sexta-feira, 5 de março de 2021

Missiva incompleta


 

A noite chega e com ela o seu silêncio perpétuo permanece. As chagas do outrora permanecem atrapalhando os seus passos em direção do sossego. Seu nome está cravado como um punhal em sua pele. Seus dias cinzentos chegam sem renovação. O desespero confunde os pensamentos e já não sabe mais quem é. A madrugada seria a resposta. Contudo, finge não enxergar o óbvio. Em sua perda, desequilibra a caminhada para que saiba como é possível retornar. No entanto, não existe jornada de regresso. A partida anunciada foi revelada insistentemente.

Agora, espera que o tempo deixe de consumir seu coração estilhaçado. Sussurra para o vento sobre a saudade e o amargor que restou no final da canção. A música cessa quando os abraços são interrompidos. A chegada jamais acontecerá. Foi por isso que o primeiro adeus fora proclamado. Não foi? Se os olhos não se encontram e os dias se repetem, como quebrar as barreiras da solidão disfarçada? É com toda a calma que habita em sua alma, que roga para que o afastamento seja estabelecido. Ainda assim, a outra tenta, inutilmente, desabar os muros construídos. Ainda que seja com as unhas cobertas de sangue, insiste em rasgar a muralha levantada.

Os espasmos de dor são recorrentes. Procura apagar da memória o sorriso que antes provocava alegria. No presente, o escárnio é quase palpável. Se soubesse como voltar para o início, o faria. Se pudesse jamais ter tentado tocar o júbilo, não teria se queimado e tudo seria mais leve. Mas, não foi isso que ocorreu. Desejou intensamente devorar cada segundo ao seu lado. As vontades dominaram os pensamentos e, outra vez, falhou em manter a dignidade. Por que algumas músicas são tão avassaladoras? Não sabe a solução deste enigma tortuoso.

O que tem certeza é que apenas o Universo escuta seus clamores. O resto é pranto seco guardado no peito despedaçado. Se um dia foi sua, foi por querer, profundamente, pertencer. Não há como cobrar uma outra realidade que não esta. Se incendiou completamente a estrada de volta é porque sabe o tamanho do pulo, bem como o vendaval que mora ali dentro. A fuga é certeira, mas a ausência é mortificante. Se ao menos a visse em algum momento, poderia ter a certeza que foi tudo fantasia. Deve ser, só pode ser. Não quer mais lamentar pelas decisões e sentimentos incontroláveis. Ou pela memória apagada. Ou, ainda, pelo caos convocado por seus atos. 

Quer ir embora. Implora pela liberdade. Quer selar o pacto consigo e não o quebrar jamais. Prefere correr para outros jardins, para um outro sorriso que não o dela. Mas, já está preenchida de confusão. A mente apaga quando a exaustão é alcançada. Assim, finaliza esta missiva quase secreta. Assim, entrega as palavras mal escritas para o mundo. Assim, fecha os olhos para que seja logo amanhã e sinta um pouco menos a sua falta.

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