domingo, 24 de abril de 2022

Quando a roda girar



No agora, carrega consigo uma espécie de náusea e um coração acelerado. Estes são os sintomas mais pungentes de sua saudade tola e implacável. Enquanto isso, sente-se rondada por sua presença e energia que são quase palpáveis, ainda que vindas de longe. Como explicar de onde retira todas estas ideias que parecem grandes devaneios? 

É por isso que silencia as palavras e guarda para si a sua interpretação dos fatos. Ao mesmo tempo, uma antiga canção retorna sob outra face e caçoa das confissões feitas em um final de tarde de outubro. De certo, nunca deveria ter proferido aquelas sentenças no outrora. Não para ela que é somente escárnio e julgamento infindáveis. 

Na verdade, deveria ter trancafiado esta história no fundo do poço mais profundo e a escondido. Nem ao menos seus companheiros de jornada ou a própria borboleta deveriam saber sobre esta fábula insólita infernal. Pois o que restou foram estes apertos no peito, uma vontade infinita de derramar todas as lágrimas que habitam seus olhos e uma certeza de que jamais contemplará sua face outra vez. 

Então, por que os sonhos não se encerram de uma vez ou estas emoções transbordantes não cessam jamais? Gostaria de compreender de onde veio esta impressão de reconhecimento e de transparência das emoções. É como se pudesse ler as suas expressões completamente e captar o que jaz dentro da sua alma. Ela sente a outra, ainda que pisando em terras tão distintas. Ela recorda de algo que não sabe exatamente o que é. 

As cartas e todos os elementos místicos consultados lhe entregaram respostas, é bem verdade. Todavia, é custoso para ela acreditar em tamanho absurdo. Contudo, qual seria a explicação então? Estaria perdendo a razão pouco a pouco? Seria uma fantasia tão intensa que imagina saber sobre sua amada, a fim de apaziguar a tristeza e a mágoa vindas daquele último e derradeiro encontro?

Não sabe. Nunca soube o motivo de sua existência ser tão impactante para ela. Jamais possuiu a capacidade de decodificar os efeitos de um enamoramento estúpido, não correspondido, que devastou sua capacidade de olhar para outras cantigas e se entregar para as novas aventuras ofertadas. Enquanto escreve, inclusive, suas mãos gelam e a mente divaga para o dia que a teve em seus braços pela primeira vez, em um singelo abraço passageiro.

A sua voz ecoou em seus ouvidos. Ela dizia “seja bem-vinda” e seus olhos fecharam, pois tentava capturar cada segundo daquele momento. Em seguida, sentada ao seu lado, buscava computar que estava realmente ali, ouvindo suas frases despretensiosas e desfrutando de sua alegria contagiante tão de perto. É sempre surpreendente o efeito de uma paixão avassaladora. Não se vive algo assim sempre. Algumas vezes, não se vive algo assim nunca. 

Por esta razão, é bem provável que o vício de sentir tão fortemente todos os acontecimentos do planeta, devido a uma paixão tão lancinante, seja o motivo de não conseguir seguir em frente. Ou, a frustração de jamais ter provado do seu beijo ou de ter escutado as verdades escondidas tenham lhe causado um impacto irreversível. No entanto, há tanto ocorrendo em sua vida neste instante que até ri de sua escrita agonizante. 

O maior sonho de todos os tempos está prestes a ocorrer e senta em um domingo ensolarado para tratar das incertezas e possibilidades sobre o seu amor, sobre Schmetterling. Sobre ela que é dona de seu coração estilhaçado, mas que foge ensandecidamente do que habita o passado, o presente e o futuro.

 “Terá que ficar para outra vida mesmo”, disse o mago certeiro e a fada suspirava, recusando a acreditar naquela frase. “Ela fugirá tanto que é preciso que você se afaste e não faça nada”, explicou a bruxa cintilante. E foi isso que ela fez. Ainda que com uma derradeira ação desmedida, seguiu rumo ao encontro dos poços translúcidos, da busca pela trajetória tão sonhada, para a sua realidade de fato. 

Mas, decide deixar, mesmo assim, mais um de seus recados esperançosos: ainda é tempo de deixar florescer todas as respostas sinceras em seu coração. Assim, se ela encontrar a saída de sua toca enterrada sob o véu do comum e aceitável, estará do outro lado, de braços abertos, para que seja a sua vez de dizer “bem-vinda”, juntamente com o horizonte coberto de pássaros cantantes e luzes do dia ensolarado. Em seu tempo, em seu espaço, na existência que lhe for possível e provável. Até lá, então. 

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