Já perdeu a lucidez faz tempo. Não lembra ao certo quando foi. A
progressão de sua tortura silenciosa se alastrou em meio ao caos. Por isso,
foram incapazes de ouvir e resgatá-la. Ou, assim prefere acreditar. Em suas
madrugadas, agora não tão mais longas, engole seco e o gosto de sangue chega aos
lábios. Quando o amargor superou o seu desejo de viver? Ainda consegue lembrar-se
dos dias iluminados de pó, de varanda e fumaça, de ebriedade e fantasia.
Era porque os pássaros cantavam
e entoavam canções de amor. Era porque pensava que sabia por qual caminho
seguir. Era porque ainda não havia descoberto como é tortuoso pisar no chão
incandescente e respirar o peso das manhãs. Seus sopros se baseavam apenas em
sinfonias de júbilo. Pouco em sua trajetória tinha sido de dor. Claro que
avistou montes de poços profundos. Desde muito cedo viu em outros olhares
o que agora mora no seu.
Não adianta continuar
escrevendo. É simples demais. É intenso demais. É risível. Foi ela mesma quem
disse, não foi? A dama ensanguentada. "Você aguenta pouco. Queria mesmo
era ser você". Disse, enquanto o líquido rubro escorria na pele. Ainda
podia escutar seus gritos. O tempo passou, mas os urros vindos da perfuração
ainda ecoam nos ouvidos dela. Então, não pode sofrer. Não lhe é
permitido.
Sabia? Foi o sorriso que lhe
foi ensinado. "Balance a cabeça, acene que sim ou que não. Sorria sempre
que puder". Nisso, a sanidade evaporou por seus tristes poros e já não
sabe a quem pedir socorro. Já está rouca de tanto que implora por ajuda. O
horizonte já parte e somente existe como se encaminhar para o final da história.
Mas, não é isso o que quer. Não exatamente. Ainda deseja escutar tudo, sentir
tudo. De uma vez, mesmo. Porém, de forma indolor.