sexta-feira, 2 de setembro de 2022

A imagem antes do último suspiro


Ela foi a canção mais intensa e difícil de esquecer. Ela foi o som mais funesto que se alastrou por sua alma, condenou seus passos e a impediu de amar qualquer outra cantiga. Ela é aquela que se foi em um sonho qualquer, daqueles de despertar em madrugada perturbada. Pois ela, que foi miragem incessante, completou logo hoje aniversário de morada dentro de seu peito em fulgor eterno e dominante.

Em meio ao caos e nas tonturas insistentes, ações condenaram ainda mais os resultados fracassados da fada fantasiosa e tola. Muito tempo depois de tudo isso, encontrou-se torta, meio cambaleante, andando pelas ruas, procurando uma cura para o veneno ingerido ao acaso. Ali, tudo que conseguia pensar, no calor do momento, da possível morte por sufocamento, era a tristeza de sua boca não ter podido beijar.

Como relatar longamente agora que já esquecera de sua face e partiu para outros horizontes, se quando achou que estivesse em seu fim, foi seu rosto que visualizou na lembrança para alcançar a paz? A finalização de seus dias não chegou, porém o pensamento sobre este acontecimento persistiu, como uma agonia que não se cura com preces, distrações ou saltos para novos abismos.

E ela continua tentando se livrar deste amor impossível, patético e insolente, que rasga a pele tão insistentemente, que já nem sabe qual o significado do que sente e com que olhos enxerga as mulheres ao seu redor. O que é esta chaga permanente, que fica ali grudada na pele como um pássaro preso em uma gaiola, proibido de cantar em liberdade? 

É verdade que a quis, a desejou tanto que perdeu a fome, as forças, os pensamentos lógicos. Agiu levianamente e se sente louca quando recorda de qualquer momento daquele passado. Todavia, ali, naquelas terras quentes, só conseguia enxergar o seu sorriso, os seus olhos, a sua boca, a sua respiração, a sua eloquência, o seu charme, a sua sagacidade…Somente ela e mais ninguém. 

Ela foi uma espécie de musa condenada ao fracasso, pois, sem ser consultada, foi colocada em um pedestal cintilante e cheio de ilusões. O que fazer então agora que sabe que se estivesse em seus últimos suspiros, seria ela a sua derradeira visão? Como explicar um sentimento inviável, impossível, despudorado e até mesmo burro? Como se livrar desta miragem, que habita como um punhal cravado na aura, que já está tão ensanguentada por tudo que já viveu? 

Diferentemente de quando estava do outro lado do oceano, não quer mais sentir nada disso. Pelo contrário, seu maior desejo é ressignifcar toda a trajetória atrapalhada, todos os erros cometidos, todas as fantasias ridículas e encarar de vez a verdade sincera: ela nunca se importará, nunca corresponderá, nunca existirá nada além de ficção para elas. Sonha que um dia o esquecimento desta música amaldiçoada avance mais do que a superfície, que consiga se conectar com os sorrisos que lhes estão sendo ofertados no presente e que quebre as correntes desta desilusão apavorante.

Implora ao seu coração, com todas as forças presentes em seu corpo zonzo de cansaço, que nunca mais pense nela, que nunca mais sinta o que sente por ela, que ela não seja dona dos seus pensamentos em qualquer momento de perigo, em nenhum instante, que ela seja apenas uma conhecida amigável, que estará lá, bem distante, em cima de seu trono de cristal falsificado. 

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