. Queima, arde, entra em combustão de tanta saudade, porém engole todas as suas emoções. 

Ela se segura firme nas fábulas, na rotina, nos trabalhos, nas suas falas suaves de tranquilidade - que agora tenta emitir, sem pestanejar. Ela busca, com todas as forças que habitam seu corpo, abandonar o amor que está sentindo, porque precisa deixar ele lá, no banco rodeado de árvores, em frente ao rio com cisnes, naquele cantinho no qual jurou que um dia lhe contaria toda a verdade. Talvez, quando o castelo for avistado pelas duas novamente, poderá lhe dizer tudo que sempre sonhou falar. 

Talvez, quando os sinos badalarem insanos e sem parar, quando o tiquetaquear dos sinais de trânsito retornarem, quando todas as bicicletas seguirem do mesmo lado, quando os pássaros voarem perante os olhos das duas, quando tomarem um longo gole do melhor café do mundo juntas e sorrirem de satisfação, quando a noite somente chegar às dez horas, quando for primavera ao mesmo tempo, quando respirarem o mesmo ar, aí, quem sabe, irá se derramar de paixão e de versos em sua frente?

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