Você só queria um pouco mais desse veneno que faz parte de
sua carne. Você só queria mais um beijo coberto pela bruma de um desejo
insólito. Você só queria a tempestade. Ou a ventania. E os pássaros mortos entoam as canções do passado. E o querer é inútil quando se constroem barreiras inatingíveis.
São essas barreiras, não são? Está tudo tão
petrificado dentro da pele. Já não é mais tão fácil encarnar a velha
personagem. A angelical face que desliza sobre o amanhecer selvagem que lhe foi
entregue. Ou seriam as barreiras das escolhas insensatas? Ou até mesmo o fel
que agora escorre de seus lábios.
Na verdade, são os zumbis que partiram, estilhaçando seu coração já machucado. E a falta de perdão dos seres místicos que
envolviam suas frágeis histórias. Ou são apenas palavras jogadas numa madrugada
que reluta em partir? Pelo menos não de dentro de si.
E a grande questão não é quem ficou para
trás. A maior questão nunca foi essa. São as torres e os muros. As correntes
invisíveis impostas pelo cotidiano. É tão banal que choca e surpreende. E o
silêncio é mesmo a resposta. Não dentro da metáfora de suas fábulas, mas o real
silêncio que preenche as noites cinzentas e conforta os passos.
Seus fios dourados e sua voz rouca. Ele
canta eternamente. Depois vem a valsa, depois vêm os gritos, depois vem a
discórdia. E esses ciclos se repetem para que tudo faça sentido. Ou sentido
algum. São os goles da doce bebida. Ou mais uma tragada do cigarro de menta. Ou
a fantasia. Prender-se nas lembranças também pode ser uma solução.
São muitas tolices e uma mente confusa,
indecisa. E os julgamentos sempre retornam. Abrem os braços. Em seguida, a
lâmina atravessa o corpo e o divide em dois. É sempre assim, não? Um recorte de
emoções e um momento ideal que jamais chega. Uma taça de júbilo e mais
sofrimento. Afinal, para que as palavras sejam escritas no papel é preciso criar
retalhos de dor.
Porém não é tão simples assim. São
diversos fatores, mergulhados em mais outros fatores. São os olhares distantes,
a culpa, o medo. São universos opostos se colidindo. São os momentos ébrios que
trazem desafetos. São intrigas memoráveis. Um pouco de abandono também. Até que
uma linha é ultrapassada e, a partir dali, não há mais volta. Não importa
quantos sorrisos sejam oferecidos. Haverá sempre um motivo para derramar a
derradeira lágrima. A última de muitas que virão.
Seria loucura então? Pedir um pouco mais.
Ou até enterrar o outrora. As ilusões. As afeições. O som fino do despertar
para o novo dia. As aventuras juvenis. Qual estrada seguir? Qual o problema de
não saber? Qual seria a verdade final?
São sim muitos questionamentos. E pensar
que há o esquecimento também é tolice. Não há como não pensar. Não há como não
sentir. Muito menos fingir que nada importa. Talvez o grande problema esteja na
intensidade dos sentimentos. Escolher para quem revelar os detalhes mais
profundos. Os segredos mais profanos.
Agora é fácil enxergar a multidão
esperando pelo próximo deslize. E sim, o silêncio deveria ser a resposta. Mas
as palavras insistem em sair. Se existisse um sim depois do não. De cada não.
De cada olhar evitado. De cada insistência negada. Tudo estaria tortuosamente
modificado. Como contar cada detalhe de um tempo que já se perdeu? Como reviver
todas as sensações que estão quase se apagando? Como fazer para resgatar um
momento que já passou?
Seus rostos são quase nítidos. Suas vozes
também. E se pudesse colaria cada pedaço de nuvem quebrada. De céus derrubados.
Cada tentativa de autodestruição.