sábado, 1 de julho de 2017

Saideira

 Foi, não foi? Para acabar de vez com essa canção insuportável que insiste em tocar. Acabou, não foi? Sua música intragável insiste em soar. Seus passos sempre foram enlameados de caos. Num sábado qualquer, de nostalgia e luto, não seria diferente. Entre um suspiro e outro, o alívio de estar viva e a dor em saber da finitude dos horizontes banhados em cristal de ilusão. Se algum dia pertenceu ao hall dos inocentes, foi banhada em seu próprio sangue que desintegrou qualquer esperança.

Talvez nunca tenha existido. Talvez os desenganos tenham chegado ao limite. Ou será que a porta se abre em todos os momentos em que o ar lhe falta e é preciso abrir bem os olhos para não se enganar mais uma vez. Seus clamores se tornam inaudíveis quando a memória pesa e já não consegue recordar o tom de sua voz. Já não existe lembrança da última rima insensata. Já não há mais fulgor que lhe baste ou aqueça o coração.

O abismo petrificado sorri ironicamente e deixa a valsa ecoar em sua mente confusa e abalada. Se ao menos pudesse recobrar os sentidos e ir em direção do que acreditava ser seu. Se ao menos soubesse como ressuscitar as sagradas promessas que lhe foram um dia tão caras. São secretas, não são? Todas as canções precisam de uma nota final. Aquela derradeira cifra na última linha da partitura. 



É inútil tentar insistir quando as páginas em branco se findaram e o resto é certeza maldita. Quando o caos se encontra com o silêncio em sua aura escurecida é como se o mar profundo dos olhares esmeralda possuísse a luz mais candente de todas e sufocassem sua vontade de prosseguir.

Não é mais possível achar uma cura para tal maldição. A preocupação com as frases incompletas e a solidão tardia da sua história roubaram-lhe os sonhos e os desejos apaixonados. Quando o sol se põe e é somente noite, todas as fadas escutam suas súplicas desesperadas. Mas o dia amanhece e é hora de recobrar os sentidos outra vez. O tempo esconde a ventania e com ela morrem as vontades resplandecentes. 

Tudo cinza. Sem cor. Sem viço. Somente palidez, frieza e terror submisso. É tudo que correu a vida inteira. E agora se desfaz das almas sorrateiras. Fecha os olhos e toma o último gole da saideira. 


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