sábado, 12 de novembro de 2022

Perto do fim, um recomeço



Seu coração descompassado criou musas translúcidas, em torres de areias cristalinas e cobertas de fel. Em sua tempestade cintilante e turbulenta, se viu perdida numa sequência de paixões dolorosas e impossíveis. Ambas possuem porte de rainha guerreira, são como imperatrizes desbravadoras de sonhos e desejos. Delas, obviamente, pois as duas olham para o horizonte e somente param quando chegam até lá.

Todavia, as semelhanças cessam por aí. Enquanto a primeira é fervor, vendaval incendiado, caos, simulação oblíqua e disfarce, a outra não poderia ser mais diferente. Quase como um ser místico que aporta na vida do outro para irradiar luz infinita, a segunda é doçura encantada, é riacho doce que amolece o coração até das fadas mais alucinadas.

No entanto, talvez esteja errada em compará-las, justamente por elas serem tão distintas. Mas, há esta única conexão entre as duas e precisa compreender a razão de padrões tão repetidos, ainda que em lugares completamente diferentes. A ninfa dourada, que rege o mundo com seu sorriso e se transforma em girassol, chegou lentamente, até florescer. Já a borboleta petrificada veio como um atropelamento, daqueles que fazem o corpo estremecer.

Calmaria de um lado, ventania do outro. No meio, a fada despudorada e tola, que insiste em se distrair com canções irreais, com luzes que brilham insanamente, mas não por ela. Mas, agora, não pode mais. Não consegue mais sentir um fio de paixão sequer, sem que se arrisque a não querer continuar. Após um amor devastador, em meio ao caos da peste e das mazelas de sua terra, jurou com todas as forças que jamais se entregaria ao amor novamente.

Contudo, se viu perdidamente enamorada da borboleta petrificada e viveu a história mais dolorosa e insana possível. Em seguida, cambaleante, mas já curada, se viu rodeada da cantiga mais bela, suave, carinhosa e fascinante do mundo todo. Distraída com a sua face, sua voz e companhia, não percebeu que estava pulando do poço e foi, assim, até o fundo, até não poder mais, até descobrir que ela sabia de tudo, o tempo inteiro. Nunca foi uma habilidade da fada esconder suas emoções.

A fada diz tudo sobre si e deixa o fogo queimar dentro da sua alma. Brasa por brasa, grita para o Planeta inteiro que ama alguém e nada mais importa. Ama tão fortemente que se viu arrebatada de uma confusão mental que jamais poderá explicar. Em uma noite cinzenta, encontrou a borboleta petrificada, junto com seu dono, ambos engaiolados em convenções. E como numa convulsão alucinante, seu corpo tremia em espasmos incontroláveis. Ao mesmo tempo, pensou imediatamente no girassol, no castelo, no lago. 

Ela tentou buscar o respiro aliviado, que por tantos meses foram a sua salvação. E não está falando de uma paixão por uma pessoa e sim por um lugar. “Maybe you fell in love with Marburg and a little bit with yourself”. Nunca nenhuma frase será mais verdadeira que essa. Sem poder alcançar o único lugar que morou e foi feliz, se segurou num companheiro de jornada e embarcou em uma madrugada etílica infernal. Entre goles e soluços, respirou fundo e percebeu que não havia jeito, que jamais conseguiria mudar quem ela é.

Isto porque a fada tropeça em seus amores não faz pouco tempo. É bem verdade que ela, até então, somente havia sofrido por amores reais e concretizados. Mas, ainda assim, quis deletar de vez a sua existência, como nunca antes em toda sua trajetória de menina boba e exagerada. E foi assim que caminhou rumo a sua morte, com um último cigarro e copo de cerveja na mão. Mas, antes do pulo para a liberdade tão sonhada, deixou duas despedidas, que para ela eram as mais necessárias.

Primeiro, para a sua última paixão correspondida, a dona do sol e das verdades duras que precisam ser ditas. Depois, para aquela que está do outro lado do oceano, a flor que brilha e salta aos olhos, mesmo que ao luar. Ali, naquela madrugada de adeus, jamais pensou que seguiria em frente. Jamais. Por isso, se pergunta a cada instante como foi que continuou respirando, como foi que seu corpo resistiu, que sua mente não apagou. Ela sinceramente não faz ideia. Nada aconteceu. Não naquele momento no qual viu tudo girar e pensou que havia encontrado seu último suspiro.

Como numa lembrança distante, recorda que ouviu a voz do girassol. Em uma confusão intensa e profunda, sentiu uma mistura de amargor e alegria, como se fosse ali realmente a última vez que se falariam. E depois? Depois vieram os companheiros de jornada que, estranhamente, pareceram… se importar? Depois, vieram os dias que precisaria enfrentar. Dias sem lagos, sem patos ou cisnes, sem bancos rodeados de árvores, ruas silenciosas e castelos mágicos apaixonantes.

Então, por uma questão de sobrevivência, decidiu deixar todas as dores irem embora e se afastar de qualquer memória dolorosa, principalmente aquelas das paixões não correspondidas. Algumas dúvidas ficaram, porém. Dúvidas sobre o girassol, que prefere perguntar olhando nos seus olhos tão tão profundos, os olhos mais intensos e inebriantes que este Universo já produziu. Até lá, ainda há muita escrita para ser produzida e muita cura para ser vivida. Então, que todos os pontos finais sejam postos e que se criem, naturalmente, as reticências…

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