Pausa. Todos os sentidos se calam por um instante eterno de melancolia. A canção já está no último volume e as frases ecoando na sua mente. Entre um ou outro devaneio, recorda. Relembra o início. Regressa para a primeira linha da história. Sorri levemente. Se ao menos soubesse as próximas páginas, não teria derramado o oceano manchado de dor.
Porém (e sempre existe um), se os passos cobertos de musgo, aqueles que
impediam de adentrar outras portas, não cobrissem a sua estrada o agora seria
dúvida. O agora. Este que cobre de flores a nova jornada. Este que acalenta.
Este que apenas o sorriso já é em si iluminado.
Ainda assim. O outrora existiu. Não foi? Tudo se torna turvo quando o
amanhecer floresce. Tudo se torna uma falha memória. Contudo, habitou aquele
ambiente arborizado. Foi lá que compreendeu metade de si. Foi lá que entregou
todas as suas forças, as sinceras palavras, os dias mais insanos. Mas era
somente neblina. Era somente um engano perfurando outros enganos. Era apenas
uma promessa insensível que jamais poderia ser concretizada.
E foi por querer. Amarrou sua alma ali. Perdeu-se e encontrou-se.
Segurou com força para não se deixar ir para outros lugares. Tentou até que não
mais pudesse. Porém, era inútil. Não pertence e nunca pertencerá ali. São de
outros abismos que precisa se jogar. E já criou um enorme muro, passo a passo,
lentamente. Uma forte e impenetrável parede que a separa de tudo que foi tão
terrível no outrora.
Se pudesse responder aos seus questionamentos antes, diria para fugir o mais rápido possível. Diria que era possível encontrar júbilo. Diria para não pular no
cimentado sonho tão coberto de fel. Diria para se calar um pouco, não rasgar o
coração, parar. Parar até entender que aqueles olhares eram de perfídia, que
aquelas palavras eram ilegítimas. Rasgaria as flores, quebraria o giz,
enterraria o vestido. Apagaria os versos, não provaria a fumaça, guardaria os
sinos, caminharia em outra direção.
Contudo não foi assim. Não foi? Foi diferente. Foi pesadelo embalado em
paraíso. Foi música que despertava juntamente com o canto dos pássaros mortos. Foi dose quente de ebriedade doce. Foram rompantes de culpa, lucidez, dores
e intensidade. Foram verdades expurgadas até a explosão de julgamentos. Foi
segredo revelado, aura diáfana se acinzentando, desejos tardios vivenciados.
E no agora, nesse florido e cálido instante, respira, enfim, sem
titubear. Mas, respira fundo. Respira profundamente. Silêncio. As vozes se
calam e o anoitecer se espalha. Sem costuras. Sem remendos. Apenas sendo.