quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A quebra


Quanto tempo até que se vejam novamente? Talvez, nunca mais tenha a sua presença em sua vida. Essa sensação é enlouquecedora e faz o coração apertar em um descompasso delirante. A garganta fecha e mal consegue respirar. Os seus dias são mornos e cinzas outra vez. A sua luz não está ali para guiá-la e tudo que possui é a solidão. A sua jornada segue, acelerada e cheia de atividades necessárias. Todavia, a mente viaja e cruza o oceano, permanecendo ali, naquele lago encantado, repleto de árvores que já conhecem tanto os seus segredos.

Por onde ir? O que realmente deseja neste momento? Ela não sabe e permanece confusa sobre seus próximos passos. Talvez, se estivesse ao lado do girassol, ela pudesse formular cada detalhe do que fará com sua trajetória daqui em diante. No entanto, voltou a ser sozinha e dona de cada escolha torturante. Agora, tudo parece ter sido uma ilusão, um sonho longínquo, um devaneio cruel e despudorado. A fada está tão atordoada que esquece da coesão em suas palavras e somente despeja pensamentos em seu tolo diário de confissões.

O que ela sabe e tem certeza é que nada faz mais falta do que sua risada. Logo em seguida, vêm a sua voz e o seu jeito espontâneo. Quem colhe amoras no meio de uma conversa trivial? Quem pega uma casca no chão e diz sorridente que dentro dela há uma oleaginosa fantasticamente comestível? Quem cessa tudo somente para mostrar um castelo que está ali ao longe e merece ser contemplado? Não houve como a fada não se apaixonar, não existiu caminho diferente para seguir que não o de amar este girassol, que está em busca de se contagiar com qualquer luminosidade que surja.

E é por esta razão que as lágrimas correm por sua face, que não consegue mais encontrar júbilo em nada, que fita o oceano e desagua junto com ele, que sussurra para o Universo que lhe dê uma resposta para que possa trilhar o caminho anterior, sem pensar nesta breve pausa que ganhou de sua dolorosa vida sem cores. Nada será como antes, na verdade, muito menos ela. Somente precisa encontrar o brilho outra vez e entender que é preciso aproveitar os dias ensolarados, a companhia dos amigos, os prazeres de seu trabalho, a cerveja gelada, o mar que abraça, os atabaques que ressoam. 

Ela necessita se reencontrar, sem perder as modificações dos últimos meses, mas também sem deixar para trás quem realmente é. Mas, não pode mentir para si mesma e dizer que não está apaixonada. Mesmo que sem correspondência, mesmo que ela esteja do outro lado do oceano, com fusos e estações distintas, com toda uma vida sem ela, sem ao menos se importar com sua ausência, ela está. Nada disso interessa para a fada boba, porque remendou o seu coração estilhaçado, apenas para deixá-lo disponível para sua amada. 

Quem sabe qual será o seu destino daqui para frente? Resta esperar para ver. Quando os sinos tocarem  alto novamente, ela irá abraçar todas as chances possíveis. Em cada badalada, um suspiro de alívio surgirá. Porque os sinos são seus, bem como as praças e as flores rosas, que caem nas janelas. A alegria é toda dela, juntamente com as promessas do passado e com um abraço intenso de despedida. "Seja feliz", disse a fada. "Você, seja feliz você", disse o girassol. E nunca mais se viram, porque a fada nem ao menos teve forças para olhar para trás e fitá-la pela derradeira vez. Foi ali que um pedaço de si ficou preso nas ruas de Cappel para todo sempre. 

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