segunda-feira, 1 de junho de 2015

O canto mais triste da madrugada

 Você só queria um pouco mais desse veneno que faz parte de sua carne. Você só queria mais um beijo coberto pela bruma de um desejo insólito. Você só queria a tempestade. Ou a ventania. E os pássaros mortos entoam as canções do passado. E o querer é inútil quando se constroem barreiras inatingíveis. 

São essas barreiras, não são? Está tudo tão petrificado dentro da pele. Já não é mais tão fácil encarnar a velha personagem. A angelical face que desliza sobre o amanhecer selvagem que lhe foi entregue. Ou seriam as barreiras das escolhas insensatas? Ou até mesmo o fel que agora escorre de seus lábios. 

Na verdade, são os zumbis que partiram, estilhaçando seu coração já machucado. E a falta de perdão dos seres místicos que envolviam suas frágeis histórias. Ou são apenas palavras jogadas numa madrugada que reluta em partir? Pelo menos não de dentro de si.

E a grande questão não é quem ficou para trás. A maior questão nunca foi essa. São as torres e os muros. As correntes invisíveis impostas pelo cotidiano. É tão banal que choca e surpreende. E o silêncio é mesmo a resposta. Não dentro da metáfora de suas fábulas, mas o real silêncio que preenche as noites cinzentas e conforta os passos.

Seus fios dourados e sua voz rouca. Ele canta eternamente. Depois vem a valsa, depois vêm os gritos, depois vem a discórdia. E esses ciclos se repetem para que tudo faça sentido. Ou sentido algum. São os goles da doce bebida. Ou mais uma tragada do cigarro de menta. Ou a fantasia. Prender-se nas lembranças também pode ser uma solução.

São muitas tolices e uma mente confusa, indecisa. E os julgamentos sempre retornam. Abrem os braços. Em seguida, a lâmina atravessa o corpo e o divide em dois. É sempre assim, não? Um recorte de emoções e um momento ideal que jamais chega. Uma taça de júbilo e mais sofrimento. Afinal, para que as palavras sejam escritas no papel é preciso criar retalhos de dor.

Porém não é tão simples assim. São diversos fatores, mergulhados em mais outros fatores. São os olhares distantes, a culpa, o medo. São universos opostos se colidindo. São os momentos ébrios que trazem desafetos. São intrigas memoráveis. Um pouco de abandono também. Até que uma linha é ultrapassada e, a partir dali, não há mais volta. Não importa quantos sorrisos sejam oferecidos. Haverá sempre um motivo para derramar a derradeira lágrima. A última de muitas que virão.

Seria loucura então? Pedir um pouco mais. Ou até enterrar o outrora. As ilusões. As afeições. O som fino do despertar para o novo dia. As aventuras juvenis. Qual estrada seguir? Qual o problema de não saber? Qual seria a verdade final?

São sim muitos questionamentos. E pensar que há o esquecimento também é tolice. Não há como não pensar. Não há como não sentir. Muito menos fingir que nada importa. Talvez o grande problema esteja na intensidade dos sentimentos. Escolher para quem revelar os detalhes mais profundos. Os segredos mais profanos. 

Agora é fácil enxergar a multidão esperando pelo próximo deslize. E sim, o silêncio deveria ser a resposta. Mas as palavras insistem em sair. Se existisse um sim depois do não. De cada não. De cada olhar evitado. De cada insistência negada. Tudo estaria tortuosamente modificado. Como contar cada detalhe de um tempo que já se perdeu? Como reviver todas as sensações que estão quase se apagando? Como fazer para resgatar um momento que já passou?

Seus rostos são quase nítidos. Suas vozes também. E se pudesse colaria cada pedaço de nuvem quebrada. De céus derrubados. Cada tentativa de autodestruição. 


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