domingo, 3 de janeiro de 2016

Desapego ou Ventania

 Os olhos se abrem. Mais um despertar. Um suspiro. A lembrança de um outrora iluminado. As recordações escorrem pela alma. Um trago da fumaça já tão proibida e profana. 

Mais um gole da doce bebida que esquenta a garganta e cobre os lábios de memória. Se o passado foi coberto pela batalha entre a dualidade de sentimentos, o presente deixa a certeza das marcas que ficaram em cada esquina perfumada pelos encantos dos sorrisos roubados. 

 Foram os amores, talvez. Ou os dessabores de um coração confuso e melancólico. Uma varanda secreta. Um jardim sombrio. Uma estrada nebulosa. Ou o caos disfarçado de paixão. Um silêncio com camadas profundas de exigências, que acabaram se fazendo sonoras.

Ou uma doçura preenchida de desejos e pedidos. Um grito mudo na madrugada abandonada. Uma sinfonia eterna de dúvidas. Um pouco de chagas e mágoas para que o próximo horizonte não se perdesse na amargura.

 As negações já não são mais suficientes. Muito menos as fugas. Quando as afirmações se tornam concretas, as lágrimas secam e já é tempo de ressuscitar vontades. De reviver momentos. De reencontrar as faces guardadas. 

De ganhar e reconquistar semblantes perdidos nas horas cegas e petrificadas. De descer finalmente da cela de trancas candentes, de cadeados fortes e carrascos insanos. De não mais segurar os desejos e as verdades escondidas.

 Clama por um pouco de libertação. Por mais canções sufocadas de alegrias. Por mais dias ensolarados. Mais pactos selados. Menos fel espalhado. E até mesmo um pouco de clichê ressignificado. Implora por menos dramas apaixonados. 

Mais calmaria espalhada. Mais força para os novos passos. Menos tortura silenciada. Mais faces rubras, após impropérios ditos em voz baixa. Ou exclamados em alto e bom som. Mais tardes longas e noites menos solitárias. Menos promessas. Mais ações sinceras, palavras reais, escrita singela, porém profunda. 

Após a entrega das verdades, sucumbe a danação de ser quem é e pertencer ao vento. Deixa que o silêncio se apague, o caos se dissolva, que a doçura se refaça. Escolhe desbravar os precipícios nebulosos, as flamas de dor reconquistadas, as frases longas de incertezas, as canções melódicas e certeiras, os desmazelos inteiros, as sublimações de festejos anunciados. 

E nesse ciclo retumbante e cruel, deita-se até o florescer do regresso da paixão. E nesse recomeço insólito adormece e aguarda a presença da cálida estação, que anunciará a próxima jornada, que dessa vez reinará. Até o último suspiro. Ou até que o vento cesse e mude de direção.




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