segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Paz Súbita



Seus olhos profundos desaguavam desespero. A sua voz imponente saia gélida e sem nenhuma tempestade. Para onde foram os caminhos certeiros traçados pelo destino? Quais os passos necessários para desfazer esta canção mal acabada? Quando o sol brilha na face, a boca empalidece e o coração desacelera. Como em todas as estações, regressa para o ponto inicial e, entre suspiros e lamúrias, recorda que é preciso atenção para ver o orvalho com nitidez.

Depois, é madrugada novamente e, com ela, chegam os sonhos que perseguem sua mente cansada. Contudo, não é de sensações ruins que deseja falar nesta escrita que se transforma quase em missiva. É para tratar de lembranças que começou a digitar em seu diário de confissões tolas, não foi? Foi para ter certeza de que o horizonte resplandeceu e todas as emoções foram sinceras. Foi para retornar para o ponto de partida e possuir a convicção de que nada será igual após o derradeiro encontro.

O que será, então? O não saber também pode ser prazeroso. O que não tolera mais é o desmazelo, a dúvida, as sentenças trancafiadas em um coração enclausurado de medos e conflitos. Ainda assim, como lhe confirmou seu leal escudeiro, aguarda, sem pressa, todas as respostas seletas. É na armadilha do silenciar das horas que se deita e profere preces singelas, em busca de uma paz inalcançável. Porque ela é feita de intensidade desmedida. Assim, já entregou todas as armaduras e parou de esconder de si que prefere vendaval do que calmaria.

No entanto, perde-se na descrição de si e esquece o objetivo central de tudo. Era para contar mais sobre esta fábula insólita, para falar dos detalhes do seu rosto e da tessitura da sua voz. Era para se desmanchar em elogios eternos sobre seu sorriso sarcástico, que lhe causava palpitações. Era para procurar elencar todos os motivos de seu enamoramento para, talvez, ficar um pouco tonta de paixão outra vez. Era para ser uma jura escondida e sem propósito de que, mesmo que tudo se apague e seus caminhos jamais se encontrem de novo, sempre irá ter certeza de que os pássaros cantaram e os sinos ressoaram e foi por ela e não por outra.

Este segredo, não tão bem guardado assim, fica como um registro de uma época. Este fora, no final das contas, um tempo insensato, mas fiel e leal. Todavia, ainda não compreende a razão para tal afeto. É impossível descobrir no presente o que exatamente ocorreu nos últimos tempos. São risíveis os seus pensamentos quando tenta decifrar a chave deste enigma. Não foram as cartas, não foi o solo distante, não foram as impossibilidades, não foi cada gota de magnitude presente nela, não foi a companhia durante a trajetória, não foi a causa, não foi a luta.

Ou será que, no fundo, foram todos estes elementos misturados em uma bela danação de início de setembro? Jamais saberá e sussurra baixinho que não se importa mais com o resultado desta equação ou com a solução tão almejada. Estranhamente, a emoção do exato momento é um júbilo inigualável, daqueles que somente as pessoas intensas conhecem, vindo da certeza absoluta de que não importa o tamanho do desafio, o medo, as horas que insistem em passar, o não, o sim, o inacabado. Há, tão somente, a vontade, o objetivo candente que espera do outro lado do abismo. 

Decide, assim, continuar pulando? Seria a melhor saída? Não, não seria. Contudo, é a jornada que conhece: a de flâmulas e céus incendiados, a do vento que bate no rosto em um bairro estrangeiro, enquanto fuma um cigarro, com o coração partido. É para isso que vive mesmo, para tragar o mundo inteiro de uma só vez e expurgá-lo, em seguida. Sem sossego, existe uma paz reformulada. Até o fim.

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