Tentei. Tentei por tantos
anos fugir das lamúrias que carrego no peito, das marcas do passado cobertas de
temor, pânico, dúvida, sorrisos, precisos silêncios enxaguados de incertezas. Ao
fechar os olhos, consigo tocar cada coisa de cada momento acabado. O Rei e
a Rainha caminhavam de mãos dadas, o céu se iluminava e sabia o que era
sorrir. No outrora, tudo que precisava estava ali e tudo que estaria por vir
era apenas futuro turvo.
Nos dias mais cinzentos,
praguejo o destino e o vento. Depois, clamo por perdão pelo meu descaso. Na
madrugada, imploro para que possa retornar, ao menos um dia, para a outra
realidade cintilante. A de minhas fantasias, mas que também era de verdade. Eram
tantos encantos e misteriosas sílabas quase cantadas, que mergulhava no
universo deles e era feliz, naqueles instantes eternos de contentamento.
O barulho do mar embalava meu sono,
junto com as canções recém-criadas. Ao acordar, era atabaque ou o som das
risadas que anunciavam que o dia perfeito estava instalado. Não precisava nem
levantar para ter esta certeza. Eles a entregavam. Não precisava de mais nada, a
não ser que aqueles momentos se repetissem em looping, sem parar. Porque quando
se findavam, o medo se fazia presente e os próximos passos eram impossíveis de
serem reconhecidos. Num minuto, tudo desvanecia e era a mais infeliz das
criaturas.
Contudo, não é disto que desejo
falar, não no presente. Agora, não quero pensar no fel que escorria de suas
bocas quando eu não era suficiente o bastante para apaziguar as mazelas daquela
relação. Não, não é sobre isso. Ao contrário. É sobre a luz que batia no rosto,
quando as mãos estavam dadas, quando o oceano banhava os pés, quando
gargalhavam de uma piada sem graça. Era quase uma sensação de sonho. Para mim,
é impossível conseguir descrever os sentimentos que apareciam, enquanto eu
vivia naquele paraíso salgado.
E eu nunca mais o terei. Talvez
seja por isso que hoje eu tenha apenas pesadelos. Não me é mais possível
imaginar uma realidade completa sem que estejam por lá. Nada será como antes e
eu digo adeus para mim mesma, todos os dias. Quando durmo, quando meus olhos se
abrem, quando tomo um gole de água. Porque o hoje, amanhã não será. Porque o
ontem está manchado de lágrimas e sangue dos que partiram. Porque sua
respiração cessou e metade de mim morreu junto. Porque hoje sou
incompleta.