sábado, 19 de novembro de 2016

W


Talvez estivesse certa. Talvez fosse o mais correto. Talvez não seja nada disso. Ou tudo é madrugada e eternidade. Ou está sempre na beira do próximo desejo. Ou teme em encontrar um perigo real ou cristalino. Se ao menos soubesse o momento de parar. Se o seu sorriso não fosse tão resplandecente. Se os pássaros parassem de cantar. Se o destino não fosse tão verdadeiramente cruel.

Mas talvez, mesmo, seja hora de parar. De escrever. De lamuriar. De contar os segundos para o próximo beijo apaixonado. E por que haveria de ser assim? Por que precisa tanto pular cega dentro de abismos tão profundos? Poderia ser apenas festas ou aproximações passageiras. Poderia tomar um pouco menos intensidade. Deixar-se encantar de menos. Olhar mais corriqueiramente para esses olhares que roubam tantos suspiros.

Porém não consegue. É difícil demais evitar as palpitações de um coração fraco e bobo. Este que adora rimar tolamente. Esse que se desmancha num leve toque numa noite suave. Este que faz os olhos derramarem pranto e a risada correr solta. Sim. E não consegue esquecer qualquer canção. Quando a música toca pela primeira vez ela fica guardada. Por um bom tempo ou para toda eternidade. Se está imprensa na escrita, se há espaço para fincar bandeira, se escutar um sim ou se os sinos soaram.

Estão tocando agora. Os sinos. Junto com eles a aura se ilumina. Sem cuidado, sem temores, sem certezas, sem futuro, sem planos, sem amarguras. Apenas recolhendo os cacos de uma aura ensanguentada. Apenas guardando para si as memórias doces. Apenas revivendo cada segundo vivido em suas lembranças. Porque o céu se iluminou. Porque os dias não mais se arrastaram. Porque foi desejo que consumia cada pedaço seu. Porque gosta mais do sim. Porque prefere pular do que negar. Não há mistérios. Não há falsas tentativas. Existe e já não sabe mais como entoar a mesma sonata imprudente.

Já não sabe mais se calar. Afinal, já faz muito tempo que se entregou para as verdades. Em um instante qualquer desaba e relata cada milímetro dos seus pensamentos. Como num rabisco de confissão, como numa história adormecida, como um dia almejou. São das vozes sussurradas que gosta, das mãos soltas, do vento correndo pela face. Respirar livremente. Solta de correntes. Sem se esconder em nenhuma torre. Ainda que saiba os prejuízos que podem causar as próximas palavras desmedidas. Porque não adianta se esconder. Porque o rumo do destino é incerto. Porque um dia virá o último suspiro. E nele estará gravado seu nome. Para eternidade. Para o último momento de vida.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016



  Encontrou. Foi assim. Sem ao menos esperar. Foi de repente. Foi um turbilhão de emoções. Foi tão doloroso que já decorou cada olhar. Cada silêncio eterno. Cada exigência proferida. Cada mágoa exclamada. Mas não foi somente fel. Foi paraíso. Foi entendimento. Foram canções. Foram momentos únicos. Foram gostos intensos. Foi um rosto único.

Sem dúvidas. Sem arrependimentos. Sem olhar para trás. Sem titubear. Porque sabe as razões, os motivos, as sensações, o futuro. Encontrou todas as respostas no silêncio. Ainda assim, existiam dúvidas eternas. Problemas. Dores. Clamores. Se fosse um pouco mais simples. Se não houvesse dúvida, se não fosse pó. Se não fosse essa dor lancinante em cada escolha.

Porque poderia ter dito sim eternamente. Ainda que fosse depois do não. Ainda que fosse depois da despedida. Porém não foi assim. Disse adeus. Disse. Não foi? Disse e já não sabia os próximos passos. Ainda que precisasse das suas palavras. Ainda que emudecida. Ainda que sentisse saudade apenas em recordar. Ainda que doesse tanto. Ainda que seus passos tenham movido tão rapidamente. Ainda.

E do pó procurou buscar soluções. E do pó se reergueu. E da fantasia despertou. E não existiam mais bondes, mais corridas, mais dias ensolarados, mais conquistas enlouquecidas. Não existia mais nada, apenas barulho. Não conseguiria. Não sem contar os segundos antes do próximo sim. Antes de saber da paixão. Antes de ter negado qualquer movimento que possa machucar. 

Porque ninguém tem esse sorriso, porque ninguém desafia assim, porque ninguém consegue correr assim, porque ninguém lê sua alma dessa forma. Porque é apenas ventania. Porque o futuro é desesperado. Porque cada sim é fantasia, porque não sabe as respostas desta dança final. Pois o futuro é turvo e já não entende mais nada.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Seco

Cobriu seus passos de melancolia. Emudeceu diante dos sinos. Incendiou os mares prometidos. Antes que pudesse respirar, a luz reascendeu. Entre o outrora e o presente, deixou-se soterrar por sentimentos. Deixou que uma fagulha de esperança reinasse outra vez em seu coração tolo. Esse que se inspira com um leve sorriso ou um olhar genuíno de paixão. Esse que sabe a hora de recomeçar uma história, mas que não conhece os limites para as emoções.


Estas tão fortes e intensas. Estas que devastam e salvam. Estas que são sinos, silêncio, luz, esmeralda ou oceano, porém que não podem mais florescer. Não escuta mais os pássaros. Talvez passou tempo demais dormindo. Talvez eles já estão desfalecidos nos pés dos antigos amores. Ou talvez seja mesmo uma pilha de palavras sem sentido, de bobagens engasgadas.

E por que disse? E por que fugiu, então? Por que decidiu tão fortemente deixar os sinos soarem tão repentinamente? Se estava segura em uma nova varanda não há sentido para escapar. Contudo não sabe. Não entende. É incompreensível demais. É tão turvo que desfaz a memória. É tão nebuloso que se perde nas bifurcações. É tão difícil que a garganta seca, os olhos se fecham e já não consegue escutar som algum.


Se de solidão e palavras foi feita. Se seus dias são de madrugada e fumaça. Se prefere o abandono. Se já conhece todos os próximos passos. Se não consegue enxergar solução. Realmente não há escapatória. Não há salvação. Existe apenas a repetição do ciclo, da escrita, dos gestos, das sensações. Existe apenas uma vontade enorme de passar por aquele caminho novamente. Existem apenas segredos sinceros, as horas que passam, a distância construída, a confissão revelada e o medo do próximo despertar.


quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Estilhaçado


É para se confessar que escreve? Com a mente em um turbilhão - ou vários deles - amontoa certezas e dúvidas nas sentenças derramadas. Expurga pensamentos tardios. Rompe a madrugada. Quebra laços. Sela pactos. Deixa que as horas escorram junto com a fumaça. Deixa que o não dito se apague. Pula de abismos infinitos. Grita os sussurros pecaminosos. Silencia os pensamentos tortuosos. É difícil demais, pensa. É doloroso demais. É indecisão, paixão, tortura. É tudo de vez e nada mais.

Se ao menos soubesse como resgatar seu coração. Se ao menos conseguisse se calar. Se ao menos fosse outra. Se ao menos não deixasse que as luzes da varanda se apagassem. Ou tudo é rima em vão? Ou tudo é noite eterna? Ou são apenas clichês amontoados em um coração gélido que finge brincar de candente? 

Mais um pulo. Mais uma vida contaminada. Mais um sorriso quebrado. Mais vilania inevitável. Mais dor. Mais sentimentos atordoados. Mais e mais. Por não saber as próximas palavras. Por não saber evitar certos conflitos. Por desejar o perigo. Por temer a solidão. Porque os dias podem ser mais cálidos com uma doce companhia. Porque se permite deitar na ilusão dos dias apaixonados.

E o que são eles senão um amontoado de lembranças efêmeras de júbilo? O que são eles senão fugazes e passageiros?  É muita escrita e pouca ação. É muito caos permanente. São sinos, mares, florescer e silêncio. É anúncio de partida já anunciada. Ou ainda há muito por vir. Ou ainda é apenas o começo. Ou ainda pode causar mais dessas sensações. Essas que dilaceram a alma. Desfalecem o coração. Desmancham prazeres, lembranças e certezas. Queimam o fulgor. Aprisionam o paraíso. 

É isso, não é? Talvez seja exatamente isso. Foi criada em meio a palavra. Nasceu e vive disso. Ou não é certeiro que emudece apenas diante das palavras sinceras? Ou não emudece na hora mais exata? Na hora da fuga. Na hora do medo. Na hora da verdade. No momento no qual é preciso encarar a vida e se desfazer da fantasia, se deixa levar pela madrugada, por qualquer migalha de distração.

Ébria. Procurando as sentenças corretas de sua confusão. Rabiscando suas confissões. Anotando a escrita mais óbvia e sincera. Porque é difícil demais resgatar o passado, porque se acorrentou demais por simples proteção, porque jamais saberá o sentido de seus sentimentos, porque diz tudo de uma vez antes que possa segurar os instantes de dúvida.

E não há mais pranto. Apenas secura. E não há mais céu iluminado. Apenas um horizonte turvo e nebuloso. Porque merece a sua sorte. Ou a falta dela. Porque não consegue mais. Porque já é árduo demais. Porque precisa de inspiração. Porque não sabe o que diz. Ainda assim, diz. Porque viu aquele rosto resplandecer. Porque sabia, já era hora. Porque sabia que precisava. Porque sabia que as frases se apagariam no instante do encontro final.


terça-feira, 15 de novembro de 2016

O soar dos sinos

É véspera de júbilo. É o vento que volta a seguir seu curso. É o sabor mais cobiçado e alcançado. É sorrir para o amanhecer na certeza dos sonhos cobertos de flores. Os sinos tocaram. Não foi? Soaram forte. Como nunca antes. E o coração palpitou intensamente. Outra vez, mais uma. Somente mais uma eterna vez, que se repte junto com a certeza que arde incessantemente. Junto com os mares que cobrem seu rosto. Junto ao vestido, ao giz e a mais doce ilusão.



Regras criadas se perderam. Quebraram-se. Se queimaram. Todas. Exultante. Mais uma vez consegue ergue-se para o futuro. Mais uma vez as dúvidas se apagam, os céus se acedem, o destino se recria. Mais uma vez é dor embalada em alegria. Mais uma vez os olhos se encontram. A alma se contamina de festa. É a fumaça que cobre a escrita. O gosto inconfundível. O tempo que cessa e a música que faz sentido novamente.

Renasce e o ciclo se refaz. Renasce e rasga as lamúrias. Renasce e mergulha nas certezas. Reascende a chama. Entrega-se ao novo sentido da madrugada. Aceita. Permanece. Reconhece seu vício. Admite de uma vez por todas que é o veneno que gosta de beber. E de uma vez só. Sem derramar uma única gota. Minuto após minuto suspira, lembra, gargalha. Volta a ser candente. Volta a fazer promessas. 

E deixa que os sinos toquem, ainda que de longe. E deixa que os pedaços estilhaçados de um coração de cristal se refaçam. Talvez nunca acorde. Talvez permaneça nesse estado para sempre. Talvez. E sempre há o próximo passo. E sempre o próximo suspiro. Ou o último. Aquele banhado pelo seu nome, preenchido pela eternidade. Aquele que despeja a derradeira sentença. Aquele que tem o único poder de finalizar o que o tempo e o destino não foram capazes de fazer.


domingo, 13 de novembro de 2016

Fragmento

And in one day they were tear apart. And then one day they were counting the days. And then she was new once again. It was time. Time to rhyme once more. Silence. It’s time to die again. To see the mountain shining. The Wind blowing the grey days. The sun is not coming. The cold whisper above the face. The nightmares of one unic truth. Her days are specif to suffer. Her days are doomed. Her days are only new when there is a new love.

It's hard. Always.

sábado, 12 de novembro de 2016

Kaiadas



 É um fim de festa em uma tarde cinzenta. É ver o dia amanhecer como quem se apunhala eternamente. É um amargurar-se descontente. É um ser de outrora correndo leve em tom magenta. É uma noite que corrói. Aquilo que quase foi dito. Os sopros do silêncio maldito e a madrugada que insiste em lembrar o esquecido. É um tormento que por si só destrói.

Se ao menos pudesse tocar em seu rosto enrubescido. Se ao menos pudesse alcançar seu pedestal. Se ao menos pudesse selar um último ou primeiro beijo com um punhal. Contudo, sem fel, apenas um horizonte quase perdido. Assim, coberta de luzes e lamentação, teme o mal da tentação. Entre o caos e a melancolia, se amedronta noite e dia. Se deixa apodrecer na solidão. E num lamentar de sofreguidão, finaliza seus pedidos. 

É a velha rima sem rimar. É a antiga canção disfarçada de outra. É a dor de um sorriso para outrem. É acorrentar-se na imensidão de uma incerteza. Acabar-se. Delirando no deleite de seu olhar, sentencia o esperar de mais um pôr-do-sol em sua lembrança. Dilacera e deixa dilacerar. Perfura e deixa a razão abandonar. Sentencia seu caminho. Cumpre o pacto com os ciclos do destino. Encharca-se de veneno. Música, imagem, dor pura e lamento. Uma eterna memória feita em sofrimento. Um despertar para uma nova alvorada.

Um apoquentar sem relatar. Apenas mágoa das escolhas perdidas. Apenas passos tortuosos para o mesmo inevitável abismo. Depois vem a quebra e o recomeço, sem mais procurar encaixar, cambaleia até o renunciar de seu arrivismo, tonta ao recordar das partidas.  Depois, segue perdida em tropeços, gélida, desfalecendo ao buscar o último suspiro apaixonado.


sábado, 15 de outubro de 2016

Nomes

 Não sabe. Não consegue. Não enxerga. É tudo muito turvo quando a madrugada incendeia e resta apenas um gosto amargo. Tenta medir palavras, controlar vícios. Busca um tanto de lucidez para analisar os últimos tempos. Suspira. Se perde nas questões infinitas. Ressuscita lembranças e temores, dilacera relações. 

 Ainda que tentasse, jamais seria capaz de encontrar a doçura eterna, leves palavras. Sua boca é feita de fel que arde na alma. Seus dias são danações sinceras, porém cruéis. Suas lágrimas, nunca finge, porém, marcam o reinício do ciclo. Este que insiste em petrificar sua aura. Este que condena sua existência. Gostaria de puder contar uma história fixa. Contudo, não é capaz. Não consegue. É impossível. 

 Entre cortes de sentenças mal ditas, procura explicar suas ações. Aí que está o engano. Não há ouvintes. Não há justificativa. Não há explicação. Somente angústia. Somente a fuga do júbilo e a solidão. O engano. A impureza dos atos. As incertezas. As paixões perdidas e apagadas. Não há salvação. Não há coração que possa limpar a jornada tão tortuosa. Como encontrar um horizonte há tanto tempo perdido? Como respirar suavemente quando sua própria existência sempre foi marcada pela dúvida.

 Se ao menos pudesse.... Se... 

 Mas não. É preciso reconstruir seus passos. O cotidiano relembra. O tempo continua a correr. As vozes escapam de suas mãos. Apenas resta o sacrifício. O pranto. O impossível. E a fumaça. E mais danação. E a sagrada verdade presa em seu peito. Aquela que quer gritar e nem sabe por onde. Aquele que queima até o último suspiro. Aquela que dói. Machuca. Acalenta, porém não salva. Porque é por alguns instantes. É tudo tão efêmero que nem pode tocar. Antes desfalece. Antes recorda dos pecados. Antes lembra dos erros. Do que perdeu para respirar. Do que nunca pode dizer. Do que nunca será capaz de alcançar. 

 E no medo, na dúvida, no esquecimento, deita. Permanece e se instala. Se joga do primeiro abismo que encontra. O primeiro toque de luz singelo. A primeira verdade profana. A primeira mágoa endossada. Se joga até que se afogue. Pula até que seja impedida. Pula infinitamente. Até. Para todo sempre. Até nunca mais. Até que seja. Até que se finde. Até que pare. Até.


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Rumos


Pausa. Todos os sentidos se calam por um instante eterno de melancolia. A canção já está no último volume e as frases ecoando na sua mente. Entre um ou outro devaneio, recorda. Relembra o início. Regressa para a primeira linha da história. Sorri levemente. Se ao menos soubesse as próximas páginas, não teria derramado o oceano manchado de dor.

Porém (e sempre existe um), se os passos cobertos de musgo, aqueles que impediam de adentrar outras portas, não cobrissem a sua estrada o agora seria dúvida. O agora. Este que cobre de flores a nova jornada. Este que acalenta. Este que apenas o sorriso já é em si iluminado.

Ainda assim. O outrora existiu. Não foi? Tudo se torna turvo quando o amanhecer floresce. Tudo se torna uma falha memória. Contudo, habitou aquele ambiente arborizado. Foi lá que compreendeu metade de si. Foi lá que entregou todas as suas forças, as sinceras palavras, os dias mais insanos. Mas era somente neblina. Era somente um engano perfurando outros enganos. Era apenas uma promessa insensível que jamais poderia ser concretizada.

E foi por querer. Amarrou sua alma ali. Perdeu-se e encontrou-se. Segurou com força para não se deixar ir para outros lugares. Tentou até que não mais pudesse. Porém, era inútil. Não pertence e nunca pertencerá ali. São de outros abismos que precisa se jogar. E já criou um enorme muro, passo a passo, lentamente. Uma forte e impenetrável parede que a separa de tudo que foi tão terrível no outrora. 

Se pudesse responder aos seus questionamentos antes, diria para fugir o mais rápido possível. Diria que era possível encontrar júbilo. Diria para não pular no cimentado sonho tão coberto de fel. Diria para se calar um pouco, não rasgar o coração, parar. Parar até entender que aqueles olhares eram de perfídia, que aquelas palavras eram ilegítimas. Rasgaria as flores, quebraria o giz, enterraria o vestido. Apagaria os versos, não provaria a fumaça, guardaria os sinos, caminharia em outra direção.

Contudo não foi assim. Não foi? Foi diferente. Foi pesadelo embalado em paraíso. Foi música que despertava juntamente com o canto dos pássaros mortos. Foi dose quente de ebriedade doce. Foram rompantes de culpa, lucidez, dores e intensidade. Foram verdades expurgadas até a explosão de julgamentos. Foi segredo revelado, aura diáfana se acinzentando, desejos tardios vivenciados. 

E no agora, nesse florido e cálido instante, respira, enfim, sem titubear. Mas, respira fundo. Respira profundamente. Silêncio. As vozes se calam e o anoitecer se espalha. Sem costuras. Sem remendos. Apenas sendo.

domingo, 24 de julho de 2016

Neuer Weg

Seus olhos. Eles pairavam no abismo. Na solidão. Na petrificação dos sentimentos. Na perda da memória do que foi. Criando novos laços. Deixando o outrora preenchido de névoa. 

Caos. Por toda parte. Recolhe as lágrimas ainda caídas pelo caminho. Grita por dentro em busca de respostas inaudíveis. Silencia as marcas profundas. Aquelas cravadas na pele com o ferro ardente da injustiça.

Os sortilégios tornam-se apenas uma breve recordação. Agora eles já não lhe podem atingir. Um uivo distante de dor e já sabe. Todas as culpas cairão por terra no instante em que abrir mais uma vez o poço escondido. Se foi. Para morar na madrugada. Para se perder do horizonte. Ao fitar o caminho percorrido já não compreende as pisadas manchadas de veneno dos deuses.

Se ao menos pudesse resgatar o fel do jardim abandonado. Se ao menos pudesse respirar outra vez. Aquele ar de danação. Aquela aurora retumbante. Aquela ingênua sensação de libertação. Se ao menos pudesse tocar em sua face novamente e enxergar o que antes vira. Ser reencontro. Ser lembrança. Ser fumaça no tempo e no templo das verdades.

Mas a partida anunciada se fez presente. Sua alma agora pertence aos bons. Aos que quebram as vidraças de tortura. Aos que proferem palavras cálidas. Aos que protegem. Aos que lutam e quebram as corretes enferrujadas. Aos que sobem na última torre da sagrada prisão e fazem desabar qualquer questionamento de regresso ao paraíso enganoso.

Se suas veias rasgam e desfalece para abrir os braços para o novo, nada mais justo que celebrá-lo. Ainda assim, uma parte de sua energia sucumbe. Sucumbe na memória. Nas feridas. Na morte de outro ser que pulou da ponte e já quase não mais existe. Não há retorno. Não há salvação para a menina da varada. Afinal, nem mesmo ela existe mais. A varanda. Não existe. Não existe. Não existe. Repete. Porque sabe. Porque agora é outra. Porque agora queimou todos os livros. Queimou todas as pontes que a trariam de volta. 

As escolhas selam os pactos. Apaga-se a bifurcação. Cambaleante, assume sua única e derradeira face. A única. E última. Face. Destrói as cinzas. Suspira. Já é hora da nova realidade aflorar. E entrega-se. Se despede. E vai.


sábado, 12 de março de 2016

Devaneios de uma juventude tardia

Se fosse menos jovem. Se fosse menos impulsiva. Se ao menos tivesse respirado um pouco mais fundo. Se não tivesse essa vontade enlouquecida de responder tudo. 

Se ao menos conseguisse silenciar seus ímpetos juvenis. Quando aceitou viver aquela jornada jamais poderia imaginar os próximos passos. Jamais pensaria que encontraria um abismo onde nunca pensou que pudesse surgir. 

Talvez tenham sido seus olhos. Ou a risada longa. Ou qualquer frase tola e cotidiana. O fato foi que seu coração parou por alguns segundos e já sabia. Infelizmente, já tinha certeza. Porém, não quis aceitar. É bem verdade que lutou com todas as forças para negar que aquilo estava acontecendo. Respirou fundo e tentou apagar das suas lembranças o sorriso infernal que estava grudado na alma. 

Entre as pitadas intensas de caos, buscava um ar que não vinha. Buscava focar nos próximos segundos de aventura. Procurava realizar aquilo que sempre esperou. Contudo, o destino, cruel e insano, misturou todas as emoções e confundiu sua cabeça de menina. E ali, entre os lobos, não havia escapatória. Não existia varanda, silêncio ou sinos. Nenhum florescer. Nenhuma sinfonia de consolo. Apenas a sua presença irritantemente encantadora.

Entre recordações e vislumbres do futuro, tenta se recuperar. Tenta entender realmente o que ocorreu. Busca com todas as forças apagar a candente sensação que queima o corpo em cada gole de vida. Desmancha certezas. Continua trilhando o caminho da sinceridade. Se agarra na solidão. Roga para o tempo que desfaça esse sentimento. Suplica ao Universo que queime, de uma só vez, cada milímetro de concupiscência que um dia foi destinada para aquela existência caótica que lhe foi apresentada. 

Até lá, aguarda. Até lá, vive a madrugada eterna. Até lá, sente o que precisa sentir. Até lá, sorri ao pensar nas turbulências, nas gargalhadas, nas feições distraídas, na canção, nos breves olhares, nas tardes de espera, nos pedidos insanos. Até lá, sabe, sem dúvida alguma, que as vontades são passageiras. Que é só ilusão. Que passa. Que sempre passa. 


terça-feira, 8 de março de 2016

Um Gancho...



Foi. Foi o silêncio que libertou seus passos. Não há dúvida alguma. 




Quando tudo é gritaria. Quando tudo é ventania. Seus ouvidos buscam um pouco de paz. Então vem a sensação de nostalgia. Se seu mundo era preenchido de cores e emoções, tudo se fez ruído. Se sem som poderia escutar melhor, agora nada faz mais sentido. 

Não que pudesse viver na mudez de seu cotidiano. Não. Isso já não é mais possível. Isso não se encaixa na balbúrdia que é seu coração. Porém, sempre há um porém quando se fala do silenciar da eternidade. Porém, se pudesse respirar novamente as tardes de aventura, o doce gosto de momentos eternos, os clamores e atitudes apaixonadas, iria sem pestanejar.

Ainda assim, sabe. Eram tantos rompantes que sua aura cansada não podia oferecer a atenção necessária. Eram muitas canções, eram muitas sensações e toneladas de juventude. Era (e ainda é) um nó na garganta. Uma dúvida. Um adeus constante. Uma súplica. Um pedido. Apenas mais um. E outro. Outra face. Outros beijos e sorrisos. Respira. Segurando as lágrimas. Tentando encontrar a lucidez. Tentando encontrar a calma ou uma solução. 



 Os planos. Recorda. Eram infinitos. Era muito para sua cabeça de menina. E ainda são. Por isso mesmo que não existem arrependimentos. Foi e já não é mais. Contudo, não pode negar a importância de sua presença. Essa que está grudada em sua alma. Essa que fincou bandeira em suas memórias. Essa que criou padrões inalcançáveis. 

 Talvez, se dissesse mais sim. Talvez, se não fugisse. Talvez, se respirasse fundo. Talvez se o mundo parasse por alguns segundos. Talvez. E o "se" é coberto de amargura. Porque é preciso se despedir. Porque não adianta o regresso. Porque é impossível recobrar o que já está enterrado. Porque dói só de pensar. Porque é mais fácil correr. Porque existem os próximos precipícios. Porque não é o suficiente para seus sonhos silenciosos. Porque é pouco. E é tudo. Porque não há razão lógica para retornar. Porque o que se finda acaba virando pó. 

Banhada pela recordação de seu cheiro. Coberta por esta tarde entediante. Escutando uma canção qualquer, que um dia embalou suas danças. Secando o pranto com fel. Abrindo bem os olhos para o futuro. Lembrando dos motivos do adeus. Deixando-se desapegar. Tentando. Sempre tentando.


domingo, 3 de janeiro de 2016

Desapego ou Ventania

 Os olhos se abrem. Mais um despertar. Um suspiro. A lembrança de um outrora iluminado. As recordações escorrem pela alma. Um trago da fumaça já tão proibida e profana. 

Mais um gole da doce bebida que esquenta a garganta e cobre os lábios de memória. Se o passado foi coberto pela batalha entre a dualidade de sentimentos, o presente deixa a certeza das marcas que ficaram em cada esquina perfumada pelos encantos dos sorrisos roubados. 

 Foram os amores, talvez. Ou os dessabores de um coração confuso e melancólico. Uma varanda secreta. Um jardim sombrio. Uma estrada nebulosa. Ou o caos disfarçado de paixão. Um silêncio com camadas profundas de exigências, que acabaram se fazendo sonoras.

Ou uma doçura preenchida de desejos e pedidos. Um grito mudo na madrugada abandonada. Uma sinfonia eterna de dúvidas. Um pouco de chagas e mágoas para que o próximo horizonte não se perdesse na amargura.

 As negações já não são mais suficientes. Muito menos as fugas. Quando as afirmações se tornam concretas, as lágrimas secam e já é tempo de ressuscitar vontades. De reviver momentos. De reencontrar as faces guardadas. 

De ganhar e reconquistar semblantes perdidos nas horas cegas e petrificadas. De descer finalmente da cela de trancas candentes, de cadeados fortes e carrascos insanos. De não mais segurar os desejos e as verdades escondidas.

 Clama por um pouco de libertação. Por mais canções sufocadas de alegrias. Por mais dias ensolarados. Mais pactos selados. Menos fel espalhado. E até mesmo um pouco de clichê ressignificado. Implora por menos dramas apaixonados. 

Mais calmaria espalhada. Mais força para os novos passos. Menos tortura silenciada. Mais faces rubras, após impropérios ditos em voz baixa. Ou exclamados em alto e bom som. Mais tardes longas e noites menos solitárias. Menos promessas. Mais ações sinceras, palavras reais, escrita singela, porém profunda. 

Após a entrega das verdades, sucumbe a danação de ser quem é e pertencer ao vento. Deixa que o silêncio se apague, o caos se dissolva, que a doçura se refaça. Escolhe desbravar os precipícios nebulosos, as flamas de dor reconquistadas, as frases longas de incertezas, as canções melódicas e certeiras, os desmazelos inteiros, as sublimações de festejos anunciados. 

E nesse ciclo retumbante e cruel, deita-se até o florescer do regresso da paixão. E nesse recomeço insólito adormece e aguarda a presença da cálida estação, que anunciará a próxima jornada, que dessa vez reinará. Até o último suspiro. Ou até que o vento cesse e mude de direção.