domingo, 14 de fevereiro de 2021

Ein Tag




Tentei. Tentei por tantos anos fugir das lamúrias que carrego no peito, das marcas do passado cobertas de temor, pânico, dúvida, sorrisos, precisos silêncios enxaguados de incertezas. Ao fechar os olhos, consigo tocar cada coisa de cada momento acabado. O Rei e a Rainha caminhavam de mãos dadas, o céu se iluminava e sabia o que era sorrir. No outrora, tudo que precisava estava ali e tudo que estaria por vir era apenas futuro turvo. 

Nos dias mais cinzentos, praguejo o destino e o vento. Depois, clamo por perdão pelo meu descaso. Na madrugada, imploro para que possa retornar, ao menos um dia, para a outra realidade cintilante. A de minhas fantasias, mas que também era de verdade. Eram tantos encantos e misteriosas sílabas quase cantadas, que mergulhava no universo deles e era feliz, naqueles instantes eternos de contentamento.

O barulho do mar embalava meu sono, junto com as canções recém-criadas. Ao acordar, era atabaque ou o som das risadas que anunciavam que o dia perfeito estava instalado. Não precisava nem levantar para ter esta certeza. Eles a entregavam. Não precisava de mais nada, a não ser que aqueles momentos se repetissem em looping, sem parar. Porque quando se findavam, o medo se fazia presente e os próximos passos eram impossíveis de serem reconhecidos. Num minuto, tudo desvanecia e era a mais infeliz das criaturas.

Contudo, não é disto que desejo falar, não no presente. Agora, não quero pensar no fel que escorria de suas bocas quando eu não era suficiente o bastante para apaziguar as mazelas daquela relação. Não, não é sobre isso. Ao contrário. É sobre a luz que batia no rosto, quando as mãos estavam dadas, quando o oceano banhava os pés, quando gargalhavam de uma piada sem graça. Era quase uma sensação de sonho. Para mim, é impossível conseguir descrever os sentimentos que apareciam, enquanto eu vivia naquele paraíso salgado. 

E eu nunca mais o terei. Talvez seja por isso que hoje eu tenha apenas pesadelos. Não me é mais possível imaginar uma realidade completa sem que estejam por lá. Nada será como antes e eu digo adeus para mim mesma, todos os dias. Quando durmo, quando meus olhos se abrem, quando tomo um gole de água. Porque o hoje, amanhã não será. Porque o ontem está manchado de lágrimas e sangue dos que partiram. Porque sua respiração cessou e metade de mim morreu junto. Porque hoje sou incompleta. 

 


Quando a lembrança é melhor do que a festa

  O sonho banha a memória em silêncio. As cores começam a fazer sentido outra vez. Seu corpo, manchado pela derrota de outrora, insiste em cavalgar em direção do infinito emudecido. Se conseguisse proferir palavra alguma, procuraria recordar os sentimentos do passado. Em um estado eterno de paralisia, se vê perdida em encantamentos falsos. Quando desperta, sussurra os nomes apagados pelo vento.

Bebe desilusão em um cálice cinzento desvanecido. Cobra os afetos perdidos para que volte a sentir o toque gélido da madrugada. A solidão costumeira finca moradia em sua alma. Os restos em putrefação caem em sua face e alimentam as discórdias internas. É de nostalgia que é feita, pois o presente é sempre abominável. É quando revive os erros em sua mente, que a sua rotina é completa.




Em qual pulo deixou de ser quem era? Em qual noite se entregou de vez a desistência? Quando os sábios entoam canções, busca apurar os olhos e compreender onde está a saída tão almejada. Quando há festa em demasia, afasta seus passos para que enxergue melhor a danação de seus dias. Não há retorno ou salvação. Foi na varanda que prometeu ser sua para todo sempre. Depois, apenas descontentamentos cruzaram seu caminho.

Não deveria haver apenas uma solução. Não é possível que não exista possibilidade de resposta diáfana e cristalina. É na transparência que deita a cada anoitecer. Cada frase que lhe pertence é coberta de verdade. Não há entrega pela metade, mas insiste em aceitar fragmentos de sentimentos errôneos e perdidos. As amarras são colocadas por ela mesma, junto com o pranto derramado por anos a fio. Se já sabe todas as sentenças, a amargura deveria ser o último resultado. Mas, é de finais que se alimenta. É da certeza do abandono que se faz.

Os seus erros são baseados no derradeiro número da equação. Testa os limites das afetividades até que possa declarar que sempre soube de tudo. Outra vez, se fecha para frases soltas e aparentemente doces. Mais uma vez, desiste de selar o encontro com o júbilo, pois tem fé na sua inexistência. Assim como os pássaros hão de cantar no amanhecer, seu suspiro final será precisamente confidencial. Com as lágrimas secando, olhará para o horizonte iluminado e proferirá o nome prometido.