quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Estilhaçado


É para se confessar que escreve? Com a mente em um turbilhão - ou vários deles - amontoa certezas e dúvidas nas sentenças derramadas. Expurga pensamentos tardios. Rompe a madrugada. Quebra laços. Sela pactos. Deixa que as horas escorram junto com a fumaça. Deixa que o não dito se apague. Pula de abismos infinitos. Grita os sussurros pecaminosos. Silencia os pensamentos tortuosos. É difícil demais, pensa. É doloroso demais. É indecisão, paixão, tortura. É tudo de vez e nada mais.

Se ao menos soubesse como resgatar seu coração. Se ao menos conseguisse se calar. Se ao menos fosse outra. Se ao menos não deixasse que as luzes da varanda se apagassem. Ou tudo é rima em vão? Ou tudo é noite eterna? Ou são apenas clichês amontoados em um coração gélido que finge brincar de candente? 

Mais um pulo. Mais uma vida contaminada. Mais um sorriso quebrado. Mais vilania inevitável. Mais dor. Mais sentimentos atordoados. Mais e mais. Por não saber as próximas palavras. Por não saber evitar certos conflitos. Por desejar o perigo. Por temer a solidão. Porque os dias podem ser mais cálidos com uma doce companhia. Porque se permite deitar na ilusão dos dias apaixonados.

E o que são eles senão um amontoado de lembranças efêmeras de júbilo? O que são eles senão fugazes e passageiros?  É muita escrita e pouca ação. É muito caos permanente. São sinos, mares, florescer e silêncio. É anúncio de partida já anunciada. Ou ainda há muito por vir. Ou ainda é apenas o começo. Ou ainda pode causar mais dessas sensações. Essas que dilaceram a alma. Desfalecem o coração. Desmancham prazeres, lembranças e certezas. Queimam o fulgor. Aprisionam o paraíso. 

É isso, não é? Talvez seja exatamente isso. Foi criada em meio a palavra. Nasceu e vive disso. Ou não é certeiro que emudece apenas diante das palavras sinceras? Ou não emudece na hora mais exata? Na hora da fuga. Na hora do medo. Na hora da verdade. No momento no qual é preciso encarar a vida e se desfazer da fantasia, se deixa levar pela madrugada, por qualquer migalha de distração.

Ébria. Procurando as sentenças corretas de sua confusão. Rabiscando suas confissões. Anotando a escrita mais óbvia e sincera. Porque é difícil demais resgatar o passado, porque se acorrentou demais por simples proteção, porque jamais saberá o sentido de seus sentimentos, porque diz tudo de uma vez antes que possa segurar os instantes de dúvida.

E não há mais pranto. Apenas secura. E não há mais céu iluminado. Apenas um horizonte turvo e nebuloso. Porque merece a sua sorte. Ou a falta dela. Porque não consegue mais. Porque já é árduo demais. Porque precisa de inspiração. Porque não sabe o que diz. Ainda assim, diz. Porque viu aquele rosto resplandecer. Porque sabia, já era hora. Porque sabia que precisava. Porque sabia que as frases se apagariam no instante do encontro final.


Nenhum comentário:

Postar um comentário