Seus olhos. Eles pairavam no abismo. Na solidão. Na petrificação
dos sentimentos. Na perda da memória do que foi. Criando novos laços. Deixando
o outrora preenchido de névoa.
Caos. Por toda parte. Recolhe as lágrimas ainda
caídas pelo caminho. Grita por dentro em busca de respostas inaudíveis.
Silencia as marcas profundas. Aquelas cravadas na pele com o ferro ardente da
injustiça.
Os sortilégios tornam-se apenas uma breve
recordação. Agora eles já não lhe podem atingir. Um uivo distante de dor e já
sabe. Todas as culpas cairão por terra no instante em que abrir mais uma vez o
poço escondido. Se foi. Para morar na madrugada. Para se perder do horizonte.
Ao fitar o caminho percorrido já não compreende as pisadas manchadas de veneno
dos deuses.
Se ao menos pudesse resgatar o fel do
jardim abandonado. Se ao menos pudesse respirar outra vez. Aquele ar de
danação. Aquela aurora retumbante. Aquela ingênua sensação de libertação. Se ao
menos pudesse tocar em sua face novamente e enxergar o que antes vira. Ser
reencontro. Ser lembrança. Ser fumaça no tempo e no templo das verdades.
Mas a partida anunciada se fez presente.
Sua alma agora pertence aos bons. Aos que quebram as vidraças de tortura. Aos
que proferem palavras cálidas. Aos que protegem. Aos que lutam e quebram as
corretes enferrujadas. Aos que sobem na última torre da sagrada prisão e fazem
desabar qualquer questionamento de regresso ao paraíso enganoso.
Se suas veias rasgam e desfalece para
abrir os braços para o novo, nada mais justo que celebrá-lo. Ainda assim, uma
parte de sua energia sucumbe. Sucumbe na memória. Nas feridas. Na morte de
outro ser que pulou da ponte e já quase não mais existe. Não há retorno. Não há
salvação para a menina da varada. Afinal, nem mesmo ela existe mais. A
varanda. Não existe. Não existe. Não existe. Repete. Porque sabe. Porque agora
é outra. Porque agora queimou todos os livros. Queimou todas as pontes que a
trariam de volta.
As escolhas selam os pactos. Apaga-se a
bifurcação. Cambaleante, assume sua única e derradeira face. A única. E última.
Face. Destrói as cinzas. Suspira. Já é hora da nova realidade aflorar. E
entrega-se. Se despede. E vai.