segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Ficção da madrugada


 Silêncio. O coração congela e a alma adormece. Nos seus braços delira e sufoca-se ao mesmo tempo. Amanhece. A brisa do amanhecer refresca as sensações. Sabe exatamente o que fazer. Renega. Quando pensa em cortar as asas de uma vontade intensa algo diz para retornar. Expurga qualquer sensação ruim e parte para o novo caminho escolhido.

Uma espécie de pausa permeia o coração, esse, outrora ensanguentado, violentado pelos dias cinza que viriam. Agora quer paz, verdade, uma sinceridade pouco encontrada. Dói quando o arrependimento é maior do que a causa e já sabe que está certa. Porém, não escuta. Não pode ouvir o último sopro da cristalina verdade sombria.

Seus olhos já não vertem lágrimas. O pulsar acelerado cessa enquanto lembra-se das duras palavras que viriam. O Universo múltiplo e perverso jogou em seus passos a decisão mais difícil existente. O que a alma e corpo desejam contra o cotidiano cru, real, concreto. Basta fechar os olhos e seguir. Basta apunhalar sua própria aura. Esta que precisa de aventuras, de emoções fortes, de intensas relações, de lutas diárias, batalhas imensas desvanecidas em um sorriso de júbilo.

Ainda assim, ainda resta o cansaço dos anos que vieram. Das músicas tocadas. Das melodias escutadas com tanto vigor e sem fantasias. A escrita pulsa forte e não desmerece qualquer tentativa de regresso das canções que insistem em tocar, num ciclo eterno, variando entre alegria e tensão. Mas, na verdade, não precisa existir nada, nem ninguém, nem luz alguma que reflita um intenso olhar quase esverdeado.

Entre fugas e conquistas descobriu a concreta razão vinda da vontade de sentir tão intensamente cada momento. Por isso vieram tantos. Por isso escutou a gargalhada de escárnio vinda de longe. Vinda de tão longe que sentiu o eco em sua pele. Apostou a última moeda há muito tempo atrás, depois cansou de rodopiar em eternos jogos, nos quais existiam apenas perdedores. E perdeu rodadas infinitas de prazer e abandonou promessas sem fim.

Agora é chegada a hora de silenciar a brutal emoção que habita sua carne. Que fazia com que os olhos abrissem todos os dias. Os primeiros passos foram dados, não há retorno, muito menos salvação. Uma decisão precisa ser concreta quando se é tomada. Não há sentido em desfazê-la. Não mais deseja prantos inacabáveis, murmúrios na madrugada, cantos ébrios numa noite sem fim. Não mais.

Sim. As horas correm, a idade aumenta e todo o clichê da vida faz um pouco de sentido. Porque não há maior sensação do que a de escolha certa, de momentos corretos e de encontros perfeitos. Sem esperar, sem angústia, sem tristeza, sem desconfiança, sem deixar de crer naquilo por um segundo. E não falou de si por instante de si. Apenas desse destino que finca sua lâmina afiada na alma, todos os dias, todos os minutos, todos os segundos.

Todos gritam no seu ouvido e já sabe. Sempre soube. Desde o momento que começou a respirar. Nada é por acaso, nada acontece por acontecer e o valor disso só se é sabido quando os anos passam, quando as fidelidades são comprovadas, quando o sorriso é real, quando as palavras que jorram de qualquer boca são puras. E veio. Vem sempre. Esta. Sem ao menos esperar que possa se preparar. E ouviu aquela gargalhada soar, viu aqueles olhos brilharem, fechou a porta e despertou do eterno sonho em que vivia.



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