Silêncio. O coração congela e a alma adormece. Nos seus
braços delira e sufoca-se ao mesmo tempo. Amanhece. A brisa do amanhecer
refresca as sensações. Sabe exatamente o que fazer. Renega. Quando pensa em
cortar as asas de uma vontade intensa algo diz para retornar. Expurga qualquer
sensação ruim e parte para o novo caminho escolhido.
Uma espécie de
pausa permeia o coração, esse, outrora ensanguentado, violentado pelos dias
cinza que viriam. Agora quer paz, verdade, uma sinceridade pouco encontrada.
Dói quando o arrependimento é maior do que a causa e já sabe que está certa.
Porém, não escuta. Não pode ouvir o último sopro da cristalina verdade sombria.
Seus olhos já não
vertem lágrimas. O pulsar acelerado cessa enquanto lembra-se das duras palavras
que viriam. O Universo múltiplo e perverso jogou em seus passos a decisão mais
difícil existente. O que a alma e corpo desejam contra o cotidiano cru, real,
concreto. Basta fechar os olhos e seguir. Basta apunhalar sua própria aura.
Esta que precisa de aventuras, de emoções fortes, de intensas relações, de
lutas diárias, batalhas imensas desvanecidas em um sorriso de júbilo.
Ainda assim, ainda
resta o cansaço dos anos que vieram. Das músicas tocadas. Das melodias
escutadas com tanto vigor e sem fantasias. A escrita pulsa forte e não
desmerece qualquer tentativa de regresso das canções que insistem em tocar, num
ciclo eterno, variando entre alegria e tensão. Mas, na verdade, não precisa existir nada, nem ninguém, nem luz alguma que reflita um intenso olhar quase
esverdeado.
Entre fugas e
conquistas descobriu a concreta razão vinda da vontade de sentir tão
intensamente cada momento. Por isso vieram tantos. Por isso escutou a
gargalhada de escárnio vinda de longe. Vinda de tão longe que sentiu o eco em
sua pele. Apostou a última moeda há muito tempo atrás, depois cansou de
rodopiar em eternos jogos, nos quais existiam apenas perdedores. E perdeu
rodadas infinitas de prazer e abandonou promessas sem fim.
Agora é chegada a
hora de silenciar a brutal emoção que habita sua carne. Que fazia com que os
olhos abrissem todos os dias. Os primeiros passos foram dados, não há retorno,
muito menos salvação. Uma decisão precisa ser concreta quando se é tomada. Não
há sentido em desfazê-la. Não mais deseja prantos inacabáveis, murmúrios na
madrugada, cantos ébrios numa noite sem fim. Não mais.
Sim. As horas
correm, a idade aumenta e todo o clichê da vida faz um pouco de sentido. Porque
não há maior sensação do que a de escolha certa, de momentos corretos e de
encontros perfeitos. Sem esperar, sem angústia, sem tristeza, sem desconfiança,
sem deixar de crer naquilo por um segundo. E não falou de si por instante de
si. Apenas desse destino que finca sua lâmina afiada na alma, todos os dias,
todos os minutos, todos os segundos.
Todos gritam no
seu ouvido e já sabe. Sempre soube. Desde o momento que começou a respirar.
Nada é por acaso, nada acontece por acontecer e o valor disso só se é sabido
quando os anos passam, quando as fidelidades são comprovadas, quando o sorriso
é real, quando as palavras que jorram de qualquer boca são puras. E veio. Vem
sempre. Esta. Sem ao menos esperar que possa se preparar. E ouviu aquela
gargalhada soar, viu aqueles olhos brilharem, fechou a porta e despertou do
eterno sonho em que vivia.
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